Foi o desfecho que se previa e que Carlos Moedas tentou por tudo evitar. Ao fim de mais de sete horas de reunião pública, o processo de consulta pública relativo à Carta Municipal de Habitação de Lisboa, apresentada pelo executivo PSD/CDS, acabou chumbado pela oposição na quarta-feira. À exceção do PCP, que se absteve, todos os outros partidos à esquerda votaram contra (PS, Cidadãos por Lisboa, Bloco e Livre), tendo a proposta contado apenas com os votos a favor dos sete vereadores da coligação Novos Tempos.
O voto dos socialistas era necessário para viabilizar o processo, mas o boicote pré-anunciado acabou por se confirmar, tendo o PS/Lisboa justificado que não se revê no documento apresentado pelo executivo municipal.
Já assinei 560 milhões para habitação, diz Moedas
«O PS/Lisboa é hoje parte do problema. Eu não desisto de ser a solução. Em apenas 1 ano e meio já assinei 560 milhões de euros para habitação», reagiu assim o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em declarações ao Nascer do SOL. No Twitter, o autarca já tinha lamentado o facto de a oposição ter impedido os lisboetas de se pronunciarem sobre a estratégia de habitação.
«Mais uma vez a oposição revela-se de costas voltadas para a cidade. Mas não desistimos. Comprometemo-nos a fazer. Lisboa terá melhor oferta de habitação; iremos reduzir as assimetrias no acesso à habitação; e vamos regenerar a cidade esquecida ao longo dos últimos 14 anos», escreveu naquela rede social, na quarta-feira à noite, numa primeira reação ao chumbo do processo de consulta pública.
O executivo liderado por Carlos Moedas acusa os partidos da oposição de bloquearem uma estratégia de «dignidade e oportunidades» em Lisboa, argumentando que nos últimos 14 anos a política de habitação na autarquia falhou e que «muitos dos responsáveis por esse falhanço vêm hoje apontar o dedo a quem está a tentar recuperar esta década e meia perdida».
A 1ª cidade com carta municipal de habitação
«Lisboa podia ter sido a primeira cidade portuguesa a ter uma carta municipal de habitação. Mas a oposição não quis», reforça fonte da presidência da Câmara lisboeta.
Neste ano e meio de mandato, o executivo municipal congratula-se por já ter entregado 1200 chaves de habitação, construído e reabilitado mais de 1100 habitações, prometendo apoiar ainda este ano cerca de mil famílias no pagamento das suas rendas. Com uma verba total de 800 milhões de euros já garantida, faltava apenas lançar a consulta pública e aprovar a Carta Municipal de Habitação.
O documento em causa apresentava uma estratégia a 10 anos e assentava em três eixos fundamentais. A primeira prioridade era «aumentar e melhorar a oferta de habitação» na cidade, através das vertentes pública, privada e em parceria. A sua concretização estava desenvolvida numa proposta com 16 medidas concretas e apontava-se agora para um objetivo de, até 2033, disponibilizar cerca de 10.700 habitações, em propriedades do município. As outras duas prioridades da carta passavam por «reduzir assimetrias no acesso à habitação» (com 11 medidas) e «regenerar a cidade esquecida» (com seis medidas), perfazendo um total de 33 medidas.
Olhando com mais detalhe para as metas desta carta, o executivo municipal propunha-se a elevar para 500 o número anual de novos acessos a habitação municipal; a realojar todas as famílias que ainda estão por realojar no Bairro Padre Cruz e na Boavista até 2026 e acrescentar stock habitacional neste bairros; a manter a atribuição de mil subsídios ao arrendamento acessível por ano; como também a criar o conselho metropolitano de habitação, sobretudo tendo em vista a resolução de situações como a de migrantes vulneráveis. Outra das medidas recuperadas era a isenção de IMT para jovens até aos 35 anos, como via de fixação desta camada da população na cidade. A proposta foi duas vezes a reunião de Câmara e em ambas foi chumbada pela oposição. Em alternativa, a esquerda conseguiu aprovar um subsídio para arrendamento jovem, que não consta no documento estratégico de Moedas.
A autarquia queria ainda criar um plano de coabitação intergeracional, que permitisse aos estudantes universitários encontrar habitações disponíveis para arrendamento por idosos dispostos a arrendar, bem como dedicar parte das habitações municipais a profissionais deslocados, além de apoiar os proprietários privados em situações vulneráveis nas obras de casa que tenha de realizar.
Socialistas respondem com rendas acessíveis
Perante isto, o PS/Lisboa entendeu que não estava em condições de validar a carta nos termos em que era apresentada, alegando que o instrumento representaria uma «estrondosa desistência do maior programa da CML para a fixação de jovens e famílias de classe média», – o Programa de Renda Acessível (PRA) -, «num momento em que a cidade atravessa uma crise de preços sem paralelo, e à diminuição do ritmo de construção, mesmo com tantos projetos em carteira do anterior mandato e com dinheiro público e do PRR como a CML nunca teve».
Essa avaliação sustenta-se no facto de que a grande maioria dos 1500 apartamentos destinados a jovens e à classe média apenas seria disponibilizada a partir de 2033.
«Doravante, diz este documento estratégico, as únicas casas direcionadas para as famílias de rendimentos intermédios serão as construídas ao abrigo dos programas de concessões assinados pela autarquia», contestavam os socialistas, referindo que estes programas estão parados, «sem um único concurso lançado nestes quase dois anos» de governação PDS/CDS.
Na prática, acusaram os socialistas, o que há são «apenas 171 casas até 2028, todas resultado de programas adjudicados e em curso ainda no tempo da gestão do PS», sob liderança de Fernando Medina, e outras 100 habitações até 2026, «numa parceria com cooperativas, que ainda não tem regulamento, quanto mais projetos e obras lançadas».
Críticas a Moedas
Ainda em relação ao PRA, a vereação socialista mencionou também o projeto que está pensado para as Torres do Restelo e cuja conclusão também só está prevista para daqui a 10 anos no documento do executivo.
«O desrespeito pelas decisões tomadas pelo executivo não se fica pelo loteamento do Alto do Restelo, estendendo-se à inclusão na Carta Municipal de propostas duas vezes chumbadas em reunião de CML», criticaram, numa referência à medida para isenção do IMT para jovens até aos 35 anos.
«Apesar de toda a conversa do diálogo, Carlos Moedas comporta-se como se a autarquia fosse governada por despacho», atiraram ainda os socialistas, considerando esta atitude especialmente grave num momento em que «Lisboa vive a mais grave crise habitacional em duas décadas, incidindo essencialmente nos jovens e famílias de classe média» e tem mais dinheiro do que alguma vez teve, «com mais de 300 milhões de euros garantidos pelo Governo a fundo perdido», ao abrigo do PRR.