José Manuel Santos. “O litoral alentejano poderá transformar-se no principal destino turístico europeu”

José Manuel Santos admite que o grande desafio no Alentejo ‘é tentar tornar o fenómeno turístico mais equitativo em toda a região’, mas reconhece que essa tendência está mais esbatida no interior. Quanto ao Ribatejo reconhece que é necessário atrair mais alojamento.

Como está o turismo na região. Já recuperou dos níveis antes da pandemia? 

Naquele tsunami que foi a pandemia, o Alentejo registou uma quebra nas dormidas, em 2020, inferior a 40%, quando, por exemplo, o Norte e o Centro registaram diminuições superiores a 50%. Até aguentámos bem o embate, mas houve consequências que ainda hoje são visíveis nos balanços e no endividamento das empresas. O turismo no Alentejo recuperou bem e tivemos em 2022, comparativamente a 2019, o maior crescimento de receitas das regiões portuguesas, crescemos 28% e crescemos 22% na receita por quarto disponível, o RevPAR [rendimento médio por quarto disponível] – que é um indicador importante porque nos permite perceber até que ponto é que estamos a conquistar segmentos mais qualificados. Tivemos ao longo de 2022 dormidas superiores a 2021, mas não recuperámos totalmente a procura externa face aos níveis pré-pandemicos. Esperamos fazê-lo este ano e estamos com uns bons primeiros sete meses. Somos a região que mais cresceu nas dormidas de residentes, em cerca de 8,7%. E se as dormidas de residentes estão a diminuir, no Alentejo estão a subir. Havia algum receio no início do verão por parte dos operadores em relação à forma como se iria comportar a procura interna, mas os empresários têm sido muito hábeis, muito competitivos, muito resilientes e têm conseguido aproveitar bem algumas oportunidades. Estamos prontos para o resto do ano, ainda com alguns trunfos para jogar no que diz respeito à consolidação que é a afirmação do Alentejo como destino turístico que quer crescer e ainda tem muita margem para isso.  

Os números vão ao encontro do que era esperado? Vimos este verão que o Algarve ficou aquém do que era expectável, pelo menos, em relação aos turistas nacionais… 

Fomos a região que mais cresceu em julho: 7,4%. É verdade que o crescimento no primeiro semestre foi de 9,2% no mercado interno, o que dá sinal de um ligeiro abrandamento, mas há um crescimento face a outros destinos nacionais que inclusive reduziram. O Alentejo é um destino muito familiar junto dos portugueses. É muito central e muito próximo da área Metropolitana de Lisboa, que é a principal emissora de turistas para a nossa região. E face às previsões que tínhamos no início do verão, os resultados estão melhores, mas ainda vamos ter de aguardar pelos resultados de agosto e de setembro. No entanto, o ano continua e já não temos diferenças muito significativas entre o fim do verão e o início do outono, muito graças ao aumento da procura internacional. Estamos confiantes que o Alentejo vai ter mais um bom ano turístico em 2023. 

Uma das críticas que têm sido feitas diz respeito ao aumento de preços…

É como a questão da inflação. Os governos têm de lançar medidas para proteger as famílias da subida dos preços. Há dias, um investigador da Universidade do Algarve fez um estudo que concluía que as empresas do alojamento deviam estar a vender os seus serviços 14 a 15% acima para não perderem dinheiro. Cada empresa sabe de si. Mas bastou um ligeiro recuo no preço médio do quarto no mês de julho no Alentejo para se conseguir captar turistas que provavelmente iriam para outros destinos. Precisamos de empresários atentos, competitivos. Os custos continuam muito altos. Acredito muito no bom senso e na capacidade das nossas empresas definirem os seus melhores preços. No entanto, era muito importante que o Estado também desse um sinal com alguma redução fiscal e dos custos de contexto.

E quais são as perspetivas até ao final do ano?

