O Presidente da República lamentou que tanto os partidos como os Ministérios tenham sido esvaziados dos seus gabinetes de estudos e de pensamento, atacando particularmente o facto de, para colmatar essa lacuna, o Governo de António Costa em 2020 ter recorrido a um ‘gestor privado’ (António Costa Silva – hoje ministro da Economia) para definir a visão estratégica do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal.
«Os partidos deixaram de ter gabinetes internos e o Estado deixou de ter Ministérios com gabinetes de planeamento ativos. Chegámos até ao ponto do programa de recuperação e resiliência ter arrancado de um ensaio pedido pelo Governo a um gestor particularmente prestigiado [Costa Silva] e não do labor tradicional dos gabinetes de estudos existentes para esse efeito», criticou Marcelo Rebelo de Sousa, numa entrevista agora publicada na mais recente edição da revista Democracia e Liberdade, que foi apresentada, nesta quinta-feira, por Manuel Monteiro, presidente do IDL-Instituto Amaro da Costa, numa sessão que contou com a participação do professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo Otero e da jornalista Ângela Silva, na sede do instituto, em Lisboa.
Na conversa com o Presidente conduzida por Manuel Monteiro, Marcelo recorda que após o 25 de Abril os partidos tinham gabinetes de estudos e os próprios Ministérios tinham gabinetes de planeamento.
«Além disso, existiam fundações ou institutos, com o apoio estrangeiro dos partidos congéneres, sobretudo alemães, que eram os mais empenhados nessa componente doutrinária e ideológica da democracia nascente. Os três maiores partidos na altura, o Partido Socialista, o Partido Social Democrata e o Centro Democrático e Social tinham de facto institutos fortes, fundações muito fortes, alguns até tinham mais do que uma fundação, por exemplo, umas para as temáticas gerais, outras para o setor de trabalho, outras para o setor local, chamado poder local, e isto vingou nos anos 70, 80, até 90, e depois ou desapareceram ou passaram a ter um papel muito residual», traça o chefe de Estado, considerando que nos partidos a situação é ainda mais «desoladora», apesar dos esforços para se manterem esses laboratórios de pensamento.
«Eu próprio presidi a um desses Institutos, no âmbito do Partido Social Democrata, promovendo a transição para o Instituto Sá Carneiro, mas o que acontece é que não houve a transição geracional, os mais antigos foram-se afastando pela própria lei da vida, e os mais jovens tinham outro tipo de atividades e outro tipo de organizações, outras estruturas de enquadramento», continua, apontando que o esmorecimento destes espaços de reflexão também é explicado pelas dinâmicas dos partidos quando estão na governação ou na oposição.
«Fosse à direita, à esquerda, ou ao centro, existia uma preocupação grande em promover uma permanente reflexão e ponderação sobre todo o tipo de assuntos. Mas isso perdeu-se largamente e, perdeu-se por isto: os partidos quando estavam no governo estavam muito empenhados e descuravam o que dizia respeito ao reviver partidário, à reflexão sobre a realidade política, económica e social; e quando estavam na oposição ou estavam a sarar as feridas com divisões e querelas internas, ou estavam apenas preocupados em definir estratégias que os levassem de novo ao poder, sem grande vagar para tratar do médio e longo prazo», acusa Marcelo.