“Montenegro tem de fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS e a IL se quer ganhar ao PS”

Pedro Santana Lopes diz que nunca houve uma fase em que o PS tivesse tanto poder como agora. A Luís Montenegro deixa um conselho: que não se apresente a eleições sozinho. 

Na rentrée do PSD, no Pontal, o líder do social-democrata manifestou a esperança de que o senhor pudesse estar num caminho de regresso ao partido. Essa esperança tem fundamento?  Tem algum fundamento. É algo que vou pensando ao longo dos tempos. Mas esse é um caminho que tem dois lados.

E o que falta para esses dois lados se conciliarem?
A questão do meu mandato. Eu acho que, eticamente, tendo concorrido como independente, mesmo que juridicamente possa, acho que não devo, a meio do mandato, inscrever-me num partido político.

Mas está disponível para eventuais desafios que o PSD possa pedir-lhe?
Sim, se puder ajudar naquilo que eu dificilmente vislumbro neste momento, num movimento de convergência de forças no centro-direita tenho mais disponibilidade. Eu sinto no terreno o que é o prolongamento do poder do Partido Socialista e a força que tem na sociedade real, em todo o lado: IPSS, fundações, associações, administrações várias, nas autarquias. É impressionante, não se encontra quase ninguém do centro-direita. A brincar a brincar, já lá vai quase uma década. O professor Cavaco Silva, de facto, esteve dez anos no poder, mas o Partido Socialista é muito mais eficaz em construir o poder do que o PSD. Não tenho dúvida nenhuma disso. Eu vejo na Câmara que eu dirijo, o PS estava lá há 12 anos e eu vejo… e, depois, eu não gosto de dizer que partidos controlam a comunicação social, mas o Partido Socialista não tem propriamente uma comunicação social adversa.  Há vários sinais em vários tipos de instituições em que é PS, PS,PS… O PS eliminou a esquerda e à direita apareceu-lhe o fenómeno Chega que, de facto, varreu… ao CDS aconteceu-lhe o que aconteceu, e o PSD nunca mais tem subido daquele patamar – até do tal resultado que eu tive – que se achava muito mau aqui há uns anos: 28%, 29. Não está fácil, e não vai ser fácil, porque o PS, de facto, instalou-se no poder de uma maneira…é um argumento kafkiano.

E, nesse sentido, o que acontecer nas eleições europeias é determinante?
São muito importantes (as eleições europeias) para uma viragem. Para que se comece. Em condições normais, o PS teria acabado a duração da legislatura. Tudo o que for a partir daqui vai ser quase artificial, digamos assim. É um esforço adicional que não estava previsto. Foi por causa da dissolução que o Presidente da República fez, como é sabido. E, portanto, as europeias vão acontecer já em plena fase adicional, com o PS esgotado. As coisas com a educação, a saúde, a habitação, parece a cantiga do Sérgio Godinho… As eleições europeias são muito importantes a dois níveis: para conseguir trazer o Partido Socialista para níveis que permitam derrotá-lo nas legislativas; e para dar alguma coesão ao centro-direita. Mas o centro-direita tem de trabalhar nesse sentido. Se vamos todos separados para as eleições, eu acho um erro. PSD, CDS e Iniciativa Liberal… a sociedade tem de sentir isto que eu digo…

E se o PSD o convidasse para encabeçar essa lista às europeias?
Não, não posso. Tenho um mandato para cumprir. Está fora de questão. Mas o que eu estava a dizer é que eu sou do centro-direita e sinto uma certa desesperança em termos de alternância democrática, porque vê-se o Partido Socialista instalado no poder a todos os níveis. E as pessoas não sentem aquela energia necessária para entusiasmar, para acender a chama. Há dois tipos de chama: a chama do poder; e a chama do entusiasmo de uma alternativa que se crie.

E o Chega, é um problema para o centro-direita?
Não vejo um problema. Mas há sempre a questão do medo. Quando as pessoas mostram medo, isso normalmente dá mau resultado e fortalece aquilo de que se tem medo. E eu acho que toda a gente tem (medo). Toda a gente passa a vida a mostrar medo. Mas não me assusta, acho que a democracia é mais forte do que qualquer Chega.

