PSD e PAN escondem acordo escrito

É cada vez mais evidente o desconforto à direita com o acordo na Madeira entre PSD e PAN. Os dois partidos mantêm reserva sobre o documento escrito e continuam a revelar apenas as ‘questões de princípio’ acordadas.

O acordo de incidência parlamentar entre o PSD e o PAN na Madeira para viabilizar o Governo Regional liderado por Miguel Albuquerque permanece no segredo dos dois partidos e do ministro da República. O Nascer do SOL sabe que existe e foi assinado por ambas as partes um documento escrito, mas até agora o seu conteúdo e implicações permanecem sob reserva e longe do escrutínio público.

Apesar da insistência do Nascer do SOL, tanto o PSD como o PAN têm optado por não tornar público o documento que confirma o compromisso, refugiando-se na divulgação apenas de um conjunto de princípios comuns, que pressupõem a intenção de viabilização de propostas no âmbito da Assembleia Legislativa Regional.

Mónica Freitas, deputada eleita pelo PAN nas eleições regionais do passado dia 24 de setembro, admitiu que o partido celebrou com o PSD apenas «um acordo prévio» para garantir a estabilidade governamental. À Lusa, a deputada única do PAN sublinhou que as negociações visaram um «acordo de princípios» no qual o partido se compromete a aprovar o Programa do Governo Regional e o Orçamento da Madeira. Mas não excluiu, numa situação extrema, o rompimento do acordo.

Apesar disso, o representante da República para a Madeira, Ireneu Cabral Barreto, indigitou Miguel Albuquerque como presidente do Governo Regional da Madeira, considerando que estavam reunidas todas as condições para a estabilidade governativa nos próximos quatro anos – o que, obviamente, pressupõe a existência e o conhecimento do documento que garanta essa estabilidade.

O acordo entre o PSD e o PAN na Madeira causou alguma estranheza à direita e está também a levantar dúvidas sobre a liderança de Luís Montenegro à frente das hostes laranjas. O desconforto entre sociais-democratas já vinha de trás e ficou mais que evidente depois de Montenegro ter pisado a linha da autonomia regional, juntando-se à campanha de Miguel Albuquerque, para tentar colher os respetivos dividendo na noite eleitoral expectavelmente triunfal.

«Estas são as primeiras eleições do meu mandato. Estou aqui para dar a cara por elas. É caso para dizer que, no meu mandato, PSD 1 – PS 0; Luís Montenegro 1 – António Costa 0», afirmou Montenegro rodeado dedirigentes nacionais, na sede da candidatura do PSD-Madeira, imediatamente antes de Miguel Albuquerque falar.

«A euforia que se instalou na noite eleitoral com a ida do presidente do partido e dos dirigentes nacionais foi mal interpretada, porque a montanha acabou por parir um rato. Criaram expectativas e tentaram apropriar-se de uma vitória de maioria absoluta, só que correu-lhes mal e tiveram de sair de lá com o rabinho entre as pernas», comenta, em declarações ao Nascer do SOL, um influente social-democrata.

O desagrado foi tal que no rescaldo das eleições regionais Montenegro teve que ouvir duras críticas de vários destacados militantes do PSD. Logo na noite eleitoral, já depois de conhecidos os resultados com sabor amargo, Miguel Relvas lamentou o erro do líder social-democrata. «Montenegro transformou-se no centro do debate político desnecessariamente […] A autonomia regional foi sempre respeitada e nunca se nacionalizaram estas eleições. A verdade é que o líder do PSD ao levar a sua direção nacional para a Madeira acreditou que haveria uma retumbante vitória […] Foi completamente desnecessário. Não há uma explicação política para o que se passou», atirou o antigo ministro e braço direito de Pedro Passos Coelho, na CNN Portugal.

No dia seguinte, seria a vez de Alberto João Jardim chamar «caloiro» a Montenegro e dizer que o discurso do líder do PSD não tinha sido «feliz», uma vez que, no entender do antigo presidente da Madeira, nada havia para festejar. O antigo líder do PSD-Madeira considerou ainda «humilhante» para a região autónoma a presença de líderes nacionais nestas eleições regionais.

«Não me recordo de ter havido em anteriores noites eleitorais, no Funchal, líderes partidários nacionais, acompanhados de outros dirigentes do mesmo nível, pondo-se em bicos de pés para aparecem na televisão, fazendo declarações políticas sobre os resultados e com antecipação sobre os líderes regionais», desaprovou igualmente o antigo líder do PSD-Açores e do Governo deste arquipélago Mota Amaral num artigo de opinião. O dirigente histórico e fundador do PSD referiu que «agora os tempos são outros e entrou-se num clima de vale tudo», tendo sido este um «momento penoso e particularmente infeliz» de Luís Montenegro.

Para agravar a situação, a solução encontrada por Miguel Albuquerque para garantir a estabilidade governativa no arquipélago também não foi acarinhada de braços abertos pelos sociais-democratas do continente.

«Foi criado sobre o ponto de vista de mercearia um acordo de incidência parlamentar com um partido que ideologicamente traz algumas complicações, pois, tanto a nível do continente como da região, o PAN tem um posicionamento ideológico muito antagónico em relação ao do PSD e do CDS. Além disso, a situação interna que o PAN vive na Madeira também não augura grande sucesso», diz um dos críticos da direção montenegrista.

Essa não é a apreciação do presidente do PSD, que disse estar «totalmente confortável» com com o acordo parlamentar assumido entre o PSD-Madeira e o PAN, garantindo que este entendimento não fere qualquer «valor ou princípio» dos sociais-democratas.

É sabido que há quem tivesse preferido um acordo com a Iniciativa Liberal e, internamente, comenta-se que a opção de ignorar os liberais na Madeira foi um «erro estratégico» que, desde já, mina uma eventual solução governativa a nível nacional entre os dois partidos.

«Não dá grandes perspetivas para o futuro, nomeadamente, para as próximas europeias que serão o grande teste desta liderança. Mas é também um mau prenúncio a nível nacional porque significa que o partido está disposto a tudo para chegar ao Governo», aponta outro elemento da ala dos desalinhados.

Mas não são apenas os opositores internos a criticar a opção pelo PAN e a chancela dada por Luís Montenegro.

Num artigo de opinião intitulado «Intolerável», que foi publicado na passada sexta-feira no CM, Pedro Santana Lopes questiona a escolha de Mónica Freitas para garante da estabilidade na Madeira. «Foram divulgados vídeos nas redes sociais que deram a conhecer posições ou ações da deputada do PAN que são manifestamente ofensivas dos sentimentos e das crenças de uma larga faixa da população portuguesa e, portanto, também madeirense. Seguramente que há liberdade de pensamento, há liberdade de expressão, há tudo o que quiserem. Mas também há limites para tudo», começa por escrever o antigo líder do PSD e ex-primeiro-ministro. «Com toda a franqueza, se a generalidade dos eleitores do PSD e do CDS virem esses vídeos eu não sei qual será a reação. E essas atitudes não podem ser ocultadas nem pela liderança regional do PSD nem pela direção nacional», avisa, apontando responsabilidades diretamente a Miguel Albuquerque e a Luís Montenegro.