Megaprojeto de Sines no olho do furacão

‘É preciso retificar a zona’, disse João Galamba quando confrontado com as limitações de construção do data center, como foi feito ‘no Freeport’. 

O data center, mega projeto anunciado pelo Governo em 2021, está no olho do furacão e levou à constituição de vários detidos e arguidos, com João Galamba e Lacerda Machado em grande destaque. O Nascer do SOL anunciou em agosto desse ano que o Executivo estava a aprovar esse projeto num terreno que tinha sido classificado em Conselho de Ministros, um ano antes, como zona especial de conservação.

De acordo com o documento do Ministério Público a que o nosso jornal teve acesso, foi revelado que «perante tal constatação e em virtude dos contactos e influência exercidos pelo arguido Diogo Lacerda Machado, a solicitação do arguido Afonso Salema e no interesse da START CAMPUS, de imediato a AICEP Global Parques e bem assim o secretário de Estado, ora arguido, João Galamba encetaram esforços no sentido de viabilizar a construção do Data Center no local previsto».

Esta limitação de construção levou Galamba a falar com Pedro Nuno Santos que o questionou se António Costa já estava a par.

Pedro Nuno Santos: ‘… eu, o Ministro, não, o Ministro vai ter que falar com o Primeiro Ministro, ainda não sabe disto?’

/ João Galamba: ‘Não! Mas vai-lhe chegar aos ouvidos, porque repara, foi o q…’

/Pedro Nuno Santos: O melhor amigo do Primeiro Ministro já sabe?

/ JOÃO GALAMBA: O melhor amigo do primeiro-ministro é consultor do projeto».

A 15 de setembro, Galamba telefone a Vítor Escária para que este convença o primeiro-ministro a intervir nessa situação, nomeadamente na alteração da ZEC (Zonas Especiais de Conservação) com vista a construir o projeto. «O ano passado aquilo foi classificado como zona de especial de conservação que proíbe a construção, proíbe! (…) E portanto aquilo inviabiliza o STARTUP de Sines, o João Paulo Catarino, ontem já dizia, mas eu falo com os promotores e dizem que eles tem que mudar com o projeto, eu é que o travei nisso, disse… (…) calma, cala-te. (…) acho que isto não pode surgir do Ministério do Ambiente, acho que isto tem que surgir do PM ou da coordenação do núcleo duro do governo. O quê que a AICEP quer e na minha opinião bem e na, na opinião da minha chefe de gabinete, muito bem (…) só há aqui uma solução, para não destruirmos Sines, em contrato industrial do país, que é o ICNF tem que retificar a zona, como o fez no Freeport e como o fez noutras zonas. Não é preciso comunicar à Comissão Europeia é um é um decreto regulamentar do governo», diz na escuta a que o Nascer do SOL teve acesso.

Dois dias depois, Galamba falou com Brilhantes Dias, então secretário de Estado da Internacionalização, agora líder parlamentar do PS, sobre as questões em torno da Zona Especial de Conservação que geraram tensão entre os promotores do projeto, governantes e agências e institutos públicos com o agora a dizer: «Epá isto já chegou ao PM. O Siza falou comigo e acho que o P.M. pediu ao Siza para ver isso com o Matos Fernandes para resolver este problema». Brilhante Dias terá respondido: «Aquilo é chantagem política. Não há nenhum fundamento», numa referência à secretaria de Estado das Florestas e ao ICNF.

Depois de muitas ‘conversas e pressão’, em junho de 2022, numa conversa entre Afonso Salema – CEO da Start Campus e um dos detidos da Operação Influencer – e Rui Oliveira Neves – sócio da Morais Leitão e outro dos arguidos detidos – foi transmitido que numa reunião com Filipe Costa, da AICEP foi revelado que continua a existir ‘a guerra das ZEC’, em que «Duarte Cordeiro (Ministro do Ambiente) está a tentar defender a posição do ICNF, mas que o Ministro da Economia, o das Infraestruturas e o primeiro-ministro, aprovaram a desclassificação daquilo, ZEC (Zonas Especiais de Conservação)».

O nome da secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia, também consta do despacho de indiciação do Ministério Público.

Outros envolvidos

Entretanto, entra também na lista de arguidos João Tiago Silveira que exerceu funções como secretário de Estado da Justiça e secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, dos governos de José Sócrates, dando também apoio ao Governo na elaboração de legislação de simplificação administrativa.

Ora, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, queriam introduzir normas favoráveis aos interesses da Start Campus e, para isso, solicitaram a João Tiago Silveira «que procedesse a tais alterações no projeto de diploma que se encontrava a preparar [na sociedade de advogados Morais Leitão], o que este aceitou fazer».