Estou expectante. Vamos lançar uma campanha para esta época de transição entre o final do verão e início do outono que vai ter como mensagem principal que o Alentejo e o Ribatejo são destinos todo o ano, um pouco colado à campanha do ‘Viaja pelo teu Interior’ do Turismo de Portugal. 

Em relação ao mercado externo há dois que têm sido muito importantes para o Alentejo que é o brasileiro e o americano que não têm conseguido recuperar. Como é que está essa situação? 

O mercado norte-americano está a crescer em todo o país, mas não é um fenómeno exclusivo do Alentejo. Era um mercado muito focado no produto de pousadas e em alguma hotelaria de topo, nomeadamente na região de Évora. Hoje está mais disseminado por todo o território e já os vimos na zona da Comporta e de Melides. Pelos dados do Turismo de Portugal quanto à utilização dos cartões bancários relativos ao primeiro semestre constatamos o que já se sabe: é um turista que tem um gasto médio muito significativo. Já o mercado brasileiro não recuperou totalmente no ano passado, mas é um problema transversal a todo o país e, em parte, deveu-se muito à redução de lugares nos aviões. O mercado chinês também vai recuperando. 

Há duas realidades diferentes, o Alentejo litoral e o interior. Nesta altura do ano ainda há resistência em procurar zonas do interior? 

O turismo do Alentejo tem cerca de 27 mil camas sem contar com o turismo rural e resume-se basicamente à hotelaria, ao alojamento local acima de dez unidades e apartamentos turísticos em aldeamentos. Há 10 anos tínhamos cerca de metade, praticamente duplicámos a capacidade do alojamento e este crescimento deu-se essencialmente no interior. Nos últimos cinco, seis anos, o litoral tem afirmado a sua capacidade de oferta e de procura, mas temos sensivelmente duas sub-regiões: o Alentejo Central, que corresponde ao distrito de Évora e o litoral alentejano. Cada um vale cerca de 33%/34%, quer do ponto de vista da procura, quer do ponto de vista dos proveitos. O grande desafio que temos é tentar tornar o fenómeno turístico mais equitativo em toda a região. A sazonalidade na zona litoral é muito significativa, está acima da média nacional e é um problema que nos preocupa. Por outro lado, está mais esbatido no interior. 

Mas ter a Madonna a andar de cavalo na Comporta acaba por ser um grande cartão de visita…

Sim, mas não foi só a Madonna. Todo aquele eixo Troia, Comporta e Melides está mediatizado nos órgãos de comunicação social internacionais de topo. O litoral alentejano poderá transformar-se a médio prazo, ou seja, em cinco anos no principal destino turísticos europeu. Há projetos de investimento que já estão no terreno que serão depois amplificados por um conjunto de figuras públicas que vão à região, mas também nos faz pensar que tem de haver uma grande consciência coletiva em termos de preservação das condições de sustentabilidade ambiental. Os projetos que foram aprovados têm as suas declarações de impacto ambiental, têm os seus planos de pormenor aprovados e é preciso que sejam executados, de acordo com as regras que estão definidas e que afirmem o Alentejo Litoral como um grande destino na Europa.

Mas depois também surgem criticas, nomeadamente na zona da Comporta, mas não só, de quererem fazer praias privativas… 

Isso tem de ser evitado e não é recomendável. Tem havido um trabalho grande de parceria entre o município e os promotores. E os principais promotores acordaram em reduzir a capacidade instalada dos seus projetos, pois sabem melhor do que ninguém que os seus projetos têm de ser ambientalmente sustentáveis e que têm de contribuir para uma imagem de responsabilidade ambiental e social. Hoje a procura turística privilegia cada vez mais a sustentabilidade e o respeito pelas comunidades. Não pode haver turismo numa zona em que a população está contra, isso é o pior que pode acontecer. Na Entidade Regional fazemos muito essa pedagogia, cada um tem de ter a sua quota de responsabilidade no processo: os promotores privados, as câmaras municipais que licenciam, a comissão de coordenação e a APA que têm a intervenção decisiva nos pareceres, no sentido de termos um destino turístico que nos orgulhe e que orgulhe as pessoas que lá residem. É fácil este processo? Não é, mas todos temos de trabalhar para podermos afirmar com orgulho que temos no litoral um destino turístico de grande qualidade. 

