Falta de mão-de-obra. Um problema difícil de resolver

O problema é transversal a praticamente a todos os setores de atividade, mas se para uns não há para os trabalhos básicos, para outros falta qualificação. O jornal fez um levantamento das dores de cabeça dos principais setores económicos do país, que transmitem as suas preocupações e levantam o véu em relação à possível solução do…

por Daniela Soares Ferreira  e Sónia Peres Pinto

 

Turismo

O problema não é novo. Os alarmes começaram a disparar em 2019, como reconhece ao i, o presidente da Confederação do Turismo de Portugal, mas as dificuldades continuam, principalmente com o aumento da procura. “A falta de mão-de-obra continua a afetar a atividade do turismo e é um facto que o aumento da procura tem levado a constrangimentos a esse nível”, diz Francisco Calheiros, garantindo que “a reposição de novos trabalhadores tem sido muito lenta por falta de uma estratégia concertada e efetiva por parte do Estado para tentar resolver esta situação”.

 E lembra que face a esta escassez, os empresários têm vindo a aumentar os salários e não hesita: “Alguns segmentos do turismo são aqueles que mais estão a aumentar salários em comparação com os restantes setores de outras atividades económicas. Uma coisa é certa, quando há escassez, o valor aumenta e o mesmo se aplica aos salários uma vez que não há pessoas suficientes para trabalhar”. Uma garantia que já tinha sido dada em entrevista ao Nascer do SOL ao afirmar “que quando se fala de salários, o que impera é a lei da oferta e da procura e se houve setor que, em 2022, mais aumentou os salários foi o turismo”.

Agora remete para os números do 4.º trimestre de 2022 quando comparado com o homólogo. “Há um claro aumento de salários. É, pois, uma falácia quando se diz que o turismo ganha muito e paga pouco e é também uma falácia quando se diz que o turismo paga menos que outras atividades económicas. É uma narrativa que não se enquadra na realidade”, salienta.

 Quando questionado sobre uma possível solução, Francisco Calheiros refere que é necessário “facilitar a entrada de pessoas que queiram vir trabalhar para Portugal, nomeadamente e no caso do turismo, mas não exclusivamente, com os países da CPLP”.

No entanto, na mesma entrevista, o responsável tinha referido que seria preciso agilizar este processo. “Precisamos desses imigrantes, mas eles também precisam de nós. Mas para esse problema ser resolvido tem de passar por vários aspetos, desde os consulares, aos serviços de estrangeiros e fronteiras, como também passa por uma ajuda, por exemplo, na questão da habitação. E conhecemos bem isso. Fomos um país de emigração durante dezenas de anos, agora acontece o oposto. Vejo a imigração como um aspeto positivo, porque quer dizer que estamos numa situação em que as pessoas de outros países querem vir para cá para terem melhores condições de vida. Sabemos bem o que é uma política de imigração e, nesse sentido, temos de apoiar essas pessoas”.

Também a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), apesar de reconhecer que a falta de mão-de-obra se encontrar abaixo do que era necessário em meses anteriores, admite que o desafio continua a ser grande. “Existe um abrandamento nesta questão dos recursos humanos”. “Enquanto há seis meses a oferta ficava deserta, estamos agora a assistir novamente a uma migração das outras áreas para o turismo. Continua a ser um desafio, sim, sobretudo em alturas de pico, mas já não é uma aflição tão grande como era em alturas de pandemia”, referiu Cristina Siza Vieira.

 

Restauração

De acordo com as contas da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), o setor continua a sofrer por falta de mão-de-obra. “Há muito tempo que se verifica a escassez de pessoas para trabalhar no alojamento e na restauração, até muito antes da pandemia da covid-19 já havia milhares de trabalhadores em falta. Com o aproximar a passos largos da época alta, essa escassez acentua-se ainda mais. Esta falta de trabalhadores nas atividades das empresas que a AHRESP representa é mais estrutural do que conjuntural, tem sido um dos principais problemas com que os empresários se debatem e prejudica, não só os próprios negócios, como o nosso produto turístico no seu todo”, diz ao ao i, Ana Jacinto.

