Israel sofreu um ataque sem precedentes. O grupo terrorista islâmico Hamas, na operação ‘Tempestade Al-Aqsa’, atravessou as fronteiras israelitas por todos os meios possíveis: marítimo, terrestre e aéreo. Os fundamentalistas islâmicos destruíram infraestruturas fronteiriças e penetraram em Israel com jipes, motas e até paraquedistas.
As tensões na região são comuns, mas nunca na já longa história do conflito se tinha assistido a um embate tão violento como o da última semana. Vários analistas consideram que o Hamas ultrapassou linhas vermelhas e teme-se o que ainda está por vir. O número de mortos já ultrapassa os dois milhares e estima-se que os terroristas tenham uma centena de reféns em Gaza, entre os quais alguns americanos, o torna provável uma intervenção dos EUA com vista ao resgate. Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, declarou estado de guerra e prometeu um contra-ataque também sem precedentes.
Um novo 11 de setembro
Estes ataques têm sido comparados aos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. O grupo terrorista islâmico infiltrou-se no sul de Israel e invadiu kibutzim. As imagens ilustram o clima de terror que se instalou perante a barbaridade dos atos cometidos pelos terroristas contra civis, incluindo crianças. Paraquedistas atravessaram também a fronteira e levaram a cabo uma carnificina num festival de música. O ataque foi conduzido um dia depois do quinquagésimo aniversário da guerra do Yom Kippur, um embate que colocou frente a frente Israel e as forças árabes, lideradas pela Síria e pelo Egito, do qual os israelitas saíram vitoriosos.
Têm surgido também dúvidas sobre a forma como Israel, um país com um poderio militar superior e com um dos serviços de inteligência (e de fronteira) mais avançados do mundo, foi apanhado de surpresa. “Nunca se pensou. O atual governo cometeu um erro, flertando com o Hamas e permitindo a entrada de 20 mil palestinianos para trabalhar. Houve uma colaboração de facto”, explicou o jornalista Henrique Cymerman em entrevista ao Nascer do SOL .
E, como aconteceu com o 11 de setembro, estes ataques motivaram um sentido de união sem precedentes. Por agora, foram postas de parte divergências internas que recentemente quase mergulharam o país numa guerra civil. Netanyahu declarou guerra aos terroristas e garantiu “vamos ganhar”. O chefe do governo afirmou que Israel vai usar “toda a sua potência” para destruir Gaza e assume que irá “refazer o Médio Oriente”. Ao quinto dia do conflito, o primeiro-ministro chegou a acordo com o líder da oposição, Benny Gantz, para a formação de um governo de unidade de emergência. Depois de apelar aos civis para que abandonem a região, prometeu “reduzir a escombros” todos os locais utilizados como esconderijo do Hamas. Será praticamente impossível garantir a segurança da maior parte dos civis, já que em Israel a sua entrada é inconcebível e, no Egito, é improvável, ainda que haja conversações entre os EUA, Israel e os egípcios para agilizar o processo. O único refúgio são os edifícios da ONU, que contam já com 20 mil refugiados, tendo já sido mortos nove trabalhadores da organização. Israel impôs, ainda na segunda-feira, um cerco total à Faixa de Gaza, impedindo a entrada de alimentos, água, luz, gás e combustível. Este cerco foi condenado pela ONU, afirmando que é “proibido” à luz do direito humanitário internacional. Como retaliação, um membro das Brigadas Izzedine al Qassam, braço armado do Hamas, anunciou que cada ataque não anunciado à Faixa de Gaza resultará na execução de reféns israelitas, como avançou o Washington Post. Ameaçaram ainda filmar e difundir as imagens. Israel prepara-se já para uma incursão terrestre em Gaza com vista a resgatar os reféns.
