por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A TAP continua a enfrentar ventos turbulentos e às mudanças de cadeiras na presidência da comissão de inquérito (CPI) à companhia de aviação há que juntar as perdas de mais de 57 milhões de euros registadas nos três primeiros meses do ano. A pressão parlamentar não tem dado tréguas e Seguro Sanches bateu com a porta: o deputado que presidia aos trabalhos acusou os sociais-democratas de atentado à honra e ao caráter. Lacerda Sales foi o nome escolhido para o substituir, mas os deputados socialistas não pouparam nas críticas, considerando «inaceitável o ataque de caráter que foi perpetrado por um parlamentar do PPD/PSD, contra Jorge Seguro Sanches».
Há muito que o até aqui presidente da CPI estava sozinho, com o PS a defender a realização de audições com menos tempo de perguntas para os partidos, e todos os restantes partidos a contestarem a decisão. E acabou por abandonar a reunião ainda antes mesmo de dar início à audição do dia, ao ex-acionista da TAP Humberto Pedrosa. «A forma como foi questionado o meu papel leva-me a questionar se continuo a ter as melhores condições para o fazer. Essa reflexão é uma reflexão que urge fazer», chegou mesmo a dizer, antes de pedir para ser momentaneamente substituído pelo vice-presidente da comissão, o deputado do PSD Paulo Rios de Oliveira.
Lacerda Sales só chegou à comissão em abril, ou seja, dois meses após o arranque dos trabalhos, para substituir Carlos Pereira. No entanto, como Seguro Sanches, também renunciou ao seu assento na comissão, ou seja, é a segunda baixa desde o arranque. O prazo da comissão de inquérito termina a 23 de maio, mas ainda não foi aprovado qualquer prolongamento. O líder parlamentar do Partido Socialista disse que não compromete com timings, informando que os deputados socialistas estão disponíveis para trabalhar de segunda a sexta-feira de forma a apressar os trabalhos da comissão. Ainda assim, aproveitou para tecer duras críticas ao que se tem passado. «Esse abandalhamento da linguagem parlamentar, esse abandalhamento da própria comissão parlamentar de inquérito, discutindo o acessório e não essencial, os deputados do Partido Socialista não vão pactuar com isso», referiu.
‘Tentei ficar até ser possível’
Humberto Pedrosa, que saiu no final de 2021 da estrutura acionista da TAP, após cinco anos de participação através do consórcio Atlantic Gateway – ao lado de David Neeleman – foi ouvido esta semana. No Parlamento afirmou que tentou ficar na companhia «até ser possível ficar», referindo que «quando chegou a altura em que verifiquei que não tinha condições para continuar, saí, com prejuízo», afastando ainda o cenário de ter sido «escorraçado». E salientou que considera que a TAP_é uma boa empresa, mas precisa de boa gestão, acenando com uma avaliação na ordem dos mil milhões de euros, antes da pandemia.
O empresário chamou ainda a atenção para os riscos que existiam e que sem a intervenção do Estado, em 2020, a companhia aérea acabava, mas considerou que a forma poderia ter sido outra, através de prestações acessórias e não em capital.
Quanto a Alexandra Reis, disse apenas que a considerava «uma grande profissional», daí defender ter sido considerada convidada para a NAV e para o Governo. Já em relação ao futuro, o ex-acionista considera que esta não é a melhor altura para vender a empresa. «Se calhar, neste momento, não era o momento para vender a TAP. Se a TAP fosse minha, eu esperava por melhor oportunidade», alertou na comissão.
E chamou a atenção para a necessidade de ter de haver cuidado com a operação. «Mesmo que a Iberia pagasse melhor do que a Lufthansa, eu acho que deveríamos optar por uma Lufthansa ou por outra companhia, nunca pela Iberia», considerando que há o risco do hub de Lisboa passar para Madrid.
‘Não soube que estavam sequer a negociar’
Quem também esteve presente na Comissão de Inquérito da TAP foi Ramiro Sequeira, antigo CEO da TAP e atual COO, que garantiu que só teve conhecimento da saída de Alexandra Reis depois de acordada entre as partes. «Não soube que estavam sequer a negociar», disse na comissão.
Sobre as «divergências irreconciliáveis» com Alexandra Reis, Ramiro Sequeira considerou «saudável» haver divergências em qualquer equipa de gestão. E acrescentou ainda que «nunca deixaram de ser tomadas decisões para o bom funcionamento da empresa por qualquer tipo de divergência entre estas duas pessoas, ou outras pessoas da comissão executiva».
O administrador operacional da TAP, Ramiro Sequeira, admitiu ainda que sabia que estava ao abrigo do estatuto de gestor público, a partir de 2020, embora não se recorde de uma conversa «exaustiva» sobre o assunto, recordando-se apenas de um email.
Ramiro Sequeira falou ainda sobre a possível venda da TAP ao grupo Iberia, dizendo que não vê problemas nesse negócio. E defendeu que os slots no aeroporto são o maior ativo de uma companhia aérea. O que protegeria o aeroporto Humberto Delgado e a TAP no caso de ser adquirida por uma companhia como a dona da Iberia.
Foco em Neeleman e privatização
A Comissão contou ainda a presença de Diogo Lacerda Machado, antigo administrador não-Executivo da TAP. Um dos temas abordados foram os 55 milhões de euros pagos em 2020 a David Neeleman para a sua saída da companhia aérea. Lacerda Machado garantiu não saber o que levou o Estado a pagar esse valor. «Não sabe, não tive envolvimento. Vai ter de perguntar a quem tomou a decisão», disse.
Sobre esse assunto, emitiu a sua opinião jurídica com base num artigo do Código Civil que prevê alteração extraordinária de condições, cláusula que, na sua opinião, se aplicava por causa da pandemia e que dá direito à resolução de todos os contratos. «Na minha opinião, todos os contratos e acordos feitos até então (entre o Estado e David Neeleman) perderam sentido, oportunidade e até validade intrínseca».
Ainda relativamente à privatização, o responsável diz que não exclui envolver-se neste processo, caso possa ser útil. «Não estou envolvido em nenhuma entidade interessada, tenho sido procurado por várias – e já agora não vejo nenhum conflito de interesses –, não aceitei nenhuma das abordagens, […] não excluo envolver-me se achar que posso ser útil à própria TAP», disse. Lacerda Machado acha que pode ser útil neste processo, por exemplo, contribuindo com «algumas alternativas àquilo que se tem perfilado».
Aumento de passageiros não impede perdas
A TAP terminou o primeiro trimestre com um prejuízo de 57,4 milhões de euros. A companhia área apontou ainda assim para ‘uma melhoria significativa quando comparado com os primeiros trimestres de 2022 e 2019 (+ 64,3 milhões e +49,2 milhões, respetivamente)’. A empresa acenou ainda com um ‘forte crescimento’ da atividade, com o número de passageiros e capacidade a superar os níveis pré-crise do primeiro trimestre de 2019 e a gerar um aumento das receitas para 835,9 milhões de euros, apoiado ‘em melhores níveis de utilização’ de capacidade da frota.
O número de passageiros transportados pela TAP no 1.º trimestre aumentou em 66,9% face ao mesmo período de 2022 e superando os níveis do 1.º trimestre de 2019, enquanto operou 34,2% mais voos do que no 1.º trimestre de 2022 ou 92% do mesmo período de 2019. ‘A TAP apresentou um forte desempenho operacional e financeiro, apesar do aumento dos custos e dos desafios operacionais. Enfrentar esses desafios às portas do verão é o caminho no qual temos de nos concentrar’.