O MP detalha ainda que, a 12 de outubro deste ano, Afonso Salema transmitiu o seguinte a Rui Oliveira Neves: «O Diogo disse que falou com o Galamba e que aprovaram agora em Conselho de Ministros a criação do Simplex de licenciamento para infraestruturas industriais de plataformas logísticas», ao que Rui Neves respondeu saber e que tinha sido João Tiago Silveira «a fazer esse regime».

De acordo com o documento do Ministério Público, Afonso Salema referiu ainda que «ele» – João Galamba – «pediu para incluir data centers» e que «pediu com urgência saber o que é preciso ser agilizado no licenciamento de Datcenters», tendo Rui Oliveira Neves respondido que ia de imediato falar com João Tiago Silveira.

No dia seguinte, logo pela manhã, Rui Oliveira Neves telefonou a João Tiago Silveira para pedir para que avançasse com as referidas alterações, para discutir com ele hipóteses de solução que favoreçam os interesses da start e ainda para combinarem a forma de essas propostas serem remetidas a João Tiago Silveira. «O Galamba ontem ligou à noite porque queria pôr os Datacenters nesse regime», começa por dizer Rui Neves, pedindo ajuda a João Tiago Silveira para «trabalhar com a equipa da start para ainda hoje ter o que é necessário pôr lá para os datacenters estarem incluídos». João Silveira responde que, para o próprio dia, «é difícil». Rui Neves insiste: «O Galamba está a pedir para hoje».

João Silveira tenta explicar e refere que o João Galamba, em Conselho de Ministros, falou em aplicar o regime das dispensas de loteamentos/ dispensa de procedimento administrativo mediante parecer não vinculativo da Câmara «que na prática dispensa tudo, na prática emitem um parecer e ou é seguido ou não (…) à partida é uma coisa muito fácil pôr lá, já não é fácil aceitar, mas o espírito neste momento é aceitar». Diz ainda que «não faz outra coisa nos últimos dias a não ser tratar disto, já anda a tratar disto há meses, e teve com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira e o gajo está completamente entusiasmado com isto», e que «o espírito é acabar com a maluqueira que as câmaras inventam, o espírito é positivo».

Os dois combinam depois uma chamada entre João Tiago Silveira e Nélson Magalhães, Head of Procurement da Start Camps. Mas antes de desligarem a chamada, Rui Oliveira Neves diz: «Fica com informação e segue email para o João Galamba com as propostas e assim ficam todos alinhados (…) Depois de estar do lado do Galamba o Governo que decida». João Tiago Silveira responde para «o Rui não se preocupar que quem vai decidir isto é ele próprio», que «aquilo é uma dispensa normalmente para coisas de entidade públicas, têm de arranjar aqui uma maneira qualquer de ligar isto aos projetos» e que «a melhor forma de passar é a relação dos projetos com Global Parques».

Nesse mesmo dia, Rui Oliveira Neves contacta Nélson Magalhães para o inteirar desta conversa. A conversa acontece duas vezes e, da segunda, diz-lhe que o vai inserir numa chamada com João Tiago Silveira. Rui Oliveira Neves refere nessa conversa que se pretende um regime aplicável não aos data centers, mas apenas à Start Campus e acrescenta: «Simplifica-se para os datacenters mas só na medida em que seja através de entidades públicas (…) nós não pedimos o loteamento, quem pede é o dono do terreno, e o dono do terreno é uma entidade pública, (…) isto é muito malandro mas é por aqui que a gente tem que ir», confessa.

Já depois da aprovação em Conselho de Ministros, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, «ou terceiros agindo sob as suas ordens e instruções», remeteram a João Galamba e João Tiago Silveira um documento que continha propostas de alterações a introduzir no projeto que deu origem a tal diploma, «em sentido favorável aos interesses da Start Campus».

Só que, como Nélson Magalhães demorou a elaborar a informação a remeter a Galamba e João Tiago Silveira, diz o MP que «estes últimos não lograram introduzir ou diligenciar por introduzir na proposta de Decreto-Lei, em tempo, as alterações pretendidas» por Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.

Sobre isso, no dia seguinte e em conversa com Manuel Macedo dos Santos (CFO da Start Campus), Afonso Salema diz que «o Nélson demorou muito tempo a responder a uma merda que pediu a semana passada que era para o Galamba, e mandou ontem à noite ao Galamba mas o Galamba disse que já mandou tarde de mais ‘já foi’, era para hoje de manhã, que era sobre agilizar o licenciamento de datacenter que o gajo [João Galamba] ia pôr para ser aprovado».