por Raquel Abecasis
Lula já disse que não fica para a festa, mas a festa começa com ele, numa sessão enxertada à última hora a anteceder a sessão solene das comemorações dos 49 anos do 25 de Abril. Apesar da saída airosa que o PS e Augusto Santos Silva inventaram para evitar embaraços diplomáticos e não só com o Presidente do Brasil, Chega e Iniciativa Liberal insistem que é uma afronta trazer Lula da Silva para o centro das comemorações do Dia da Liberdade. E tudo piorou com as declarações do chefe de Estado brasileiro sobre a guerra na Ucrânia.
O que se vai passar esta manhã no hemiciclo é ainda uma incógnita. Certo é que à porta Lula da Silva vai encontrar manifestantes convocados pelo Chega para protestarem contra a visita. O Chega chegou a anunciar a maior manifestação de sempre, embora nos últimos dias tenha baixado os decibéis, talvez porque contasse com a participação de uma parte importante de insatisfeitos da comunidade brasileira em Portugal, mas o que é certo é que até agora ainda não se ouviram na rua esses protestos. Será que se guardaram para esta manhã? É a dúvida a que nem André Ventura sabe responder.
Quem deve estar à espera de Lula à porta do Parlamento é a comunidade ucraniana em Portugal. A associação de ucranianos não gostou de ouvir as palavras do Presidente brasileiro na China e prometeu demonstrá-lo ao vivo a Lula da Silva.
E se os protestos na rua vão ser audíveis e inéditos num dia de comemoração do 25 de Abril, lá dentro, no Parlamento, o chefe de Estado brasileiro não se verá livre de críticas e protestos. Quando começar a discursar, Lula da Silva vai ter à sua frente uma bancada praticamente vazia, apenas com o líder parlamentar da Iniciativa Liberal e, à sua direita, uma bancada cheia, mas com uma encenação que ninguém se arrisca a prever como vai ser. André Ventura já prometeu que “não vai ser bonito”, resta saber se os protestos se vão manter no impacto visual, ou se os deputados do Chega vão tentar impedir que o Presidente do Brasil discurse na Assembleia da República.
As declarações de Lula da Silva na China, poucos dias antes de aterrar em Portugal, abalaram o país político numa altura em que se procurava acalmar os ânimos e as críticas com a importância das relações luso-brasileiras. Ao defender que os Estados Unidos e a União Europeia, de que Portugal faz parte, são os principais responsáveis pela manutenção da guerra, o Presidente do Brasil criou uma onda de indignação em todo o mundo ocidental e deixou as autoridades portuguesas com mais um problema diplomático para resolver. Depois das palavras proferidas na China, o tema da guerra e a importância de afirmar a diferença de posições entre Portugal e o Brasil passou a ser uma exigência a criar mais um “irritante” à já polémica visita oficial.
Observadores da política internacional consideraram mesmo de muito mau gosto e uma desconsideração com Portugal o momento escolhido por Lula da Silva para fazer saber a sua posição sobre o conflito da Ucrânia. O facto foi interpretado como uma forma de inferiorizar o país e deixar claro que o Brasil não conta com Portugal para assumir o seu protagonismo na cena internacional.
Certo é que a par com outros protestos, as bancadas parlamentares devem estar esta manhã recheadas de bandeiras da Ucrânia na lapela de grande parte dos deputados. A exceção deverá acontecer só na bancada do Partido Comunista que partilha das posições assumidas publicamente pelo Presidente brasileiro. A demonstração de uma posição clara em relação ao conflito na Europa vai também ser visível entre os deputados do Partido Socialista, que não deixaram de fazer sentir o seu incómodo com as posições de Lula nos últimos dias. As primeiras declarações de Jamila Madeira, tentando desvalorizar a posição assumida por Lula foram muito contestadas entre os deputados e alguns tornaram esse incómodo vocal nos fóruns em que têm lugar nos meios de comunicação social. Sérgio Sousa Pinto sublinhou a total identidade de posições do Presidente do Brasil com as do Partido Comunista Português, Alexandra Leitão lamentou as declarações de Lula considerando mesmo que a posição assumida justifica os protestos a que vamos assistir esta manhã.
Se até agora a visita do chefe de Estado do país irmão está a correr com normalidade, e até com avanços significativos nas relações bilaterais que estavam em suspenso desde os tempos de Dilma Rousseff, a agitação prevista para esta manhã prova que Marcelo Rebelo de Sousa não teve uma boa ideia quando quis misturar esta visita com as comemorações da Revolução dos Cravos.
Em 49 anos, é a primeira vez que a sessão solene do 25 de Abril é partida em dois na Assembleia da República. Tudo por causa de um convidado especial que não reúne consensos.
Entre a última presidência e a atual, há um mar de acontecimentos que destruíram a imagem de Lula da Silva que percorreu o caminho das pedras de sindicalista a Presidente. O processo Lava Jato que arrastou na lama o Partido dos Trabalhadores (PT) com casos de corrupção a envolver grande parte do aparelho e o próprio Lula, que acabou por ser preso, mudou por completo a forma como é visto no Brasil, mas também em Portugal. Lula passou a dividir ao meio as opiniões, entre os que continuam a vê-lo como um herói e outros tantos que o consideram um bandido.
Em Portugal como no Brasil há os Bolsonaristas e os Lulistas e os dois prometem estar esta manhã na rua a fazer ouvir a sua voz nas comemorações dos 49 anos do 25 de Abril que este ano têm sotaque brasileiro.