E que poderá fazer uma forte concorrência em relação ao Algarve que é um destino por excelência de sol e praia? 

Os destinos turísticos concorrem entre si. Isso é perfeitamente normal e saudável. Devemos olhar para isso com muito pragmatismo. O Algarve tem os seus méritos e é a principal região turística do país. O turismo no Alentejo, como costumo dizer, é uma indústria muito jovem. O turismo no Algarve começou na década de 60 com a construção do aeroporto, no Alentejo começou na década de 90 do século passado. Em relação ao litoral alentejano não tenho dúvidas que se vai afirmar como um grande destino turístico no país e na Europa. Desde que, todos, em conjunto, consigamos garantir que as premissas que estiveram na origem da aprovação dos projetos se vão manter. Muitos dos projetos hoteleiros serão promovidos por marcas internacionais de grande renome e fará com que o Alentejo seja um destino mais conhecido em todo o mundo e assim podemos crescer. O Alentejo não pode ser eternamente o turismo que vale 4% na oferta ou 4% na procura. 

E, por exemplo, reportagens que foram transmitidas em relação a Vila Nova de Milfontes que dizem que os turistas ficam assustados com a grande quantidade de imigrantes… 

Não tenho ideia que os turistas em Milfontes andem assustados com os imigrantes. Gosto muito de ir ao terreno, tenho 40 e poucos dias de funções como presidente da Entidade Regional e creio que o concelho de Odemira foi onde me desloquei mais vezes. Há uma perceção por parte da população de alguma insegurança, mas temos de olhar para a questão dos imigrantes como algo que joga a nosso favor. Temos imigrantes que estão naquela zona há mais de dez anos, pessoas que constituíram família, que estão integradas na população e precisamos de pessoas para trabalhar na nossa economia e no nosso turismo. Claro que esse tipo de reportagens não ajudam e temos de proteger a reputação dos nossos territórios. Somos uma entidade que tem como missão gerir integradamente o destino, não fugimos a esse desafio e, por isso, vamos criar um conjunto ações de comunicação e de promoção que afirmem o sudoeste alentejano como uma grande região turística. E é uma região com a qual os portugueses têm grandes afinidades: Vila Nova de Milfontes, Zambujeira do Mar, Costa Alentejana. Acho que já todos acabámos por passar férias naquela zona e temos de manter esse território muito atrativo, próximo dos portugueses e dos estrangeiros.

Em relação ao interior alentejano e ao Ribatejo já se começam a impor como um turismo de eleição? 

O Alentejo é um destino muito charmoso, tem um determinado reconhecimento diferente face a outros destinos. Queremos ser um destino de eleição para utilizar a sua expressão, quer junto dos portugueses, quer dos turistas estrangeiros. Um destino turístico que esteja a crescer. As regiões são muito diferentes e aquilo que o litoral alentejano pede e os problemas que tem são completamente diferentes daquilo que pede a Lezíria do Tejo ou o que pede o Baixo Alentejo. Temos respostas muito customizadas para os vários problemas. 

As praias fluviais são cada vez mais importantes para atrair turistas para o interior? 

É o Alentejo azul. Com a praia de Moura que vai ser inaugurada brevemente iremos ter oito e vão ser infraestruturas importantes até para a questão da sazonalidade, porque são equipamentos, onde tranquilamente o turista se tiver apoio balneário pode estar entre o verão e o inverno. Já o Ribatejo é uma região que ainda está em fase de crescimento. Aliás, definimos claramente a sua autonomização, porque não podemos trabalhar as regiões da mesma maneira. No caso do Alentejo é um destino que está consolidado, não tenho de fazer muito trabalho para recordar aos portugueses que quando querem sair um fim de semana ou numa ponte é uma opção. No caso do Ribatejo temos de fazer grandes investimentos para o posicioná-lo no mindset dos portugueses. 

