Professores. “O ministro está muito otimista, mas nós não estamos!”

Todos os anos os professores defrontam-se com o mesmo problema: dificuldade nas colocações. Este ano, o ministro da Educação garante que as coisas vão melhorar. No entanto, tanto os docentes como dirigentes da Fenprof consideram que não é o suficiente.

A uma semana do começo no novo ano letivo e depois de sabermos que “a luta dos professores vai continuar”, continuam a ser muitas as interrogações sobre as colocações dos docentes no ano letivo de 2023/2024. Todos os anos, são muitos aqueles que têm de se afastar da sua zona de residência para continuarem a lecionar. Por outro lado, professores que durante vários anos se distanciaram das famílias e “tiveram de começar tudo de novo”, garantem que essa fase da carreira “acabou”. Outros ainda veem-se sem colocação.

Face à falta de docentes colocados nas escolas portuguesas, o ministro da Educação, João Costa, reconheceu no sábado que “haverá dificuldade de colocação de professores como há todos os anos”. Mas, ao mesmo tempo, João Costa deu conta de uma “tendência positiva na adesão aos cursos superiores da área”, o que indicaria que “os jovens estão novamente a olhar para a profissão de futuro”. Lembre-se que, na semana passada, o ministro garantiu que estavam preenchidos 95% dos pedidos feitos pelas escolas, que correspondiam à colocação de quase 13 mil docentes.

Mas serão estes novos profissionais suficientes para substituir todos aqueles que se irão aposentar? José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof, acha que não, já que haverá um aumento de 45% de aposentações em 2023, face a 2022. Até setembro, vão aposentar-se 2500 docentes, até dezembro serão 3500. Além disso, de acordo com Feliciano Costa, há áreas – como a geografia, história e informática – sem professores. “O ministro está muito otimista, mas nós não estamos!”, comenta.

Em resposta às declarações de João Costa sobre o aumento dos jovens que querem estudar para professores, o secretário-geral adjunto da Fenprof lembra que “temos muito poucos alunos a acabar o curso”. “Recordo que os que supostamente vinham agora para o ensino, são os que acabaram o curso há 4 ou 5 anos. Porque o ministro fala numa subida da procura – são mais umas centenas –, mas os alunos que chegam, acabaram há já algum tempo. São 600 e tal. Só este ano vão-se aposentar 3 mil e tal professores. Nós não temos professores para substituir os que se aposentam. Ou seja, este ano teremos novamente o problema da falta de docentes”, antevê.

 

Mudança de prioridades

Filipe Luís Antunes, de 45 anos, reside em Condeixa, perto de Coimbra. É professor de Português do 3º ciclo e secundário, desde 2004. Já deu aulas do 5º ao 12º ano, a uma “imensidão de disciplinas”: Português, Literatura, HGP, cursos profissionais, cursos EFA (adultos), etc. Desde que é professor que as regras de colocação e dos professores “estão sempre em mudança”, queixa-se. “Isto acaba por provocar instabilidade e desgaste, que se reflete na vida familiar pela incerteza que gera. Ao contrário do que o Ministério diz, essa incerteza não acaba quando se ganha um vínculo a um Quadro de Zona Pedagógicos, portanto é um mal que acaba por afetar não só os contratados, mas também muitos docentes do quadro”, explica.

O que mais fez na primeira década de carreira foi “correr o país”. “Já fui professor de Odemira a Aveiro, fazendo vários quilómetros. Fi-lo por opção, porque gosto do que faço mas também porque julgava que o futuro traria melhorias”, conta. Isto manteve-se mesmo depois de casar e ter uma filha. “Essa ideia, que agora considero romântica, acabou em 2017 quando fui colocado no Cercal do Alentejo, e a minha mulher, que também é professora, ficou em Campo Maior, deixando a nossa filha de 6 anos com os avós, pois sentimos que era injusto para ela ter que se separar do seu mundo”, lamenta. Além do esforço financeiro, foi o desgaste emocional que o levou a abdicar de horários anuais a 300km de casa, em troca de horários temporários junto da família.

O professor considera “propagandísticas” as declarações do ministro da Educação. “Vou dar um exemplo concreto. Neste preciso momento, o Ministério da Educação já não tem professores de Português que queiram ser colocados nos distritos de Setúbal e Lisboa (QZP 7), o último candidato do grupo 300 (Português) já foi aí colocado quando ainda existem dezenas de horários de português sem professor atribuído”, revela, acrescentando que, agora, “só se existirem candidatos que, não tendo habilitação profissional, concorram às Ofertas de Escola”. “Os restantes professores que estão por colocar preferem aguardar umas semanas por um horário perto de casa, do que ir para Lisboa ou Algarve. É insustentável ir trabalhar para esses sítios quando se tem outros compromissos, financeiros e familiares”, frisa Filipe Luís Antunes.

Este ano, a sua realidade “é a mesma destes últimos cinco anos”: esperar por uma colocação perto de casa, mesmo que seja num horário temporário. “Tenho feito assim e acabo por ficar perto, mesmo que durante ano letivo tenha de mudar de escola. Aqui, mesmo que o horário não seja completo ou para o ano todo, sempre tenho o sorriso da minha filha. Não troco nada disso por um lugar de Quadro a centenas de quilómetros de casa”, reforça.

