Os saldos têm cada vez menos peso no resultados das empresas, já que há «uma atividade promocional constante durante o ano todo», afirma o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP). Quanto ao impacto da Jornada Mundial da Juventude, admite que foi reduzido neste setor, no entanto, reconhece que a expectativa era baixa por parte dos empresários, tendo em conta o perfil dos peregrinos. Em relação à falta de mão-de-obra, defende que, em parte, poderá ser resolvida com a imigração e quanto ao aumento dos salários acredita que é necessário haver uma revisão da carga fiscal.
Com o aumento das taxas de juro e da inflação, o consumo dos portugueses tem-se retraído?
Já se está a notar alguma retração do consumo. É evidente que, em termos de valor, continuamos a registar taxas de crescimento, mas em muitas áreas, o número de unidades vendidas está estagnado ou até decresceu. E esse decréscimo reflete-se, desde o vestuário ao calçado até ao alimentar.
E medidas como o IVA zero têm ajudado a atenuar essa quebra? Ou considera que poderiam ser mais abrangentes?
Essa medida foi positiva até porque ajudou a baixar, um pouco, a inflação. Aí não há qualquer dúvida. Mas à medida que o tempo vai passando há outros fatores que influenciam esses preços. É o caso das matérias primas, do custo da energia, etc. E, como tal, esse efeito vai-se diluindo com o tempo. Ou seja, não tem um efeito estático permanente. Mas apesar de as medidas serem positivas, o que se está a verificar, de uma forma geral, é alguma retração no consumo, aliás até se tem verificado isso durante o período de férias. Por exemplo, em certas zonas do país, o turismo interno ficou abaixo das expectativas devido à retração financeira das pessoas. Por outro lado, verifica-se um ligeiro acréscimo do desemprego e, ao mesmo tempo, o clima económico europeu não está a ser muito favorável, nomeadamente nos países mais fortes do que Portugal, como é o caso da Alemanha, Grã-Bretanha, França e Espanha, que também não estão numa situação económica de evolução muito positiva. Em alguns setores já se verifica alguma retração nas exportações e é natural que até se possa vir a assistir a algum aumento do desemprego.
Os dados do INE revelados esta semana indicaram que a taxa de desemprego subiu 6,3% em julho, mas manteve-se idêntico a junho…
Acho que, neste momento, é uma incógnita, nomeadamente em certos setores, como o têxtil e outros que estão muito dependentes das exportações. E não podemos esquecer que, neste momento, mais de 70% das nossas exportações têm como destino os mercados europeus, quando a sua evolução económica não está a ser muito animadora.
Ainda assim, o Governo elogia o comportamento da economia portuguesa, que está a crescer acima da média europeia. Continua a ser muito poucochinho?
Crescer é sempre positivo, mas mesmo com estes níveis estamos muito longe daquilo que é necessário, em que se pretende uma convergência efetiva com a Europa. Os países europeus não estão a ter crescimentos muito grandes, em grande parte, devido à economia alemã e outras. E continuamos na cauda em relação aquele conjunto de países da nossa dimensão com quem competimos diretamente e em relação a esses, a nossa evolução não tem sido suficiente. Isto é, tem sido positiva, mas é claramente insuficiente.
E com esse crescimento e com o aumento da receita fiscal que tem engordado os cofres do Estado, o Governo deveria reforçar os apoios para aumentar o consumo?
O problema é que os apoios têm sido pontuais, mas, na maior parte, têm sido positivos. Agora não há de facto medidas de fundo em áreas de dinamização efetiva da economia, como o investimento. Além de que o ritmo de entrada por parte dos fundos europeus está bastante lento. O Portugal 2030 na prática ainda está no começo, ou seja, estamos com praticamente três anos de atraso e muitos projetos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] estão-se a desenvolver, mas também com atraso. Os apoios ao comércio e serviços dizem respeito, por exemplo, à digitalização, mas as aceleradoras digitais foram lançadas em julho e os bairros digitais serão lançados no princípio de setembro. Em termos reais, isso significa que se perderam quase dois anos.
