Como era de esperar, as audições desta semana na Comissão Parlamentar de Inquérito provocaram um terramoto no país. Nas doze horas que duraram os depoimentos de Frederico Pinheiro, ex-assessor do ministério das Infraestruturas e Eugénia Correia Cabaço, chefe de gabinete de Galamba, transmitidas em direto pela televisão, os portugueses assistiram atónitos a relatos e contradições de viva voz sobre os factos ocorridos no interior de um ministério. A somar a tudo isto juntou-se o alarme social causado por uma intervenção do SIS altamente duvidosa e aparentemente ilegal.
Perante o sucedido, o PSD já tomou uma decisão. Montenegro acha inadmissível o silêncio de António Costa sobre a intervenção do SIS. Face a isto, um membro da direção social-democrata diz ao Nascer do Sol que «o PSD tem uma postura institucional, mas o consenso entre os dois maiores partidos será quebrado se tudo ficar na mesma» depois dos factos tornados públicos.
Depois de se terem ouvido vozes, entre as quais a de Miguel Relvas na CNN, a sugerir que o PSD pedisse uma nova CPIpara investigar a atuação do SIS, a nossa fonte garante que o PSD não vai expor as secretas a uma nova Comissão de Inquérito, mas quebrará o consenso existente entre PS e PSD se se mantiver esta cultura de falta de responsabilização por parte do Governo. Montenegro considera muito grave o que se está a passar e considera que o primeiro-ministro está obrigado a falar – se não o fizer o PSD assumirá as suas responsabilidades e tirará consequências daquela que considera ser uma postura irresponsável no tratamento de uma matéria muito sensível do Estado e que até aqui teve sempre o consenso entre os dois maiores partidos.
À hora a que escrevemos ainda não terminou a audição de João Galamba mas, pelo que já se ouviu, no interior do PS são cada vez mais os que se juntam aos partidos da oposição a pedir a demissão do ministro das Infraestruturas. Se há uma semana os socialistas mais críticos se referiam a Galamba como «uma bomba relógio prestes a explodir» no interior do Governo, agora o receio é que, se António Costa teimar em segurar Galamba, os danos sejam irreparáveis para o Governo e para a sua imagem diante dos portugueses. No PS já há mesmo quem fale na semelhança do que estamos a viver com os tempos em que José Sócrates perdia o controlo da situação e caía em desgraça.
Chefias do SIRP, SIS e Conselho de fiscalização em causa
Os efeitos colaterais das audições desta semana já extravasam em muito o plano político e atingiram em cheio os serviços de informações. Ao afirmar sem qualquer margem para dúvida que Frederico Pinheiro roubou um computador, Eugénia Cabaço acaba por auto-denunciar a ilegalidade. Em caso de roubo nunca o SIS poderia intervir. Está escrito na lei e daqui não se pode sair.
Ao dizer que «qualquer cidadão se sente intimidado» quando recebe à noite um telefonema do SIS, Frederico Pinheiro lembra a grande parte do país os tempos de má memória da atuação da PIDE. Percebendo o efeito que estas palavras tiveram junto dos portugueses, o SIRP, tutelado pela embaixadora Graça Mira Gomes, apressou-se a desmentir «categoricamente» que o SIS tenha coagido ou ameaçado Frederico Pinheiro. Só que o ex-adjunto nunca disse que tinha sido ameaçado, mas que «se sentiu intimidado» e acrescentou que o agente do SIS lhe confessou que «estava a ser muito pressionado de cima». Quem o pressionou? É a pergunta a que ninguém dos serviços de informações ainda respondeu.
Dos relatos até agora conhecidos sobram ainda outras dúvidas sobre a atuação do SIS em todo o processo. A chefe de gabinete diz que tem instruções para informar o SIRP em circunstâncias como as que ocorreram, mas não disse quem lhe deu tais instruções. O país ficou sem saber e, quer o SIRP quer o Conselho de Fiscalização do SIS, ainda não esclareceram quem está autorizado a acionar os serviços de informações do Estado. É uma chefe de gabinete? Por sua auto-recriação?