E lembra que antes da pandemia estavam em falta cerca de 40 mil trabalhadores neste setor e, mesmo havendo um aumento de pessoal ao serviço na restauração e também no alojamento, os dados do INE mostram que o canal HORECA empregou menos 34 100 trabalhadores em 2022 face a 2019, dos quais menos 31 375 na restauração e similares e menos 2 725 no alojamento.

Devido à falta de oferta, a responsável chama a atenção para o facto de neste mercado também funcionar as regras da oferta e da procura e os salários, naturalmente, também são influenciados por isso. “Cada empresário, na altura de contratar, e mediante as suas possibilidades, decide qual a remuneração que está em condições de pagar. Não obstante, a AHRESP, através da sua contratação coletiva, tem assumido a sua quota parte de responsabilidade trabalhando para que as tabelas salariais estejam sempre atualizadas (e este ano não foi diferente), tabelas essas que resultaram de acordos com os próprios sindicatos, quer afetos à CGTP, quer à UGT”, refere.

Em relação a uma resposta para este problema, Ana Jacinto diz apenas que “não tem uma resposta simples, nem única”, defendendo que já foi feito feiro um diagnóstico sobre toda a problemática e que apontou alguns caminhos. “Este é um problema cuja solução deve passar por vários intervenientes, dos empregadores aos trabalhadores e até às entidades estatais. A imigração é uma área onde a associação já realizou um vasto trabalho, como é o caso de diversos protocolos e do trabalho desenvolvido com entidades públicas para integração laboral de imigrantes”, recordando que dispõe nas suas instalações de um Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), que continua também a promover ações para aproximar a procura da oferta, com uma forte aposta na formação, na qualificação e na valorização das profissões e dando como exemplo, a assinatura do protocolo de colaboração com a Fórum Turismo, que garante a presença da associação em todas as ações da bolsa de empregabilidade.

Ainda assim, Ana Jacinto refere que tem dado sempre uma atenção especial aos imigrantes, considerando que “representam uma importante parcela da força de trabalho e fazem parte do leque de soluções para colmatar o problema da falta de trabalhadores”, acenando com a lei que já veio prever novos mecanismos, como o “Visto para procura de trabalho em Portugal”, que habilita o titular a entrar e permanecer em território nacional com a finalidade de procura de trabalho. “É uma medida positiva, mas que, para resultar, precisa que a administração pública funcione de forma mais eficaz e eficiente, assumindo uma postura mais “amiga” do imigrante e do empresário. Nesta matéria, também destaco a importância da criação de um regime especial simplificado para cidadãos de estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas os resultados práticos ainda são pouco significativos para as necessidades existentes, até porque também não podemos esquecer o tema da inclusão e integração dos imigrantes. A imigração é necessária como já disse, mas de forma organizada e em condições dignas”, salienta.

Também Daniel Serra, presidente da Associação Nacional de Restaurantes, a Pro.var, diz que o setor neste momento está a ter uma maior procura. “Estamos a antever, como todos os anos, neste período, uma recuperação ao nível da faturação e como a restauração tem uma questão que é muito dependente dos recursos humanos e qualquer aumento de faturação tem um efeito linear na necessidade de mão-de-obra”.

De acordo com o responsável, o que se assiste neste momento é uma maior procura, garantindo que a restauração está, neste momento, “em grande alvoroço”. “No fundo, é reforçar as equipas, muito embora as mesmas já estejam, pelo menos nos restaurantes, minimamente reforçadas por força da pandemia ou de necessidade”. “Houve muitos problemas que a pandemia trouxe e um deles tem a ver com recursos humanos”, porque muitos restaurantes acabaram por não conseguir reter a mão-de-obra ou deixaram-na fugir para outros setores. “Muitos ficaram por casa, adquiriram novos hábitos. Foi um período realmente difícil para a restauração e foi preciso que os empresários, para debelar este grande problema, tivessem que aumentar salários, criar novas regalias, aumentar dias de folga, criar incentivos”.