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Uma região que é conhecida pelas touradas…

O Ribatejo é uma região que tem uma identidade fortíssima e à qual ninguém consegue ficar imune. Tem Santarém que é uma cidade absolutamente fantástica, tem Almeirim que é a capital da restauração com a sua icónica sopa de pedra. Também os vinhos do Tejo têm feito um trabalho muito interessante e têm melhorado imenso de qualidade. Tem a Lezíria e a Charneca, além de todos os recursos ligados ao turismo equestre e às touradas que são muito relevantes. É claro que temos de dosear e perceber que em determinados contextos de venda não devemos elevar o produto turístico, onde a tourada está presente. Recentemente uma corrida de touros em Santarém teve uma afluência significativa de turistas norte-americanos. E não podemos matar a identidade do território. Não podemos ignorar a força e a autenticidade que os temas que referiu têm neste território e temos de fazer deles argumentos de venda onde sabemos que os mercados vão acolher e que não vão criar um sentimento de repulsa. O Ribatejo vale cerca de quase 8% do total das dormidas da nossa área de região de turismo e está a crescer na oferta e na procura. 

E faz sentido juntar o Alentejo e o Ribatejo na mesma entidade?

Isso foi uma decisão que foi tomada há alguns anos. Tem a ver com a questão dos NUTS [unidades territoriais para fins estatísticos] e não vou comentar. Recebemos o Ribatejo com muita satisfação, com muito empenho e já está na nossa região desde 2013. Agora temos de estruturar e organizar mais produtos no Ribatejo e de atrair investimentos hoteleiros para esta região. Há muita vontade de alguns presidentes de câmara em conseguirem atrair investimentos hoteleiros, são municípios que já têm uma excelente qualidade de vida dos seus residentes, fizeram um bom trabalho de recuperação do espaço público e de infraestruturas, mas precisamos de um hotel. É necessário atrair mais alojamentos para o Ribatejo, que é um destino que está às portas de Lisboa e pode beneficiar muito dessa proximidade. 

Então a oferta vai ter de se adequar às necessidades das regiões?

No Alentejo, os hotéis de quatro estrelas já são predominantes na região, porque muitos converteram a sua oferta de três para quatro estrelas. No entanto, não temos sequer uma dezena de hotéis de cinco estrelas, precisamos de qualificar a nossa oferta com mais instalações hoteleiras de cinco estrelas. Mas acho que estamos no bom caminho, não é por acaso que a receita por quatro disponível registou a maior subida no ano passado face a várias regiões e até já estamos, por exemplo, à frente da região Centro. Também é preciso trabalhar um pouco mais a oferta para as gerações mais novas. O Alentejo é um destino para um determinado cliente: 30/45 anos, famílias com crianças que é o nosso principal target. Temos algum target sénior, mas estou a falar essencialmente da procura portuguesa. Precisamos de trazer mais juventude, os millennials, a geração Z e isso implica mais animação turística. É preciso fazer um esforço de adaptar mais a nossa oferta para um público mais novo. 

Na tomada de posse falou na necessidade de desenvolver as regiões numa lógica de longevidade e sustentabilidade. O que pode ser feito? 