Irão, Hezbollah e os EUA
O Irão reagiu com satisfação aos ataques do Hamas, ainda que tenha negado qualquer envolvimento. Tratando-se de uma potência com um poderio militar superior ao de Israel, teme-se uma escalada de maior dimensão, mas Cymerman prevê que a entrada iraniana, de forma direta, é pouco provável. “Deixam os proxys fazer o seu trabalho”, considera o jornalista. Já o Hezbollah, que esteve em guerra com Israel em 2006, mostrou-se solidário com os fundamentalistas islâmicos e atacou o território israelita, alegando que é a única forma possível de responder à ocupação. Desde a manhã de domingo “foram lançados morteiros no Norte contra o Monte Dov”, confirmou ao Nascer do SOL uma fonte em Telavive. “Não se sabe ainda se é apenas um teste das forças do Norte ou se é algo mais. Um ataque do Hezbollah, com o apoio do Irão, constitui uma forte ameaça, apesar de já não haver fator surpresa”. Os ataques do grupo libanês continuam, criando um foco do conflito no norte. Um cenário de alargamento do conflito colocaria vários países do Médio Oriente perante um dilema.
A posição da Síria pode também representar um ponto de viragem na dimensão do conflito. Os israelitas alegaram ter sido alvo de um ataque de mísseis sírios na terça-feira, e Israel respondeu dois dias depois, atacando os aeroportos de Damasco e Aleppo, avançou a TV estatal síria.
Os Estados Unidos, aliados históricos de Israel, condenaram inequivocamente os ataques e demonstraram apoio a Israel, mas a recente disponibilização de 6 mil milhões de dólares por parte dos EUA ao Irão, juntamente com a libertação de prisioneiros iranianos, tem sido um tema quente. A possibilidade de esses recursos serem usados para financiar ataques terroristas do Hamas é forte, e o senador americano Tim Scott, que também está na corrida à Casa Branca, afirmou até que “Joe Biden financiou estes ataques a Israel”. Ainda assim, e mesmo depois de meses de tensão entre o Presidente americano e Netanyahu, a administração Biden forneceu um suporte adicional de armamento a Israel, enviou porta-aviões para o Mediterrâneo, perto das fronteiras do país, e ainda reforçou o número de caças, numa manobra de demonstração de apoio. Antony Blinken foi a Israel, e numa conferência com Netanyahu reiterou a ajuda: “Enquanto os EUA existirem, Israel vai ter sempre o nosso apoio […]. Não pensem atacar Israel”.
Paz inalcançável
Da ONU chega o habitual apelo ao fim dos confrontos: “Está na hora de acabar com este ciclo vicioso de derramamento de sangue, ódio e polarização”, pediu António Guterres. O Brasil, atual Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, convocou uma reunião da qual não resultou um objetivo claro. Em Bruxelas há polémica: Olivér Várhelyi, comissário europeu de Ampliação e Política de Vizinhança, anunciou um congelamento imediato ao apoio prestado à Autoridade da Palestina, mas a afirmação foi prontamente desmentida num comunicado oficial da Comissão Europeia: “Não haverá suspensão de pagamentos”. A Comissão Europeia tem um portfólio de desenvolvimento destinado à Palestina de 691 milhões de euros, segundo o Politico.
Já a China, apresentou um acordo de paz baseado no princípio de Dois Estados, mediante o reconhecimento internacional de um Estado da Palestina. Este acordo, já tentado por cinco vezes, acabou por ser sempre rejeitado pelos palestinianos radicais, que se afastaram da OLP e cujo único objetivo é a formação de um Estado Islâmico em todo o território, recusando-se a coexistir pacificamente com Israel. Um responsável palestiniano do Hamas disse à AFP que “nenhuma negociação é possível” enquanto continuarem as hostilidades. A situação confirma a atualidade da frase de Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel: “Haverá paz quando os Árabes amarem as suas crianças mais do que aquilo que nos odeiam”.
O ex-líder do Hamas apelou aos muçulmanos do mundo árabe e islâmico para que tomassem as ruas estas sexta-feira, dizendo que este é “o momento para a aplicação da jihad”. O escalar do conflito também intensificou o debate sobre os limites do multiculturalismo, visível nas manifestações pró-Palestina (pró-Hamas em vários casos) em países como os Estados Unidos, Reino Unido, Suécia e até Portugal.