São estas e outras dúvidas que colocam neste momento em causa toda a estrutura dos serviços de segurança e avolumam-se os pedidos de demissão dos dirigentes destas várias entidades. Quando, ainda antes do início da audição a João Galamba, o Presidente da República veio dizer que «o prestígio das instituições é fundamental», quis deixar claro que está a acompanhar todo este processo e que dele irá tirar conclusões.
Estilhaços dentro do Governo
A somar aos relatos de violência, roubo e sequestro dentro do ministério das Infraestruturas, acrescentaram-se nas últimas horas receios sobre a forma como documentos de Estado classificados são tratados pelo Governo.
Perante a estupefação geral, a chefe de gabinete de Galamba assumiu perante os deputados da Comissão de Inquérito que o plano de reestruturação da TAP não estava nos arquivos do ministério. Segundo Eugénia Cabaço, o pedido de intervenção do SIS deveu-se ao facto de o computador do adjunto ser a única plataforma onde este e outros documentos se encontravam.
Estas declarações causaram grande indignação dentro do próprio executivo, com fontes ligadas à governação a garantirem ao Nascer do Sol que estas informações são falsas. «O ministério tem critérios para definir o que fica e o que não fica no arquivo de apoio ao gabinete», e «mesmo os documentos que não estão neste arquivo estão na cloud do ministério». Fontes garantem ainda que «todos os documentos que estão nos emails dos atuais e antigos membros do gabinete são acessíveis em poucos minutos através do CEGER».
A comprovar-se em próximas audições na Comissão de Inquérito que são estes os procedimentos adoptados, terá de se chegar à conclusão de que a narrativa da chefe de gabinete de João Galamba não corresponde à verdade.
‘Eu não menti ao país’
João Galamba apresentou-se na Comissão de Inquérito sem uma declaração prévia e procurando dar credibilidade à sua versão dos factos.
Questionado sobre a famosa reunião entre a CEO da TAP e o grupo parlamentar do PS em vésperas de uma audição na Comissão de Economia, garantiu: «Eu não menti ao país». Questionado sobre se tinha ou não sido ele a informar Christine Wiedener da reunião preparatória do PS, Galamba defendeu-se que só não o esclareceu porque não lhe foi perguntado.
Sobre o sucedido no ministério das Infraestruturas, em resposta ao deputado Pedro Filipe Soares do Bloco de Esquerda, sublinhou os episódios de violência e relatou as chamadas sobressaltadas que recebeu da sua chefe de gabinete a pedir ajuda.
Mais uma baixa na Administração da TAP
A Administração da TAP teve ontem mais uma baixa. O Presidente da Comissão de Vencimentos da transportadora aérea, Tiago Aires Mateus, tornou pública a sua demissão do cargo através de um comunicado.
«Não posso deixar de referir que a decisão de renunciar ao referido cargo decorre de motivos pessoais, mas também se esteia na minha convicção, tornada pública a 19 de Abril ultimo, de que a existência desta comissão de vencimentos não só não encontra fundamento na estrutura acionista da empresa, como constitui uma fonte de dúvidas sobre o exato recorte das atribuições, competências e procedimentos aplicáveis em matéria de fixação da remuneração dos gestores públicos», escreve Aires Mateus na sua carta de demissão.
A revista Sábado noticiou porém que a demissão do Presidente da Comissão de Vencimentos da TAP se deveu a pressões do ministério das Infraestruturas para alterar o salário do atual CEO da companhia aérea, Luís Rodrigues.
João Galamba desmentiu a notícia durante a audição na Comissão Parlamentar de Inquérito. «Nego categoricamente que tenha havido qualquer pressão do ministério das Infaestruturas, qualquer contacto do ministério das Infraestruturas», declarou o ministro.