Costumo dizer que se as entidades têm de aplicar no terreno a famigerada dupla transição: climática e digital, que não são conceitos retóricos, são reais. Uma entidade regional do turismo que tem na sua base associativa os empresários tem de alertar para essas situações. É claro que os grupos hoteleiros conseguem mais facilmente mobilizar consultores e têm programas de combate ao desperdício alimentar, mas muitas PME não têm. Não conhecem casos de boas práticas, não sabem como é que podem aceder a financiamentos para isso. Temos de lhes dar conhecimentos, dar-lhes formação. Hoje um qualquer diretor do hotel, não digo que tenha de saber fazer uma auditoria energética, mas tem de ter sensibilidade para mandar fazer e para ter uma monitorização corrente dos consumos da água, de energia. E nós temos de dar essas ferramentas, à data de hoje estamos a monitorizar cerca de 15 hotéis do Alentejo e, no final do dia, tenho relatórios, em que sei qual é, em média, o comportamento dessas unidades relativamente a esses parâmetros. No caso da transição digital não podemos pensar só na promoção digital dos empreendimentos. Tem de ser pensada numa lógica de como é que as novas tecnologias nos ajudam a reduzir custos, a facilitar a experiência do cliente nos hotéis, só assim é que as nossas empresas serão mais competitivas, conseguirão reduzir custos, conseguirão estar num mercado altamente concorrencial, manterem os postos de trabalho e, no limite, idealmente, pagarem melhor aos seus trabalhadores.

A falta de mão-de-obra é um problema. Sente que é mais difícil captar trabalhadores para esta região?

Sim. Não é só um problema de Portugal, não é só do turismo. É dos serviços, da construção civil, etc. No Alentejo, como zona do interior, o problema torna-se mais premente e, talvez, mais difícil de resolver. Sozinhos não conseguimos fazer nada. Quero fazer duas coisas. A primeira é saber exatamente, das 40 ou 50 mil pessoas que se diz que faltam para o setor do turismo, qual é a parte que cabe ao Alentejo e ao Ribatejo. Isso é fundamental e sem saber quantas pessoas faltam efetivamente ao nosso turismo não consigo definir nenhum plano de ação. A segunda é criar um plano de atração de talentos. Estas ideias não são novas, no sentido em que toda a gente diz e escreve que é preciso atrair talento. É preciso pôr a rentabilizar os espaços de coworking que têm sido – e bem – financiados pelo PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]. Processos que as câmaras municipais também têm apoiado no Alentejo e no Ribatejo. O que precisamos é de um plano de ação em rede, em que as entidades do turismo, as câmaras, as comunidades intermunicipais, se mobilizem – porque entendemos que é o objetivo do projeto – para podermos pôr ao serviço das pessoas. Se o Alentejo e o Ribatejo são o destino de eleição para o turista acredito que também podem ser um destino de eleição para os colaboradores do turismo. E vir trabalhar para o turismo do Alentejo ou vir trabalhar para o Ribatejo pode ser bom. Isto se conseguir ter habitação para o diretor do hotel, se conseguir integrar o diretor do hotel e a família. Há também incentivos do Ministério da Coesão para as pessoas virem trabalhar para o interior e há incentivos das câmaras só que tudo isso está fragmentado. Não há uma comunicação em pacote. Costumo dizer que precisamos de um one stop shop, quase como um balcão do cidadão, em que conseguimos dizer que a câmara X oferece X para a natalidade, a Câmara Y oferece Y. Não é um trabalho fácil, mas não vale a pena passarmos os dias a chorar sobre o leite derramado a dizer que falta mão-de-obra. Claro que falta. Há muitos problemas de habitação. Neste momento temos zonas no Alentejo em que a grande dificuldade é atrair empresas para virem fazer obras, para construir hotéis ou para dar orçamentos para candidaturas que se querem apresentar para a construção de hotéis porque as empresas não veem onde é que podem alojar os seus trabalhadores. Temos de contrariar isso. Essa tem de ser uma grande missão da região. Queremos apostar muito na mobilidade dentro do país e dizer ao rececionista que está no Norte ou no Centro, ao operador de hotel ou ao cozinheiro que vir trabalhar para a hotelaria do Alentejo e do Ribatejo é melhor, porque tem um suporte que regionalmente lhe vamos conseguir dar. Se o conseguirmos fazer seremos mais competitivos e conseguiremos atrair mais pessoas e mais profissionais. Se não conseguirmos, a situação tenderá a piorar à medida que vão aparecendo mais hotéis, mais serviços turísticos e aí será cada vez mais difícil atrair pessoas para a nossa região.

