por Raquel Abecasis
Augusto Santos Silva está a sofrer os efeitos colaterais da crise Galamba. Na semana em que quis mostrar ao país que, consigo, as atitudes do Chega não passarão, com a exclusão de um deputado da terceira força política do Parlamento na comitiva que o acompanhou a uma visita à Ucrânia, o facto passou praticamente despercebido com o desenrolar da crise política em Lisboa.
Depois da polémica reação dos deputados do Chega a Lula da Silva, Santos Silva colocou o tema na agenda parlamentar. Faz ou não sentido adotar novas regras e sanções para deputados que não respeitem as regras de civilidade na Assembleia da República? Na altura, o assunto parecia vir a fazer correr muita tinta, mas a verdade é que a voragem da agenda política da última semana parece ter atropelado a iniciativa do Presidente da Assembleia da República (PAR) e, agora, ninguém quer desviar as atenções a castigar o Chega.
Os partidos prometeram pensar sobre o assunto, mas os dias entretanto decorridos trouxeram muitas dúvidas às diversas forças políticas ouvidas pelo i. As imagens que mostraram Santos Silva a gabar-se da sua reação intempestiva numa conversa com o Presidente da República e o primeiro-ministro poucos minutos depois do sucedido não ajudaram. Nos corredores de São Bento comenta-se que o PAR está mais interessado em tirar proveito próprio de uma guerra aos deputados do Chega do que em pôr ordem no Parlamento.
A verdade, dizem-nos, é que o regimento da Assembleia já dá instrumentos ao presidente para impor a ordem. Em caso de distúrbios no hemiciclo, quem dirige os trabalhos já pode mandar sair o(s) deputado(s) em questão, ou, em alternativa, interromper os trabalhos para restabelecer a ordem. Mas o regimento dá também outros instrumentos ao PAR, ao abrigo dos quais, aliás, já foi decidida a exclusão da representação do Chega das visitas oficiais do presidente. Uma exclusão que já se verificou na recente visita da delegação de Santos Silva à Ucrânia, na semana passada.
Embora os vários grupos parlamentares estejam de acordo na constatação de que, nesta legislatura, as coisas se radicalizaram com a presença dos doze deputados do Chega, também todos concordam que este comportamento faz parte de uma estratégia. Rui Tavares diz mesmo que fica com a sensação de que os episódios mais agitados “são deliberados”, não decorrem de uma irritação do momento, “eles ligam e desligam a gritaria de forma estratégica”. E ninguém quer servir esta estratégia, a não ser, talvez, Santos Silva e o PS.
E os problemas não ocorrem só no hemiciclo, acontecem também nos trabalhos em comissão e até nos corredores. Inês Sousa Real, deputada única do PAN, queixa-se de já ter sido vítima daquilo que considera “ofensas” por parte dos deputados do Chega. E não é a única, outros deputados fizeram relatos semelhantes numa recente reportagem da revista Sábado.
Mas uma coisa é a constatação de que o ambiente mudou com a entrada no Parlamento dos deputados do Chega, outra é a questão de como lidar com isso, e o consenso entre as várias bancadas parece ser o de que a reação tem de ser muito bem ponderada e evitar em absoluto que as medidas adotadas possam beneficiar os prevaricadores. Ao i foi também reconhecido por algumas bancadas parlamentares que há um interesse implícito do PS e de Augusto Santos Silva em endurecer as medidas contra o partido de André Ventura. “Estão a cavalgar a ideia do Não Passarão, para demonstrarem que são os guardiões do regime”, diz-nos um deputado do PSD. O mesmo deputado lembra que Santos Silva foi o primeiro a abrir um precedente no desrespeito pelas regras da Assembleia da República ao ter uma posição de cumplicidade com a não eleição de um vice-presidente do Chega para a mesa do Parlamento, ao contrário do que sempre aconteceu.
Enquanto refletem sobre as vantagens ou prejuízos de adotar novas regras disciplinares, os partidos aguardam por um estudo comparado das medidas em vigor nos parlamentos que se confrontam com a mesma realidade. O estudo foi proposto por Rui Tavares, deputado único do Livre, e aceite pelos restantes partidos. Até esse estudo chegar e poder ser analisado, dificilmente haverá decisões. Na véspera de nova reunião, o PSD garante só tomar posição depois de uma análise ao que está em vigor noutros parlamentos, ou seja, amanhã não irá tomar nenhuma decisão.
Com ou sem estudo, a Iniciativa Liberal manifesta-se à partida contra novas sanções, enquanto BE e PAN tendem a considerar que o atual regimento já responde aos novos desafios causados pelas perturbações que têm tido origem no grupo parlamentar do Chega. Só o PCP recusa adiantar uma posição de princípio em relação a esta matéria.
A crise política que se abateu sobre o país nos últimos dias domina agora as atenções de todos os partidos, à esquerda e à direita. A verdade é que, neste momento em que o Governo está debaixo de fogo por causa do chamado caso Galamba, ninguém quer contribuir para distrair as atenções com uma nova polémica com André Ventura, que só poderá beneficiar o próprio, o Partido Socialista e Augusto Santos Silva.
As ordens são para não dar relevância à iniciativa de Santos Silva, que terá perdido a oportunidade de cavalgar a onda anti Chega depois dos episódios do dia 25 de Abril. O país político está concentrado noutras batalhas e a estratégia de afirmação do presidente da Assembleia da República ficou definitivamente secundarizada. E, com a agenda parlamentar que aí vem, Santos Silva bem pode ir repensando a estratégia. A crise Galamba, com novos episódios já esta semana, com as audições dos responsáveis do SIRP e do SIS que prometem reacender a polémica, não deixa margem para outros temas.
Assim sendo, o presidente da Assembleia da República vai ter de esperar por uma nova oportunidade para disciplinar o Chega e, com isso, tentar ganhar pontos como futuro candidato dos socialistas nas presidenciais de 2026.