E defende que “houve uma revolução no setor da restauração”, assim como no reforço das equipas, “com custos elevados para o setor”. Mas defende que existiu “um esforço para tentar assegurar um mínimo de funcionamento”. “Isto aconteceu para pelo menos ultrapassar o período de inverno, embora algumas equipas até estariam em cima daquilo que seria necessário. Agora que já estamos num período de crescimento de faturação, é necessário fazer um reforço”.

“A maior dificuldade não é tanto encontrar trabalhadores, porque neste momento aparecem em grande número, mas é encontrar trabalhadores qualificados que tenham realmente o mínimo de condições para poderem estar especialmente no front office, nas salas, o contacto com os clientes”. Já que, no backoffice, “a situação estará mais facilitada nos recursos humanos menos qualificados” porque aqui fala-se em pessoas para a copa ou “para trabalhos menos especializados”. E diz ao i, que os empresários têm conseguindo soluções “mas depois quando estamos a falar, por exemplo, de chefes de cozinha, cozinheiros, ou nas salas em que é preciso dominar as línguas e também ter alguma capacidade de reconhecer e perceber a cultura da empresa, e para poderem depois também prestar um bom serviço aos clientes, essa é a maior dificuldade”.

E depois existe outro problema que é a rotatividade elevada. “Os empresários até vão colocando trabalhadores, mas depois acabam por ter alguma dificuldade em reter por várias razões”. São elas “a baixa qualidade de muitos deles e também, sejamos realistas, as pessoas, atualmente, especialmente os jovens abaixo dos 30 anos, têm muita dificuldade em lidar com as pequenas agruras que às vezes vão surgindo na atividade. E a restauração tem os momentos mais difíceis”.

Daniel Serra garante também que “hoje existe realmente dificuldade em encontrar mão-de-obra capaz de enfrentar as exigências que o setor enfrenta e que é necessário”, afirmando que “não será fácil encontrar pessoas com as qualificações mínimas para a função que se exige”. E lembra que existem muitos trabalhadores que vêm dos PALOP “até em resposta àquilo que o Governo aprovou”, apesar de “muitos deles não terem qualificações mínimas para ocupar essa função”.

O responsável diz ainda que existe oferta só que “não é aquela que o setor necessita porque está desajustada”. E diz que aquilo que seria necessário “seria que esses trabalhadores tivessem um período de formação”. “Há muita rotação, há uma dificuldade muito grande de formar as pessoas e muitos empresários acabam por dar uma formação mínima e de repente esse trabalhador vai trabalhar para outro local, para outro restaurante ou para outro setor. Há aqui uma rotatividade muito grande e isto tem sido uma dificuldade constante”.

“A restauração nunca enfrentou um problema como atualmente enfrenta que foi muito agravado pela pandemia, os hábitos mudaram, as pessoas não estão recetivas a ter um emprego com um maior grau de dificuldade, porque criaram hábitos de qualidade de vida e querem ter muitas horas de lazer disponíveis e que, muitas vezes na restauração, não se coaduna”, diz o presidente da Pro.var.

E a resposta a isso por parte empresários é “aumentar as condições salariais de modo a que possam cativar. Mas mesmo assim, estamos a falar numa faixa etária entre os 20 e 30 anos, o que para muitos jovens não é isso que os cativa”.

 

Saúde

Na saúde é certo: há falta de médicos e o próprio ministro da Saúde, Manuel Pizarro, já admitiu que a falta destes profissionais é uma dificuldade que vai manter-se nos próximos dois a três anos, até que o problema seja resolvido estruturalmente.

Ao i, Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, explicou que há “aspetos muito preocupantes” e que, em primeiro lugar, está a “falta de condições e trabalho que existem nos hospitais e nos centros de saúde”. Ora, defende, essa falta de condições reflete-se em muitos aspetos, nomeadamente na “desmotivação dos profissionais de saúde e muitos deles saem do Serviço Nacional de Saúde”, acrescentando que “grande parte sai para o setor privado, para o setor social e outra parte sai para a emigração. E uma pequena parte, felizmente ainda pequena, mas existe, leva a que alguns médicos abandonem a profissão precisamente por esta grande desmotivação e pelas dificuldades que o SNS neste momento tem”.

