Apesar do reforço do serviço de abastecimento de água realizado nos últimos 30 anos, fonte oficial do grupo Águas de Portugal considera «crítico o reforço da atenção e a ação no contexto da seca e da escassez de água», refere ao Nascer do SOL. E frisa que está a ser levado a cabo «um programa de medidas estruturais para reforço da resiliência dos sistemas aos efeitos das alterações climáticas, a par de medidas de contingência para garantir segurança hídrica em cada território».
Uma situação que ganha outros contornos depois de o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) ter revelado que a seca agravou-se em Portugal e que o mês de maio foi muito quente e muito seco. De acordo com o documento, foi o segundo mais quente a nível global e o oitavo mais quente desde 1931 em Portugal continental. E, de acordo com o índice de seca PDSI, no final de maio 35 % do território encontrava-se em seca severa e extrema (26% e 9% respetivamente), afetando especialmente as zonas do vale do Tejo, do Alentejo e do Algarve – sendo de realçar também o aumento da classe de ‘seca moderada’ na região Norte e Centro.
E nem a chuva sentida nos últimos dias vai mudar este cenário. Ao nosso jornal, Cristina Simões, meteorologista do IPMA, destacou a chuva – ainda que em pouca quantidade – ao longo desta semana, mas foi clara: «As quantidades não são suficientes para minimizar a gravidade que o território do continente está a atravessar».
Uma opinião que é partilhada por Jorge Marques, especialista do IPMA: «Qualquer chuva vem amenizar um pouco. Agora, se vai colmatar as necessidades é que não temos a certeza, porque não temos ainda com grande fiabilidade as quantidades que vão cair». Jorge Marques lembra que a chuva que tem caído é «muito concentrada a nível local». O especialista diz que «tem havido grandes precipitações que muitas vezes servem mais é para estragar que para atenuar». Jorge Marques acrescentou que é preciso ter em conta que as previsões mudam com alguma frequência. E a chuva tem caído mais a norte, mas é o sul que dela mais precisa: «O sul continua uma desgrava, é das regiões que mais precisa de água neste momento», diz, acrescentando não ter dúvidas que «as quantidades que vão cair não vão, de maneira alguma, com toda a certeza, mudar o cenário drasticamente».
Água em risco?
Para já, fonte do grupo Águas de Portugal afirma que «este ano não corremos o risco de faltar água nas torneiras», lembrando que as medidas tomadas «permitem-nos garantir água nas torneiras dos municípios servidos pelas empresas do grupo, que são a larga maioria e os mais populosos». E refere também que está disponível para apoiar outros municípios que enfrentem dificuldades, «como aconteceu no passado, quando a albufeira de Fagilde deixou de ter condições para abastecer Viseu e outros municípios vizinhos». «Estamos hoje a estudar uma solução robusta para garantir a fiabilidade no abastecimento de água a estes municípios», afirmou a mesma fonte.
Também Joaquim Poças Martins, em entrevista ao i, afastou o risco de falta de água nas torneiras, lembrando que nos anos 90 – altura em que estava no Governo de Cavaco Silva, enquanto secretário de Estado – foram feitas estações de tratamento modernas, através de de fundos comunitários. «Essas alterações levaram a que as grandes últimas secas, designadamente a de 2005 e 2017, não tenham tido reflexo nas torneiras. Houve seca, mas nunca faltou água e quero acreditar que nas próximas secas isso irá continuar a acontecer ainda mais, principalmente naqueles sítios onde ainda houve problemas, como o Algarve, Bragança, Viseu e em algumas aldeias do Alentejo».
Soluções em cima da mesa
Numa altura em que a seca continua a não tréguas em Portugal, há soluções que vão surgindo e que vão ganhando revelo. Uma delas diz respeito à dessalinização e, ainda esta semana, o ministro do Ambiente anunciou que irá abrir até ao final do ano o concurso para a construção de uma dessalinizadora no concelho de Albufeira, no Algarve. «Segundo os estudos realizados pela Águas de Portugal e que serão entregues para a avaliação de impacte ambiental, o local onde vamos propor a instalação da dessalinizadora é o concelho de Albufeira», disse Duarte Cordeiro no Parlamento, num debate sobre a água pedido pelo PSD. O governante revelou também que o plano de eficiência hídrica do Alentejo está pronto e será apresentado em breve. Já este mês tinha anunciado que iria adjudicar a empreitada para a concretização da ligação do Alqueva à albufeira do Monte da Rocha, «com vista a garantir o volume de água necessário de dois anos para abastecimento público».
Outra solução, de acordo com o Executivo, passa pela agilização da construção de charcas e armazenamento água para fins agrícolas. E daí estar a pretender isentar as licença de novas obras. «Estamos a preparar e brevemente será apresentada uma medida de apoio à criação de charcas e à sua instalação. Estamos a falar de pequenas reservas de água e vamos avançar com uma espécie de ‘via verde’ para a instalação de charcas, nos terrenos agrícolas», já veio garantir o secretário de Estado.
Também a reutilização da água poderá ser mais uma hipótese em cima da mesa. Uma solução que poderá resolver parte dos problemas, já que, como refere Joaquim Poças Martins, usamos entre 100 a 150 litros de água por dia que é transformada em esgoto, ao fim de uns segundos. «Não consumimos água, sujamos água. Ora, essa água em Portugal toda somada dá 600 milhões de metros cúbico e é o equivalente à água que sai do Alqueva para a rega de 120 hectares, o que é muito grande. O que estamos a fazer com essa água? Estamos a atirar para o mar, sem necessidade nenhuma».
E deixou ainda a garantia: «Já bebi água que foi esgoto não sei quantas vezes e o Bill Gates está farto de fazer programas a mostrar que essa é uma saída. Como é que isto pode ser feito? É pôr o Cristiano Ronaldo e a Madonna a fazerem isso para depois as pessoas copiarem». No entanto, reconhece que essa não é uma hipótese para já.
Questionada pelo Nascer do SOL sobre qual será a solução para o problema, fonte do grupo Águas de Portugal responde que esta passa por uma gestão integrada da água, nas suas diferentes formas, subterrânea, superficial, reciclada, dessalinizada. «No Algarve, por exemplo, as medidas em curso garantem um acréscimo de disponibilidade média anual de água de 17 hm3 em 2023, totalizando um acréscimo acumulado de cerca de 62 hm3/ano em 2026, valor próximo da procura urbana atual. Mas tão importante como a gestão da oferta, é garantirmos uma sociedade e os seus agentes económicos muito conscientes da necessidade de utilizar a água da forma mais eficiente possível. Estamos a trabalhar para isso nos territórios onde gerimos os sistemas de abastecimento de água», salientou.
Acusado por muitos de não fazer nada em relação à situação, o Governo tomou medidas restritivas ao consumo de água no sotavento algarvio, onde pretende reduzir em 15% o consumo da água das massas subterrâneas.
O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, e a ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, anunciaram ter ficado decidido que a partir de agora na barragem de Odeleite a cota de utilização de água para a agricultura será reduzida em 20%, somando-se uma redução também de 20% para a água utilizada para campos de golfe e jardins. Já para os campos de golfe com capacidade para reutilização de água, a limitação será maior, na ordem dos 50%.
Além disso, foi criada uma task force especial dedicada a esta região, com a Agência Portuguesa do Ambiente, a Direção Geral de Agricultura, entre outras entidades do Ministério da Agricultura, com o objetivo de rever os títulos de utilização de recursos hídricos atribuídos (para motorizar consumo de águas subterrâneas) e limitar 15% no consumo de massas subterrâneas na região mais a sul do país.