Mas acha que a linha vermelha deve ser traçada em relação ao Chega e a possíveis coligações? 
Eu não traço. Eu não sou de traçar essas linhas, a minha linha é mais outra. Com toda a franqueza, eu não aceito que a esquerda nos condicione com aquilo que ela não faz para si própria. Isso não significa qualquer simpatia por algumas posições do Chega. Mas a democracia em França não se foi abaixo por causa da senhora Le Pen, ou a Itália não irá abaixo por causa da senhora Meloni. E, portanto, é preciso não ter medo.  Não tenho medo nenhum, se o PSD e o CDS forem fortes a olhar em frente.

Ontem (segunda-feira) tivemos uma entrevista longa com o primeiro-ministro. Que sinais, para o futuro é que viu nessa entrevista?
O primeiro-ministro explica-se bem, só que ele é extraordinário, eu estava a ouvi-lo e a dizer: mas como é que é possível? Ele fala como se tivesse chegado o ano passado: e vou fazer isto, e vou fazer aquilo, e vou fazer aqueloutro. Então e os outros anos todos? O que é que o senhor andou a fazer? Mais uns anos que teve como presidente da Câmara de Lisboa? Eu fui presidente (da Câmara) quatro anos e fiz algumas casas. O PS não fez nenhumas, incluindo o Dr. Costa. A ele, os anos de primeiro-ministro somam-se aos anos de presidente da Câmara de Lisboa em matéria de habitação.

Mas, apesar de tudo, as sondagens não refletem esse desagrado. Porquê?
Não vale a pena negarmos, o país é tendencialmente, maioritariamente socialista.

Há quem compare a manifestação de sábado com o buzinão da ponte para Cavaco. Também avalia assim?
Nós estamos a chegar a esse ponto, ao esgotamento final do um ciclo. Eu acho que oito anos, hoje em dia, é muito tempo, é muito mais que os dez anos de Cavaco Silva. Agora, o grande drama do país é a inconsistência de uma alternativa, porque ela ainda não está formada.

E, nesse contexto, faz sentido que a direita esteja a discutir as presidenciais?
Acho que é uma perda de tempo, porque o mundo anda a uma velocidade tão grande. Mesmo que eu diga aqui, hoje, que sou candidato, eu sei lá daqui a dois anos se estou em condições de o ser. Estou a falar só politicamente. Já não falo em tudo da vida.

Que conselho é que daria a Luís Montenegro neste pós-eleições da Madeira, neste início de ciclo eleitoral, o que lhe diria? 
A principal coisa é que tente juntar o centro-direita e identificar bem as causas que valem a pena…

E acha que ele não está a identificá-las?
Está, ele apresentou ainda agora ideias para a educação, aquela questão da contagem do tempo, antes apresentou também um pacote para a habitação, e o fiscal. Agora, ele até pode apresentar medidas excelentes, mas os portugueses são portugueses e, como são um povo antigo, têm uma intuição muito forte, sabem ver se se está a gerar, ou não, um movimento que tenha futuro. E o que ele tem de mostrar às pessoas é isso, é que está a construir uma alternativa. Eu não acredito, peço desculpa, que o PSD seja capaz de o fazer se tiver uma atitude de alguma sobranceria política, ou seja, se disser nós vamos sozinhos. Por que é que hão-de ir sozinhos numa altura em que o PS tem tanto poder?

Que rescaldo faz das eleições na Madeira, que no fundo marcam o início de um novo ciclo eleitoral e onde o PSD ambicionava muito mais do que aquilo que acabou por ter? O senhor escreveu um artigo, já depois das eleições, e depois de se saber que Miguel Albuquerque optou por fazer um acordo com o PAN, muito crítico daquele acordo. Porquê? Tem a ver com as posições que, entretanto, vieram a conhecer-se da deputada que foi eleita ou é uma crítica mais de opção política?
É mais pela primeira razão, pelas posições conhecidas da deputada em questão, que acho inadmissíveis. E nesse sentido não percebo que os partidos de centro-direita, neste caso, o PSD – porque o CDS não participou  –, façam este acordo com uma pessoa que é livre de dizer o que quiser e de escolher o caminho que quer, mas os outros também são livres de reagir. E eu acho que não devia ser tolerado um acordo com uma pessoa que ofende daquela maneira, absolutamente vil, crenças religiosas, sejam elas quais forem.

