A justificação oficial foi a proximidade temporal com a Jornada Mundial da Juventude, que retiraria impacto mediático à reunião dos socialistas, e a vantagem da sua remarcação para data mais próxima das eleições europeias, para mobilizar os militantes e as estruturas do partido para a campanha seguinte; internamente argumentou-se com uma calendarização mais favorável tanto para as europeias como para a preparação de todo processo de escolha de candidatos e elaboração de listas para as autárquicas de 2025.
Em entrevista nesta edição do Nascer do SOL, o líder da concelhia do PS/Braga justifica o adiamento do Congresso nacional precisamente com a «preocupação» do partido com as autárquicas. Segundo Pedro Sousa, o que foi discutido nos órgãos nacionais é que as eleições previstas para as concelhias para outubro de 2024 serão antecipadas para o primeiro semestre de 2024, para que as concelhias possam fixar os seus órgãos até às eleições autárquicas e escolher os seus candidatos atempadamente, não estando à espera de outubro ou novembro para tomarem posse, apenas a sete ou oito meses de distância das autárquicas.
Contudo, politicamente, o adiamento do próximo Congresso do PS de setembro para março de 2024 tem outro efeito bem mais estratégico e significativo para o secretário-geral socialista e primeiro-ministro, António Costa: assim, está criado um tabu, ‘à Cavaco’, que só terá de quebrar daqui a dois anos, já depois das presidenciais de janeiro de 2026, se a atual legislatura chegar ao seu termo, e numa altura em que o novo inquilino de Belém ainda não poderá dissolver a Assembleia da República. Ou seja, o que Carlos César fez ao anunciar que o próximo Congresso do PS já não será em agosto mas só em março de 2024, foi dar a António Costa todo o tempo do mundo para decidir com todos os dados na mão o seu futuro político, caso cumpra o mandato, ou seja, se não desertar para a Europa antes e não houver uma crise política com convocação de eleições antecipadas.
António Costa já disse que pretende cumprir o mandato até ao fim, que, também por isso, não será candidato a Belém e só em 2026 decidirá se voltará a candidatar-se a um novo mandato em S. Bento ou não.
Ora, a intenção do primeiro-ministro e secretário-geral dos socialistas era naturalmente obstaculizada pelo calendário interno consagrado nos estatutos do partido: se este Congresso se realizasse em setembro, um congresso eletivo no verão de 2025 obrigaria o primeiro-ministro a decidir antecipadamente o que fazer no caso de se abrir o processo da disputa da liderança socialista, com a legislatura ainda com mais de um ano pela frente.
Com este adiamento que quase passou pelos pingo da chuva que caiu na semana em que foi anunciado, António Costa fica nas suas sete quintas: até março de 2026 só ele saberá se vai ou não de novo a jogo, no partido e no país, não terá de dizer a ninguém qual será a sua estratégia de coligações ou acordos pré ou pós-eleitorais, simplesmente porque poderá sempre refugiar-se no facto de poder já não ser ele o líder e candidato dos socialistas à chefia do Governo e por aí fora.
Além disso, em março de 2026 já terá na sua posse todos os dados para uma avaliação mais do que ponderada: como estão as sondagens, como está a economia, como está a direita, que cenários pré e pós-eleitorais são possíveis, quem é o chefe de Estado acabadinho de eleger com que o primeiro-ministro terá de coabitar na legislatura que se seguirá.
E, até desfazer o tabu, só mesmo ele terá toda a informação. Nem o Presidente da República, seja quem for, nem a oposição poderão arvorar-se de tamanha vantagem.
Uma mulher para a Europa
Entretanto, aproximando o Congresso das próximas eleições europeias (junho de 2024), António Costa retira qualquer veleidade à discussão interna sobre o estado atual do partido e, sobretudo, do Governo.
Daqui a mais de oito meses e a apenas a três meses da ida às urnas, já com certeza não fará qualquer sentido o debate interno sobre a remodelação no Governo – que muitos e destacados socialistas têm vindo a exigir publicamente –, nem o estado amorfo a que o líder tem votado o partido – sendo que o momento será de apelo à unidade e à mobilização do partido para o combate eleitoral que se avizinha.
Por isso, será altura, sim, de anunciar a escolha da cabeça de lista e fazer os acertos que permitam um consenso em torno dos restantes nomes da lista – o que nem sempre é fácil.
Se Pedro Nuno Santos parece ser uma carta fora deste baralho – uma eventual vitória daria um novo élan ao ex-ministro das Infraestruturas e lançá-lo-ia irrevogavelmente na corrida ao cargo de secretário-geral, e esse risco Costa dispensa –, já o facto de o líder socialista ter feito saber da sua preferência por uma mulher abre várias hipóteses nos bastidores socialistas.
Uma delas, tida como reunindo fortes probabilidades, é a escolha recair sobre a agora líder do PS-Lisboa e antiga ministra da Saúde, Marta Temido – a quem Costa exigiu a continuidade no Governo durante a pandemia, recusando-lhe os vários pedidos de dispensa e, até, de demissão.
E a escolha seria bem aceite no partido, uma vez que Marta Temida é considerada uma boa candidata tanto ao Parlamento Europeu como às autárquicas (seja para Lisboa, contra Carlos Moedas, seja para Cascais ou Sintra, cujos presidentes em exercício, respetivamente do PSD, Carlos Carreiras, e do PS, Basílio Horta, estão impedidos de concorrer por limite de mandatos).
Por outro lado, ninguém exclui a possibilidade de Ana Catarina Mendes, caso o deseje, ou Mariana Vieira da Silva, caso saia entretanto do Governo, poderem também ser opção para António Costa.
Sendo certo que, em qualquer destes dois casos, Costa permitiria (ou, intencionalmente, ‘provocaria’) uma ‘governamentalização’ dos resultados das europeias, ou não fossem ambas figuras referenciais do Executivo – Mariana Vieira da Silva enquanto ministra da Presidência e número dois do Executivo e Ana Catarina Mendes enquanto ministra dos Assuntos Parlamentares com pesado peso-político no Governo, na bancada socialista e no aparelho do partido.