No que diz respeito às mais recentes notícias, Carlos Cortes diz que “obviamente há falta de profissionais de ginecologia e obstetrícia no SNS, mas aquilo que o Ministério da Saúde tinha que ter feito atempadamente era criar condições para fixar os médicos no Serviço Nacional de Saúde”, garantindo que não é por falta de avisos da Ordem dos Médicos. “Há largos anos que a Ordem dos Médicos tem contactado o Ministério da Saúde precisamente para notificar do grave problema que havia em determinadas especialidades e que era importante mudar um pouco o paradigma do SNS e torná-lo mais competitivo, mais atrativo”.

Lembrando que alertou o Ministério da Saúde que tem mais de 1300 médicos jovens especialistas à disposição, o bastonário diz que “é inércia total” e “incapacidade de planear atempadamente, incapacidade de tornar o Serviço Nacional de Saúde atrativo e competitivo” por parte do Governo.

No caso dos enfermeiros não é muito diferente. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros diz ao nosso jornal que “é preciso contratar,” mas “também é preciso rever a carreira e criar condições para estancar a sangria da emigração”. Ana Rita Cavaco dá números: “Portugal forma cerca de três mil enfermeiros por ano e metade abandona o país”. E, devido a esta situação, diz que “enquanto não criarmos condições para travar esta onda, a saúde em Portugal não tem futuro. Já não são apenas os jovens que emigram, mas também profissionais com anos de experiência que perceberam que a carreira como está nunca vai valorizar o seu esforço e o seu mérito”.

Por isso, a Ordem dos Enfermeiros diz que mantém em cima da mesa a proposta que fez ao Governo, em 2016, e a todos os grupos parlamentares para o Orçamento do Estado de 2017: “Contratar três mil enfermeiros por ano nos próximos 10 anos. Uma medida que custa menos de 1% do orçamento para o setor da saúde”, reitera a bastonária.

Questionada sobre quantos enfermeiros são precisos atualmente para colmatar esta falha, Ana Rita Cavaco diz que “o único ano em que foram contratados 3000 mil enfermeiros num ano foi em 2021”, lembrando que em 2016, “o rácio de enfermeiros por mil habitantes, em Portugal, era de 6,7”. Olhando para 2022, esse rácio era de 7,2, segundo dados da OCDE. “Com o abandono da profissão, os que emigram e os que se reformam, os números não sofreram alterações significativas e continuamos a precisar de cerca de 30 mil enfermeiros no Sistema de Saúde que engloba SNS, privado e social” diz a bastonária.

No que diz respeito a regiões, garante, “a falta de enfermeiros é transversal ao país, mas sente-se ainda mais nas regiões do interior que têm dificuldade em fixar profissionais”. Ana Rita Cavaco defende que “é urgente pensar em criar condições específicas para quem decide dedicar a sua vida profissional aos serviços de saúde mais distantes dos grandes centros urbanos do litoral” e que “a universalidade só se garante se cuidarmos da coesão territorial, não distinguido portugueses de primeira de portugueses de segunda”.

 

Agricultura

“A escassez de mão-de-obra neste setor verifica-se sobretudo na atividade das colheitas, para as tarefas nas quais as soluções mecânicas e tecnológicas ainda não constituem uma alternativa viável, e com uma dimensão sazonal própria do setor. Neste caso, a oferta nacional tem sido insuficiente para estas necessidades, tornando necessária a contratação de imigrantes. A mão-de-obra disponibilizada pelo IEFP é escassa e apresenta um perfil pouco adequado, com falta de aptidão ou interesse para as tarefas em causa”, diz ao nosso jornal, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