E depois vamos correr atrás do prejuízo…
E começa a ser difícil atingir os objetivos. O projeto das estruturas digitais é para 30 mil empresas até 2026, dois anos, é quase metade do tempo que será necessário e depois, em alguns casos, teremos dificuldade em atingir os objetivos.
No caso do PRR chegou a dizer que o comércio estava a ser menosprezado. Mudou alguma coisa?
Não. No caso do PRR, neste momento, o que temos de fazer é aproveitar o que existe e que é pouco. Quer o comércio, quer os serviços em geral ficaram praticamente de fora do PRR. E isso tem a ver com a visão da economia, ou seja, grande parte do investimento do PRR é para o setor público e é evidente que tem efeito na economia. No entanto, um grande número de países com o nosso perfil destinou grande parte do PRR para apoiar diretamente as empresas, em que essa aposta foi claramente superior.
Há pouco disse que o consumo estava a sofrer uma retração. Os saldos, por norma, dão algum fôlego. Em relação aos anos anteriores esta época de saldos ficou aquém do que estava previsto?
Os saldos hoje têm cada vez tem menos importância, porque há uma atividade promocional constante durante o ano todo, nomeadamente por parte dos grandes operadores e é normal que o façam, mas também por isso é normal que o peso dos saldos seja menor neste momento no conjunto do negócio das empresas.
Já não é o tal balão de oxigénio ou tábua de salvação para as empresas?
Não. E está muito longe disso.
Em relação ao turismo, Portugal tem batido recordes atrás de recordes. Dá um maior estímulo às vendas?
O turismo neste momento está a ter um papel positivo, até porque o número de turistas tem aumentado e tem tido uma contribuição importante nas balanças comerciais e financeiras. Mas o turismo em si não é uma alteração estrutural na economia, é um setor importante, esperemos que a sua importância se mantenha e se for possível que cresça, mas não é a resposta certa em termos de longo prazo às necessidades da alteração da estrutura económica portuguesa para que seja mais sólida.
E no caso da Jornada Mundial da Juventude. Já é possível saber qual o foi o impacto? Houve muitos empresários a dizer que o consumo foi reduzido e até afugentou os turistas tradicionais nessa altura do ano….
Não teve um grande impacto, mas já era evidente com o tipo de consumidor base. Claramente que teve, em termos internacionais, foi positivo pelo facto de chamar a atenção para o país e provavelmente as pessoas ficaram com impressões positivas, mas o consumo médio da maior parte dessas pessoas foi baixo. Teve algum impacto na alimentação, especialmente no que diz respeito aos vouchers que foram distribuídos no comércio alimentar, em relação aos outros setores do comércio o efeito, em geral, foi marginal.
Defraudou as expectativas?
Os comerciantes nunca tiveram essa ilusão, os comerciantes sempre perceberam que a tipologia de pessoas que se deslocariam não iria causar grande impacto no negócio. Mas como disse, em termos de imagem terá tido um impacto positivo porque recebeu pessoas que poderão voltar, mas não havia uma grande expectativa por parte do comércio, até pelo contrário, há áreas em que inclusivamente as perturbações de circulação acabaram por criar dificuldades.
Houve até negócios que fecharam as portas devido a essas perturbações de circulação…
Exato, como também houve pessoas que se foram para fora para evitar as confusões de tráfico, etc. Como digo o impacto poderá ter sido positivo em termos de promoção, mas grande parte dessas expectativas foram criadas pela comunicação social. Os comerciantes nunca tiveram grandes ilusões, tendo em conta qual era o público que vinha à jornada ou que fossem grandes consumidores.
Ao contrário do que acontece com grandes espetáculos ou eventos desportivos, que geralmente puxam mais pelo consumo.
