PSD envia carta de indignação a Lucília Gago

Em carta enviada à PGR, Hugo Soares denuncia buscas de ‘grande desproporcionalidade’ a material confidencial e ‘fora do objeto de investigação’ e critica que ‘se desarrumem sem aparente critério as casas de cidadãos’.

Uma operação judicial de «grande desproporcionalidade», «devassa da vida privada» e falta de respeito «pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade». Foi assim que o secretário-geral do PSD classificou as buscas às sedes do partido e às casas de alguns sociais-democratas realizadas na quarta-feira, no âmbito de uma investigação que tem como alvo mais sonante o ex-líder do partido Rui Rio. Numa carta enviada à procuradora-geral da República (PGR), Hugo Soares reitera a «total disponibilidade» do partido para «prestar toda a colaboração com a investigação», mas também deixa várias críticas à forma como as diligências se processaram.

No entendimento do PSD, as diligências levadas a cabo «enfermaram de grande desproporcionalidade entre os atos realizados ao abrigo do mandado de busca e o objeto da investigação, que, segundo o que foi publicitado, já teve inquirições de testemunhas e envolvidos».

O braço direito de Luís Montenegro escreve ainda que não é proporcional e adequado que «se desarrumem, sem aparente critério, as casas de cidadãos» e que «se proceda indiscriminadamente à devassa da sua vida privada», bem como «à clonagem e apreensão dos seus aparelhos eletrónicos». «Estamos a falar de equipamentos essenciais a várias tarefas pessoais, institucionais e profissionais de cidadãos a  quem foi dito que se veriam privados desses bens ‘aí uns dois meses’», continua.

O dirigente social-democrata denuncia ainda como «excessivo» o facto de os inspetores terem ficado tanto tempo na sede nacional, obrigando um representante do partido a ficar no local «até cerca das 04h00 da madrugada enquanto se faziam cópias de alguns aparelhos informáticos, com a comunicação social a ampliar o clamor social».

Segundo o secretário-geral, foram objeto de apreensão «informações relevantíssimas do ponto de vista democrático e partidário», desde «correspondência dos serviços de implantação do partido com militantes respeitante aos seus processos de filiação/desfiliação/atualização de base de dados, informação bancária, ao registo absolutamente confidencial de entradas e saídas na sede do nacional do partido, a toda a correspondência digitalizada dos serviços da secretaria-geral», até  documentos «que contêm matéria de estratégia política». «Todas estas matérias parecem, evidentemente, estar fora do objeto investigado», acusa na missiva, pedindo a Lucília Gago «zelo e diligência, no escrupuloso cumprimento da legalidade».

 

Rio ‘tranquilo’

Afastado da vida política ativa, Rui Rio voltou esta semana aos holofotes mediáticos depois de ter sido alvo de buscas domiciliárias, no âmbito de uma operação que mobilizou cerca de uma centena de inspetores e peritos da Polícia Judiciária (PJ). Em causa estão suspeitas dos crimes de peculato e abuso de poder, nomeadamente pelo alegado uso indevido de dinheiros públicos, através de verbas da Assembleia da República definidas para a assessoria dos grupos parlamentares e que seriam utilizadas para pagar funcionários do partido que não trabalhariam no Parlamento.

Tranquilo a partir da varanda de casa, o ex-líder desvalorizou a situação e respondeu às perguntas dos jornalistas com humor: «Vou daqui para o médico porque me estou a sentir muito mal. Estou cheio de medo […] Vão descobrir os crimes todos que eu cometi, estou lixado», ironizou, depois de mais cedo ter garantido estar «muito calmo e sereno» e a colaborar com as autoridades.

Confirmou ainda que não foi constituído arguido, considerando que a investigação pretende «produzir notícias» e atingir a sua imagem. «Isso é o que querem. Se afeta ou não, não sei. Já tenho 30 anos de vida pública, as pessoas já me conhecem», sublinhou.

Rio defendeu-se com o argumento de que o que está em causa é «uma prática na Assembleia dos partidos todos», alegando que os «pagamentos não são ilícitos».

A investigação em curso visa ainda outros antigos e atuais dirigentes e funcionários do partido, como o deputado Hugo Carneiro, ex-secretário-geral adjunto de Rui Rio, e Florbela Guedes, antiga assessora de imprensa do antigo líder social-democrata.

O processo terá nascido em 2020, por denúncias internas, e deu origem à abertura de inquérito. De acordo com a atual direção do PSD, a investigação visa factos que remontam ao período de 2018 a 2021, ou seja, durante a anterior gestão social-democrata.

Rui Rio foi eleito presidente do PSD em fevereiro de 2018 e fez questão de levar consigo para o novo cargo a assessora que o acompanha desde os tempos de autarca na Câmara do Porto. Uns meses depois de tomar posse, a revista Sábado publicou uma investigação sobre a contratação de funcionários para trabalhar nos partidos com verbas dos grupos parlamentares. Já nessa altura, o caso de Florbela Guedes era apontado como exemplo. A assessora acompanhava em permanência o líder (que ainda não era deputado), mas recebia como assessora parlamentar.

Já em julho de 2020 foi tornada pública uma carta anónima de funcionários do PSD que alertava para situações de contratações para funções no partido, usando verbas do grupo parlamentar. A missiva dirigida ao Ministério Público, denunciava a existência de «empregos fictícios no grupo parlamentar do PSD» e nomeava casos concretos. Hugo Carneiro era um dos nomes que constava nessa lista.

Em novembro desse ano, a Procuradoria-Geral da República confirmou que tinha um processo a decorrer no Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa, mas só em maio de 2021 é que  que vários assessores, secretários e outros funcionários foram notificados pelo DIAP de Lisboa para serem ouvidos no âmbito deste caso, tal como noticiou na altura  o Nascer do SOL.