Portanto, é uma questão das posições daquela deputada em concreto e não a escolha do PAN em vez de Iniciativa Liberal?
Sim, isso não me choca. Era mais natural ser a Iniciativa Liberal, mas o PAN é um partido à procura de definição, já esteve muito encostado à esquerda, com o anterior líder, o André Silva, agora, com esta líder, tem estado menos. Tem as causas que conhecemos, nenhuma delas é chocante: defesa do ambiente, defesa dos animais, defesa da habitação, da juventude. Não é chocante. 

De um outro ponto de vista, este acordo demonstra que o Partido Social Democrata tem outras opções? Esta coligação demonstra uma abertura para outras opções que não aquelas de que temos sempre vindo a falar, ou seja, o Chega? Isto pode ter reflexos a nível nacional? 
Aí, sim, acho que pode desbravar algum terreno. Para além da Iniciativa Liberal, de facto haver a opção do PAN… pronto, eu acho que o resultado do PSD na Madeira, ao mesmo tempo, foi uma proeza do PSD e do CDS ao fim de 50 anos. Mas é evidente que com o limiar que o Miguel Albuquerque se colocou, e com aquilo a que está habituado, o PSD na Madeira ficou aquém das expectativas.

E compreende que, apesar de nos últimos dias de campanha eleitoral ter sido muito afirmativo ao dizer – quase como uma ameaça – que se não tivesse maioria absoluta se ia embora, depois de se saberem os resultados eleitorais, tenha dado a volta a essa afirmação como se não tivesse dito o que disse? 
A afirmação errada foi a primeira. Porque seria uma irresponsabilidade ele ir-se embora. E eu sei, por experiência própria, do que falo, porque, se entrasse outro líder, não legitimado pelo voto, o caminho não ia ser longo. E, portanto, o erro esteve na primeira frase.  Ele devia pedir desculpa.

E acha que perdeu a maioria absoluta por causa disso? 
Não, eu sinceramente acho que não. Acho que não. O cansaço ao fim de tanto tempo é natural. 

Era saudável que houvesse uma alteração política na Madeira? 
Não. É sempre saudável a alternância em democracia. Mas não vou desejar… olhe, estamos numa época em que o predomínio do Partido Socialista a nível nacional é tal que eu acho que não era saudável, neste momento, o PS ganhar na Madeira. Eu, sinceramente, não acho que fosse bom para o equilíbrio político a nível nacional.  O ponto é – e não tenho nenhuns complexos com isso – o seguinte: a esquerda precisa de ser combatida. Acho que este país precisa de um certo equilíbrio. Acho que a sociedade portuguesa está cansada, e tem direito a respirar fundo. Todos nós temos sido vítimas de uma certa ditadura do moralmente correto, do politicamente correto e as pessoas andam como que atordoadas. Com estas ideologias todas que nos querem impor, desde a escola até à idade adulta, até às mais variadas instalações.

Mas a verdade é que a sociedade mudou? 
Claro que mudou, mas uma pessoa não pode ser excomungada por discordar, por exemplo, de um determinado tipo de ideologia que recusa a diferença entre o sexo masculino e o feminino. Quer dizer, há uma discriminação virada ao contrário. As pessoas são chamadas de retrógradas, reacionárias, para não dizer politicamente incorretas, se não aderirem a determinado tipo de movimentos e de atuações. Isto não são movimentos úteis. Isto tudo nasceu há mais de uma década, mesmo duas décadas. E, hoje em dia, condiciona fortemente a vida das pessoas em tudo. Eu quando oiço os discursos do Dr. André Ventura, que agora é o inimigo público número um, e ele não condiciona nem um bocadinho as nossas vidas, pelo contrário, vejo muitos comentadores a discordar. Nesse sentido, não é daí que vem uma ameaça à nossa vida. Agora, quando uma pessoa tem filhos na escola, ou netos na escola, aos quais querem impor determinado tipo de ensino, não são opções ideológicas, são metas ideológicas. São opções, são questões no domínio da formação ética, da formação moral, que estão desajustadas à progressão da idade. E isto, hoje em dia, está tudo em cima da mesa. 