No setor alimentar e nas zonas onde havia mais pessoas a pernoitar teve maior influência, nomeadamente através daqueles vouchers que foram distribuídos para serem usados em algumas redes e isso foi uma situação positiva. No entanto, não alterou qualitativamente a situação da economia durante esse período.
E até ao final do ano qual é a expectativa em termos de consumo?
Acho que neste momento a questão marcante tem a ver com a retração e inclusivamente, pela primeira vez, estamos a assistir a uma retração no mercado habitacional e enquanto as taxas de juro estiverem neste nível vai aumentar as dificuldades para bastantes segmentos da população, nomeadamente para todos aqueles que têm empréstimos à habitação.
A ideia de contas certas do Governo, que também é defendida pelo ministro das Finanças, não permite ir mais além em termos de atribuição de apoios?
A ideia de contas certas ajuda a baixar o nível de endividamento do país e isso é positivo. Agora o que temos sempre defendido é que tem de haver um equilíbrio entre essa situação, mas, por outro lado, tem de ser acompanhado por uma aposta no investimento, porque só assim é que se consegue fazer crescer a economia. Nem sempre o balanceamento entre estes dois fatores tem sido a mais adequada por parte do Governo PS.
Há uns anos chegou a pedir a ter mais ministro da Economia e menos ministro das Finanças. Na altura, era Siza Vieira e Mário Centeno nesses cargos. Essa fórmula finalmente já está a ser aplicada?
O ministro das Finanças continua a parametrizar excessivamente as medidas económicas.
Estamos quase em vésperas de discussão do Orçamento de Estado para o próximo ano. O que é que gostaria de ver consagrado no documento?
Internamente ainda estamos a discutir as propostas que iremos fazer e também estamos a trabalhar com as outras confederações. O ministro das Finanças vai à concertação social no dia 13 de setembro. E até lá teremos as propostas para apresentar.
Acha que desta vez a concertação social correrá melhor do que já aconteceu no passado?
É uma incógnita.
Mas era favorável à revisão da carga fiscal?
Em geral, o que temos defendido é a baixa da carga fiscal.
Outro problema que o setor atravessa diz respeito à falta de mão-de-obra e que também atinge outros setores. A solução passa por uma maior aposta na imigração?
É inevitável, tendo em conta o défice demográfico, pelo menos uma geração. Mas não só em Portugal, mas também na Europa.
E aumentar os ordenados não poderia ser uma ajuda?
Mas para isso é preciso rever a carga fiscal, por um lado, e melhorar a produtividade, por outro lado.
A produtividade continua a ser o nosso calcanhar de Aquiles…
Temos uma produtividade baixa e continuamos a ter muitas interrogações, já que nada muda.
Em relação aos salários. Recentemente, a ministra do Trabalho disse que mais de 800 trabalhadores recebem o salário mínimo nacional. Mas tudo indica que o setor do comércio e serviços é um dos que tem mais trabalhadores nesta situação…
Historicamente é o que tem se verificado, mas a evolução do salário mínimo está consagrada nos próximos anos com o acordo que ficou estabelecido em concertação social.
E em relação à semana de quatro dias. É uma ideia que poderá atrair as empresas ou pensa que não irá convencer o tecido empresarial?
A semana de quatro dias com a estrutura económica e com a produtividade que existe não tem qualquer viabilidade. Em Portugal há 400 mil empresas e há 30 ou 40 que estão a fazer esta experiência, como tal, não tem qualquer significado. É uma questão que para nós nem se coloca.
Há uns anos disse que António Costa era uma pessoa muito complicada e que nunca sabe o que é que o primeiro-ministro pensa. Acha que houve uma evolução nestes últimos anos?
Acho que se mantém o comportamento que tem tido nos últimos anos e o primeiro-ministro não tem nenhuma alteração conhecida de personalidade.
Quanto ao trabalho do Ministro da Economia? Considera que tem dado a devida atenção a este setor?
Temos relações normais com o ministério da Economia. Falamos com o ministro e com o secretário de Estado.