Falou sobre os incentivos do Governo para o interior. Já se nota algum resultado? 

As medidas em Portugal – não é deste Governo, é uma questão estrutural – são descontinuadas. Quando tenho medidas para atrair pessoas para o interior, não tenho habitação. Quando tenho habitação, não tenho medidas. E, às vezes, tenho as duas e não comunico isso. Vamos ter de, se tivermos recursos financeiros, fazer além das campanhas para atrair turistas, campanhas para atrair trabalhadores para o Alentejo. E temos de comunicar porque as pessoas não sabem. Há câmaras municipais no Alentejo que estão a fazer um excelente trabalho já com os fundos do PRR ao nível do primeiro direito à habitação, como há hoteleiros e empregadores que querem pagar bem aos seus trabalhadores. Só que isto é comunicado cada um por si e não pode ser. Temos de comunicar isso como um todo e entendemos que uma entidade regional pode ter um papel de empacotar e de comunicar ao país de uma forma assertiva e eficaz. É isso que nos propomos fazer nos próximos meses se a ideia for acolhida no território e junto de outras instituições. 

E os imigrantes podem ser uma ajuda? O turismo do Alentejo já vai buscar alguns à agricultura…

Acho que é possível, por exemplo, na zona do sudoeste alentejano, com uma adequada formação reconverter esses imigrantes que originariamente vieram trabalhar para a agricultura para o turismo. Mas com os que já estão cá e que já aprenderam a língua é mais fácil. A barreira da língua é enorme e temos de ter a noção que há um grande desafio aí para não perdemos qualidade nos serviços. Cada vez mais temos turistas norte-americanos, canadianos, britânicos e também são cada vez mais exigentes. Temos cada vez mais dificuldade em obter um nível de serviço compatível e adequado a esse padrão de exigência. Estamos num dilema complexo.

Falta mão-de-obra qualificada…

É um problema. Acho que os imigrantes, por exemplo, que vêm de Cabo Verde não têm o problema da língua e muitos até têm muita formação no turismo. Mas estamos sempre a falar em sustentabilidade social então é sustentável, correto e responsável ir tirar recursos à indústria hoteleira de Cabo Verde que os formou e que pode ficar sem eles para o seu próprio turismo, para a sua própria economia? Temos de pensar nessas pessoas com um grande sentido de responsabilidade. 

A par da imigração, os aumentos salariais também podem fixar trabalhadores. Os empresários têm essa capacidade?

Essa realidade tornou-se muito visível depois da pandemia quando se percebeu que afinal trabalhar no turismo não era assim tão seguro e, às vezes, podia ser duro. Acho que a opinião pública portuguesa não tinha essa noção. Mas é fundamental esse aumento. O rendimento bruto que se paga aos trabalhadores da hotelaria ainda está abaixo do que se paga na economia nacional, apesar de estar a subir. O rendimento médio da hotelaria já está a quase nos 1.500 euros brutos. Há também muitos hotéis e muitos empregadores que fazem pagamentos em espécimes. Os trabalhadores podem tomar as suas refeições no hotel, por exemplo. Há um grande esforço nesse sentido. Aliás, isso está no acordo de Concertação Social e muitos estão a pagar acima do que está previsto nesse acordo. Os trabalhadores hoje querem mais do que uma remuneração compatível com as suas aspirações, querem um projeto de realização pessoal dentro das empresas. Aquela ideia do trabalhador do turismo que pela sua carreira fazia tudo e depois chegava aos 50, 60 anos e era homenageado numa festa a uma sexta-feira à noite num hotel acabou. Hoje, as gerações mais novas querem ter um plano de realização pessoal, se for preciso até gostam que o hotel lhes pague a mensalidade da Netflix. E esses complementos remuneratórios são também muito importantes e muitos empresários estão a fazê-lo porque já perceberam isso. As empresas portuguesas e os empresários são muito resilientes. Já tiveram a crise do subprime, a troika, a pandemia, agora os juros. Esses juros também estão a pesar na dívida que as empresas estão a pagar aos bancos e as empresas ainda estão endividadas pela pandemia. Deram a volta, estão a pagar mais aos colaboradores e acredito que não há outro caminho. Mas depois temos que ajudar as empresas e baixar-lhes os impostos. As empresas não são realidades automáticas ou ficcionais. Para uma empresa pagar melhor aos seus colaboradores precisa, por exemplo, de reduzir a fatura fiscal que paga ao Estado. É importante que o outro lado da equação também esteja em cima da mesa.