O responsável refere que há “muito poucos candidatos interessados em trabalhar no setor agrícola”, defendendo que o o recurso à mão-de-obra imigrante “torna-se incontornável”. No entanto, lembra que, neste setor, as funções especializadas são, de uma forma geral, remuneradas ao nível de outros setores de atividade, senão mesmo acima da média para funções muito específicas, ainda que, como é natural, as tarefas indiferenciadas tenham uma remuneração inferior, o que naturalmente ocorre também na generalidade das atividades económicas. “O setor agrícola tem, contudo, desvantagens específicas que se relacionam sobretudo com opções políticas que repetidamente desvalorizam a importância do setor agrícola. Por exemplo, os sucessivos governos no nosso país nada fazem para corrigir a assimetria regional entre o litoral e o interior e, pelo contrário, assumem opções económicas e sociais que tendem a agravar esta realidade, comprometendo a atratividade laboral do setor agrícola, uma vez que esta atividade se pratica nas zonas rurais, onde infelizmente há cada vez menos pessoas. O problema do acesso à habitação e a retirada de serviços essenciais ao nível da saúde, das comunicações e das infraestruturas de uma forma geral por parte do Estado, em nada contribuem para melhorar esta situação”.

E garante que a contratação de imigrantes tem sido sistematicamente dificultada pelos atrasos na emissão de vistos. “A CAP tem vindo a diligenciar junto das entidades oficiais para que o Governo dedique uma atenção especial aos diversos Postos Consulares, nomeadamente no que diz respeito à emissão de vistos com celeridade. Os empregadores queixam-se de recorrerem ao IEFP sem qualquer êxito no que diz respeito à satisfação das necessidades de mão-de-obra. A única saída para um setor que se encontra a crescer como o agrícola parece ser a contratação de trabalhadores imigrantes provenientes de Estados terceiros, o que exige celeridade e profissionalismo do lado da Administração Pública Portuguesa na emissão de vistos. A contratação de tais trabalhadores estrangeiros representaria um acréscimo significativo das receitas da Segurança Social e os empregadores, além de terem ao seu dispor a mão-de-obra necessária, aumentariam as contribuições para a Segurança Social”, refere ao i .

 

Construção

O presidente do Sindicato da Construção Civil não hesita: “Há grandes obras que não vão avançar”, diz ao i, Albano Ribeiro, acenando com as grandes infraestruturas anunciadas pelo Governo, desde o TGV, ao novo aeroporto, passando pela habitação. “A atual ministra da Habitação diz que vai fazer habitações através das cooperativas, mas não é verdade. Desculpe a minha expressão, mas quando o primeiro-ministro enche a boca a dizer que vai construir 400 mil habitações não é possível, porque não temos mão-de-obra”.

De acordo com as suas contas, para já são precisos 90 mil trabalhadores e lembra que uma das prioridades passa por uma maior aposta em mão-de-obra qualificada. Daí ter solicitado, este sábado, à ministra do Trabalho que sejam retomados os centros de formação profissional que foram encerrados. “Estes encerramentos não são apenas culpa deste Governo, já se aplica a outros governos, o que leva a que não haja aprendizes no setor”.

Uma situação que leva o empresário a garantir que “a segurança no trabalho está ameaçada, o que é muito grave”, referindo que “sai um trabalhador para a reforma com know-how e entram dez não qualificados”.

E esta falta de mão-de-obra qualificada reflete-se nas mortes que se têm verificado e que, no seu entender, eram “perfeitamente evitáveis”, lembrando que, no ano passado morreram 54 trabalhadores e este ano já morreram sete ou oito. “Lançámos este ano uma campanha, em que dizíamos objetivo zero”, apelando a uma maior intervenção por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “Cerca de 70 a 75% da mão-de-obra que vem para Portugal, numa linguagem muito popular, vem para ganhar o pão nosso de cada dia e que nos seus países de origem não ganham. Mas não é a mão-de-obra que o nosso país precisa, uma vez que, não é qualificada e, por isso, os acidentes de trabalho se calhar vão aumentar vertiginosamente. A ACT tem de dar atenção às pequenas obras, onde acontecem a maior parte dos acidentes”, diz ao nosso jornal.

Ainda assim, admite que, a ACT “não tem meios, quer humanos, quer outros recursos para fazer uma intervenção mais abrangente”. E reafirma que essa intervenção terá de ser não nas grandes obras, uma vez que, aí defende que esses problemas estão resolvidos.