E do outro lado, parece-lhe um retrocesso, uma cultura do cancelamento e de censura? 
Claro, é evidente, uma sociedade que vai censurar e mudar os livros da Enid Blyton? Por amor de Deus, dos Cinco, que todos nós lemos? Isto é de uma sociedade doente. É uma sociedade que está absolutamente desequilibrada, porque é preciso respeitar a liberdade.  E esses setores, chamados progressistas, que não são progressistas, para mim são reacionários. Por que é que eles não vão corrigir os livros de Jean-Paul Sartre e de outros intelectuais franceses que defenderam que não devia haver limite, não devia haver idade para o sentimento sexual das crianças? Por que é que não vão corrigir? Se hoje em dia todos somos, obviamente, contra a pedofilia? Então, lá está, a esquerda condiciona os outros e não toca nos seus. Eu quero continuar a dizer, olhe, eu vou-lhe dizer, a certa altura, um amigo meu dizia assim: eu que já não era aficionado de touradas, hoje em dia vou às touradas. Estou irritado que me proíbam. Já não aguento estes movimentos proibicionistas. Não se pode continuar com isto. Daqui a 50 anos até se pode chegar à conclusão, se calhar, de que os nossos bisnetos vão achar que tudo isto que nós discutimos vai estar ultrapassado. Já não se caça, já não há touradas. Desapareceu a raça do touro bravo, desapareceu tudo. Só há um sexo, ou há mais do que dois sexos, ou há casas de banho só unissexo. Mas, por que é que um empresário acaba processado porque tem casas de banho para homem e casas de banho para mulher?  É reacionário? Nós vivemos num mundo louco. Eu acho que é preciso que, na  política, em vez de se falar constantemente naquilo que cansa as pessoas – comissões de inquérito, queixas de processos –, devia falar-se nos assuntos que mexem com a vida de todos nós. Principalmente nos princípios e valores. Eu não sou careta, nunca fui. Não tenho uma vida pessoal nos parâmetros clássicos, nunca tive. Mas, quer dizer – e isto tem que ver com o centro-direita –, eu não defendo isto só para a religião católica, eu defendo, obviamente, para qualquer religião. O Estado é laico e eu acredito profundamente que o deva ser e defendo que o seja. Agora, tem de haver respeito por todos. Outras religiões reagem muito mal quando são ofendidos nos seus princípios e valores. E os católicos, e outros, não se podem baixar quando o são, nem pouco mais ou menos? Eu acho que é preciso erguer a voz quando estão em causa os princípios e valores em que nós acreditamos.

Vê vantagens nas intervenções muito frequentes que Cavaco Silva tem tido nos últimos meses?
Se quer que lhe diga, acho que sim. Não é que me entusiasme, mas acho que sim, porque o centro-direita precisa de vozes com autoridade e que façam mossa do lado de lá.

Cavaco faz mais que Montenegro?
Montenegro está a percorrer uma estrada, é natural, está em processo de afirmação. O próprio Luís Montenegro não esperaria que eu o comparasse, ou que alguém o comparasse a Cavaco Silva, na força que têm as suas intervenções.

Mas isso ofusca Luís Montenegro? 
Não, não, não. Isso, eu acho que quem tiver receio das sombras não chega nunca onde quer. E eu acho que não. Cavaco Silva tem o seu lugar, como têm outros, Guterres por exemplo. São personagens muito fortes, com um peso político muito grande. E os outros? Alguns estão a começar a trilhar caminho e, portanto, não têm de se impressionar. Eu lembro-me de outros líderes que, quando começaram… o Durão Barroso, quando começou como líder da oposição,  tinha Cavaco Silva a escrever artigos. E, quando chegou a primeiro-ministro, lembro-me que periodicamente tinha artigos de Cavaco.

E quando o senhor foi primeiro-ministro, Cavaco Silva escreveu o célebre artigo da boa e da má moeda?
Sim, isso é público. Portanto, acho que neste momento não deve haver medo da sombra.