Outras entidades do turismo têm chamado a atenção para a necessidade de reforçar as verbas para promover o destino Portugal. É dessa opinião?

Os recursos são sempre escassos. Nas entidades regionais de turismo, o bolo orçamental que é dividido pelas entidades regionais creio que não muda há cerca de cinco anos. Mas penso que o principal problema não é a falta de dinheiro. Em Portugal, se há setor que tem canalizado para as contas públicas, verbas para avaliação da oferta, para extração do produto, para promoção é o turismo. E, independentemente dos governos, dos secretários de Estados e dos ministros, há uma linha comum permanente de apoio ao turismo. O valor que temos inscrito no Orçamento do Estado se o recebesse todo até 31 de dezembro de cada ano e se o pudesse gastar já ficava satisfeito, não queria mais dinheiro. O problema é que do dinheiro que tenho inscrito no Orçamento do Estado recebo 86 ou 87%, tenho recebido isso nos dois anos, não tenho recebido na totalidade e depois ainda temos as cativações. Ainda bem que o Ministro das Finanças já anunciou que vão acabar com as cativações no Orçamento de 2024. Às vezes o maior desafio é gastar o dinheiro e bem. E o planeamento, depois do conjunto de burocracias e de condicionantes para se conseguir gastar o dinheiro? Por exemplo, se quiser executar um contrato, às vezes, de 10 mil euros não tenho autonomia, tenho de pedir uma autorização prévia à nossa tutela que me habilite a poder executar essa verba. O mesmo acontece com os fundos europeus. Os problemas estão aqui, não estão em ter mais dinheiro é conseguirmos gastar melhor. Sou muito sensível ao princípio da subsidiariedade. Quem está mais próximo da realidade dos territórios consegue, em regra, resolver melhor, mas precisa de autonomia. Uma entidade pública que não tem pagamentos em atraso, como é o nosso caso, deve poder executar os fundos europeus sem haver necessidade de pedir uma habilitação prévia para estabelecer um contrato ou convidar uma determinada empresa. A questão está aí: flexibilizar com responsabilidade e dar poder a quem está nos territórios. Se puder haver um reforço orçamental não vejo nenhum impedimento, pelo contrário. Mas devíamos flexibilizar as regras no sentido de podermos ser mais ágeis e mais rápidos a executar os nossos projetos.

Mais autónomos?

Sim. As entidades regionais, desde 2016, depois da presença da troika, entraram no perímetro do Orçamento do Estado e passámos a integrar a administração central do Estado, o que implica um conjunto de regras orçamentais, autorizações prévias, cativações. Há medidas que creio que se justificam, mas há outras que não. As medidas que aplicamos no terreno são as medidas que vêm do Governo. Temos uma linha de execução de políticas alinhada com o que vem do Turismo de Portugal e da nossa tutela então não há razão para criar muitas barreiras e entraves administrativos àquilo que é a ação das entidades regionais no terreno.

Quanto à localização do novo aeroporto, Beja já não é opção mas era favorável? Como vê as hipóteses?