Já em relação à imigração acena com empresas, como a Mota-Engil que já estão a fazer essa formação em países, como a Guiné-Bissau, onde formaram 21 mil trabalhadores, como pintores, carpinteiros, etc. e que vieram para Portugal com os mesmos direitos e mesmos deveres. “Esse é o caminho. Mas há um custo e todo o processo demora, por isso, muitos optam pelas redes mafiosas, em que passado uma semana estão cá todos”.

E dá cartão vermelho a estas situações. “Num mundo contemporâneo haver trabalhadores num espaço onde deviam estar três estão oito ou nove é inadmissível” e agravar a esta situação está o facto de não falarem a nossa língua. “Os acidentes de trabalho podem aumentar de forma vertiginosa este ano e têm a ver com as questões comunicacionais. Os trabalhadores dos PALOP e brasileiros não têm esse problema, nem os espanhóis, mas os trabalhadores indianos ou do Nepal têm. Fui há dias a uma obra pública com 700 trabalhadores e destes 70% eram estrangeiros. E desses 70% são quase todos não qualificados”.

Outro problema, de acordo com Albano Ribeiro, diz respeito aos salários baixos que são praticados no setor. “Nos últimos sete anos 300 e tal mil trabalhadores saíram. Tem de haver uma situação apelativa para os trabalhadores virem trabalhar para o setor. Ainda na semana passada, passei numa zona do Porto por uma casa que estava a cair e agora é um hotel cinco estrelas construído por trabalhadores que ganharam possivelmente 800 euros no máximo e isso resultou num imóvel de luxo, que nem eles têm acesso, nem a maioria dos trabalhadores, que mereciam mais respeito”.

 

Automóvel

O setor automóvel não fica alheio a estes problemas. Ao nosso jornal, Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP (Associação Automóvel de Portugal), refere que esta “é uma situação generalizada em várias profissões e em algumas áreas”, reconhecendo que estas falhas também são sentidas da área da distribuição automóvel, assim como na parte oficinal, sobretudo ao nível dos mecânicos eletrónicos. “Há muita falta de pessoas para trabalhar nessas áreas. Mas isso, exige especialização, cursos e, às vezes, não há pessoas em número suficiente nestas profissões”.

Apesar de não ter feito um levantamento do número de profissionais que são precisos, o responsável, refere que “em conversa com os nossos associados temos noção dessa situação e destas necessidades”, referindo, no entanto, que a vinda de imigrantes poderá ser vista como uma espécie de tábua de salvação, desde que façam cursos no mercado português. “É uma atratividade que a indústria nacional pode dar”, salienta.

Já em relação à hipótese de aumentar salários, diz, apenas, que isso já acontece com as empresas do setor. “Não só através do aumento do salário mínimo que o Governo anunciou escalonadamente, quer também através da lei da oferta e da procura, que exige que os os salários tenha vindo a aumentar nesta área”, admitindo, porém que, isso tem vindo a colocar pressão do lado da tesouraria das empresas, defendo assim, “um equilíbrio”.

Apesar destes entraves, Hélder Pedro, afirma que as metas em termos de produção não irão ser postas em causa, quanto à reparação diz que poderão demorar mais tempo.

 

Têxtil

O setor têxtil conta com mais de 120 mil trabalhadores em todo o país, mas são precisos mais. Principalmente especializados. Ao i, Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), relembra que 80% do setor têxtil e vestuário está num raio de 50 quilómetros ao redor de Vila Nova de Famalicão. E que as restantes pessoas estão distribuídas por outros pontos do país, nomeadamente algumas na zona centro, outras também na zona de Lisboa.

Há falta de mão-de-obra? “Sim”, diz. E explica que “o setor, ao longo do ano passado, debateu-se com muitas situações de falta de mão-de-obra e houve várias empresas que começaram também já a recorrer a situação de mão-de-obra que não é nacional para procurar colmatar esta falta” de profissionais. “E muito tem a ver com o problema do inverno demográfico”, explica o responsável, acrescentando que o setor tem “muita tradição e conta com pessoas que trabalham nas empresas há 20, 30, 40, 50 anos e depois reformam-se. E quando se reformam – e que é aquilo que está a acontecer muito no setor – é difícil encontrar pessoas para os substituir”, diz, destacando que este é um problema que acontece noutros setores também.

