Aceitar a História

Quando a nossa maior riqueza reside na multiplicidade, é simplesmente absurdo e incoerente repudiá-la, porque não se pode combater o que está dentro de nós.

Por Alexandre Faria

Em 880 anos de existência, Portugal evoluiu por intermédio de diferentes regimes, com avanços e recuos na sua estabilidade, registando posicionamentos mais ou menos globais e por distintos esforços de consolidação da sua afirmação no mundo. Na atual fase democrática, permanece na tentativa de aprofundamento dos direitos e liberdades dos seus cidadãos, procurando adaptar-se às exigências modificativas de um veloz século XXI.

Pelas sucessivas eras de pura confrontação, em virtude de uma constante natureza humana propensa ao conflito, onde os mais fortes se sustentam à custa dos derrotados, o típico provincianismo português continua a manter o seu povo refém de uma subestimação permanente, desvalorizando particularidades muito próprias, suscetíveis de catapultar as elevadas possibilidades de um país. No fundo, alienando-o da sua própria condição.

A identidade de um território resulta da sua evolução histórica e da simbiose entre as diferentes culturas que a formaram ao longo dos tempos, da preponderância conquistada pela sua diversidade, acolhendo por comuns os traços que a definem e a distinguem. No caso de Portugal, o privilégio dessas influências retrocede a mais de oito séculos, persistindo, em muitos casos, como linhas orientadoras de uma comunidade transcendente às suas fronteiras formais.

 

Esta circunstância deveria obrigar-nos a pugnar pela tolerância e por um acérrimo respeito pelas diferentes culturas, nem que seja pela consciência de constituírem um passado comum e de integrarem a essência de quem somos.

Ao contrário de velhas alianças ainda vigentes, supostamente, e sem entrar numa análise profunda acerca dos seus desequilíbrios desde o início, a vocação oceânica permanece como o cerne mais distintivo, constitutivo de uma das maiores plataformas de entendimento e de oportunidades, a única verdadeira base alicerçada com o passar dos anos e à qual damos o nome de lusofonia. Impulsionada por uma língua partilhada entre milhões, saída da nossa diferenciadora mistura cultural, assume-se como o mais forte elo entre regiões, países e continentes, garantindo os pilares essenciais onde assenta a fundação de um conjunto de características paritárias e singulares.

Enquanto a lusofonia não for encarada como um desígnio absoluto, continuaremos a assistir a fenómenos de extremismo, a virar a cara às tragédias no Mediterrâneo como se nada nos dissessem, à vandalização de monumentos sem compreendermos as suas motivações e a tentativas de reescrever livros antigos, procurando apagar vestígios incómodos nos nossos dias.

 

Quando a nossa maior riqueza reside na multiplicidade, é simplesmente absurdo e incoerente repudiá-la, porque não se pode combater o que está dentro de nós. Para tal, é imprescindível aceitar a história e reconhecer a inevitabilidade de qualquer percurso ser feito por tentativas e erros, sendo certo que as novas gerações não são culpadas por decisões incorretas, injustamente retiradas do seu contexto.