As opções estão em cima da mesa e agora é importante que a comissão técnica trabalhe. Qualquer destino turístico que se preze gosta de ter um aeroporto e o Alentejo não é exceção. Santarém está na lista final. Há a opção Santarém e Portela+Santarém. Qualquer das opções que estão em cima da mesa, as mais fortes, são boas para o Alentejo e boas para o Ribatejo. O que podemos fazer depois desta definição da shortlist é olhar para Beja com mais tranquilidade e com mais calma. E pensar: aquela pista, aquele aeroporto, pode-nos ser útil para atrair determinadas rotas e determinados operadores. Sabem o que tem acontecido? Há uma carga excessivamente politizada à volta do aeroporto de Beja, quando tem de ser tratado por profissionais, pessoas que sabem do setor. 

Neste momento é uma infraestrutura que pouco ou nada é utilizada… 

Não, tem sido utilizada na aviação executiva, no transporte de cargas e descargas. Não tem é mobilização para a aviação civil. Excecionalmente, como aconteceu agora na Jornada Mundial da Juventude, em que houve vários grupos de peregrinos que desceram em Beja, mas, de facto, tem uma utilização muito reduzida em termos de aviação civil. O que queremos é tentar fidelizar e atrair algumas rotas aéreas. O turismo do Alentejo não é o de 2010. Em 2010, os grandes resorts vinham para a costa e agora sim estão a aparecer. Estávamos em 2010 e havia muitos projetos para o Alqueva, a maior parte não avançou ou avançaram de uma forma mais reduzida, criando-se a ideia de que o aeroporto era sustentável porque iria servir todos esses resorts. O Turismo do Alentejo tem hoje 27 mil camas. Em 2010, quando se pensou no aeroporto, a freguesia de Fátima tinha mais camas de hotelaria do que o Alentejo inteiro. Hoje, talvez se deva regressar a este exercício e falar com os operadores, com as companhias de aviação. Temos de olhar o Alentejo em 2023/24 e aí talvez o aeroporto possa agora ser mais útil do que se pensava que poderia ser no passado. 

Em relação à ferrovia fala-se muito da alta velocidade, em modernização das infraestruturas. É importante para o desenvolvimento da região?

Estive numa reunião com empresários. Falávamos sobre um plano de promoção só para o território transfronteiriço e uma operadora dizia que tem muitos clientes de Badajoz que dizem que quando o comboio chegar ao Caia vêm mais vezes ao Alentejo durante o ano. Precisamos de mais ferrovia. Esta linha que faz parte do corredor internacional Sul, cujo propósito é o escoamento das mercadorias de Sines mas também de Setúbal e de Lisboa e que passa por Évora, vai também ter mobilização de passageiros. O Intercidades, que parte de Lisboa, pára em Évora, vai poder parar no Caia. Não tenho dúvidas que isto vai incrementar muito o turismo, não só na zona do Alentejo central, Elvas, Estremoz, Évora, mas também o litoral. E vai ser muito importante este incremento. Nota-se muito isso nos miúdos novos. Os jovens gostam muito até em desfavor do avião de utilizar a ferrovia por questões de valores ligados ao ambiente. É depois também importante fazer a eletrificação Beja-Casa Branca. Beja e Baixo Alentejo, a proporção entre turistas de dormidas estrangeiras no Baixo Alentejo, é de 25%. É muito pouco. Antes da pandemia, em 2018, a média era de 36% de dormidas de estrangeiros face ao total, em 2019 era de 34%. Mas Évora tem quase 50%. É preciso eletrificar a linha Évora-Casa Branca para que os turistas a partir do Algarve, de Lisboa e os turistas internacionais cheguem mais àquele território. E também é importante a eletrificação ao aeroporto de Beja. As acessibilidades são muito importantes e o turismo vive muito disso. Assisti ao incremento que o turismo teve na zona do Alentejo central quando se construiu a A6, na altura da Expo, em 1998. Não tenho dúvidas que a requalificação do IP8 do baixo Alentejo, a eletrificação da ferrovia Beja-Casa Branca e o nó ferroviário até ao aeroporto são investimentos centrais. Alguns deles já estão no financiamento do PRR, mas falta-nos também a ligação em autoestrada à cidade de Portalegre porque iria incrementar muito o turismo naquela região do alto Alentejo.