 

Grupos de recrutamento

Durante as Conferências do Estoril, em Carcavelos, João Costa referia que “ter 95% dos pedidos dá-nos a segurança de que as escolas terão a tranquilidade necessária e sem carência de professores”. “Isto é a consequência das medidas tomadas ao longo deste ano para a redução da precariedade, que conduziram à vinculação de mais de 8 mil professores apenas neste ano. Foram pedidos 13 547 horários, destes, 12 814 estão já preenchidos. Há mais 356 horários pedidos e mais professores colocados do que no ano passado”, sublinhou.

Para José Feliciano Costa, esta vinculação é positiva, no entanto é “resultado de negociações”. “Há aqui, uma obrigatoriedade por parte da União Europeia, resultado da ação da Fenprof, que, ao longo dos anos, foi fazendo queixa. Portanto, há uma norma da UE que obriga o Estado Português a isso. Esta chamada ‘bondade’ de vincular esses 8 mil professores tem muito a ver com isso”, aponta, acrescentando que é importante recordar que muitos destes professores que vincularam agora são professores com 15/ 20 ou mais anos de serviço. “Não são jovens”, frisa.

Lembre-se que primeira reserva de recrutamento do ano letivo de 2023/24 fechou na sexta-feira passada e foram colocados 2775 professores (1006 docentes dos quadros e 1769 profissionais contratados em horários completos e incompletos), em particular no sul do país. O Ministério da Educação deu conta, ao jornal Público, de que foram ocupados 1058 horários completos (que correspondem a 22 horas semanais) e 1743 incompletos. Ou seja, ficam sem resposta 1377 horários, cerca de 33% do total: 429 são horários completos e 948 são incompletos. O próximo passo será a contratação direta pelas escolas. No que concerne aos grupos de recrutamento, segundo o Ministro da Educação, “os grupos que têm revelado maior dificuldade sobretudo na região de Lisboa são, na verdade, os grupos de informática, também a geografia e, com menor expressão, a matemática e as áreas das ciências, porque há mais oferta de trabalho”.

O que é que isto significa? De acordo com o secretário-geral adjunto da Fenprof, os professores são colocados na contratação inicial – os que são colocados, porque há outros que vinculam –, e depois passam para a reserva de recrutamento. “Portanto, é uma reserva de professores que conforme as necessidades vão sendo chamados ao longo do ano. Neste momento, há 20.800 professores nas reservas de recrutamento para cerca de 30 a 35 mil contratações que vão ser precisas”, denuncia. Por isso, para já, “há um défice de professores mesmo nas reservas de recrutamento em comparação com o ano passado”.

O que é que vai acontecer? “Vão buscar pessoal não profissionalizado. A lei agora permite. Foi o que aconteceu depois do 25 de abril, quando houve um boom na escola pública. Como aumentou o número de alunos, eram necessários professores. Vinham licenciados noutras áreas, como engenheiros químicos que davam química, um economista que dava aulas de economia. Licenciados sem preparação pedagógica… Não tiraram formação específica para o ensino, etc. O Ministério está a chamar gente dessa, que vem para o ensino fazer ‘perninhas’, horinhas extraordinárias, alguns porque estão desempregados… Esta não é a solução. Aliás, é uma ‘solução que vai degradar o ensino’”, defende.

 

 

Adaptar-se à realidade

Tiago Ferreira tem 32 anos e é natural de Condeixa-a-Nova. Em 2019, na sequência de ter feito especializações ao nível superior na área de História (mestrados) e verificar que não conseguia obter estabilidade financeira, mas também de ir sendo alertado por amigos e antigos professores que iria ocorrer uma enorme falta de professores, decidiu inscrever-se no Mestrado de Ensino em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. “Concluí o Mestrado em outubro de 2021 e passado três semanas obtive colocação, em Abrantes, através de uma oferta de escola”, conta ao i. “Em termos de colocações, não obstante elas serem bastante fora da minha área de residência, esta é uma fase em que o meu grupo de recrutamento (História) sente uma enorme falta de docentes”, revela. Das duas vezes em que participou no concurso de docentes (2022 e 2023) foi colocado na contratação inicial e na 1º reserva de recrutamento. Ou seja, nas três vezes em que foi colocado, esteve sempre longe da sua zona de residência. “O mais perto que estive foi a uma distância de 100 km, este ano são 207 km, já que fiquei colocado em Campo Maior”, continua. “Neste momento, não obstante encontrar-me distante da minha área de residência, encontro-me colocado desde o final de Agosto. A grande vantagem é ter mais alguns dias para poder organizar a minha vida (habitação). Irei trabalhar com 3º ciclo e secundário”, acrescenta. A grande dificuldade de ser um professor contratado, no seu entender, é que todos os anos tem que se adaptar a uma nova realidade escolar, “o que leva a que se leve algum tempo a perceber o contexto social e educativo onde se está inserido”. Por isso Tiago Ferreira considera que “estava na altura de se assumir de vez o problema da falta de professores, porque sinceramente é notório que nos próximos anos letivos a situação irá ser muito pior”.