E deixa números: “As pessoas que se estão agora a reformar, são as que nasceram no final dos anos 50, inícios dos anos 60. Nessa altura, nasciam em Portugal cerca de 250 mil. Perto do ano 2000, que são agora as pessoas que estão a chegar ao mercado de trabalho, nasceram 100 mil. “Há aqui um gap entre estas duas gerações do número de pessoas que entraram no mercado de trabalho. Quem nasceu nos anos 50 entrou no mercado de trabalho perto dos anos 70 e essas pessoas que entraram no mercado de trabalho nos anos 70 estão agora a sair, 40 anos depois, em 44 anos ou 45 anos, que é o tempo de trabalho para se atingir a idade de reforma. Quem começou a trabalhar por volta do fim dos anos 60, são agora os que estão a sair. E dos 250 000 pessoas que nasceram, há sempre uma proporção que foi trabalhar para as diferentes indústrias. E hoje temos esse problema”.

Sobre os salários, Mário Jorge Machado não tem dúvidas: “A melhor forma que um país tem para subir salários é promovendo o crescimento económico e promovendo escassez de produto. Neste caso, estamos a falar de mão-de-obra”. Ou seja: “Quanto há produto que é escasso o seu valor sobe. Isto é o elementar em termos da lei da oferta e da procura. Neste caso, aquilo que está a acontecer é que o nosso crescimento económico é pequeno, não é do lado do crescimento económico, é mais pelo lado da diminuição da oferta. Havendo menos oferta, é claro que os setores começam a competir entre si”. E diz que há pessoas de outras áreas a trabalhar no setor têxtil. “Há empresas do setor têxtil que já têm pessoas a trabalhar que estão formados em arquitetura, outros que eram barmans. E depois também há pessoas do setor têxtil que vão para a construção civil e há pessoal que eram da construção civil e vem para o setor têxtil. Começa a haver uma competição entre setores”.

O presidente da ATP considera que “era muito mais interessante para o nosso país que este problema fosse provocado sobretudo pelo lado do crescimento económico e que a procura de mão-de-obra fosse um problema colocado pelo crescimento económico, que é sempre um problema melhor do que do que um problema pela diminuição da oferta. Mas a diminuição da oferta também tem o efeito de elevação do preço”.

No que diz respeito à mão-de-obra qualificada – aquela que mais falta faz – tem a ver com a formação que dura entre dois a cinco anos. “A última coisa que uma empresa quer, depois de ter investido tanto na formação de um operador, de estar a qualificar essa pessoa, é perder essa pessoa, porque depois já é um investimento muito grande para a pessoa adquirir competências”, detalhando que “a última coisa que uma empresa pretende é pegar no seu investimento e ver esse investimento sair pela porta fora. É um péssimo ato de gestão, deixar que os investimentos se vão embora. Ainda por cima quando é um investimento que é um equipamento produtivo, e quando o equipamento produtivo sai pela porta fora a empresa ainda recebe algum valor desse equipamento produtivo”. “Quando é um colaborador, esse colaborador sai pela porta fora e leva todo o conhecimento com ele. Não paga pelo conhecimento adquirido. São as regras do jogo”, finaliza.

 

Supermercados

Falta de mão-de-obra que é transversal aos supermercados e que já levou o diretor-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED) a dizer ao nosso jornal que existe “dificuldade em recrutar para algumas áreas específicas, sobretudo as que são bastante técnicas, que exigem algum conhecimento e formação”. Gonçalo Lobo_Xavier admitiu ainda que existe um “esforço por valorizar o setor e a carreira na distribuição e por valorizar a atratividade de trabalhar no setor da distribuição, quer falemos de retalho alimentar, quer falemos no retalho especializado. Estamos todos a lutar no mercado aberto por melhores recursos humanos. Estamos a tentar formar melhor”.