Diário de um Kibbutz. ‘Tragam os reféns para casa, já!’

Todos os dias, no caminho de minha ‘casa’ ao trabalho, passo por uma fila vazia de 240 cadeiras e carrinhos de bebé, bem como cartazes com fotografias de todos os capturados em vários pontos da cidade.

Caros Leitores,

Pouco mais de trinta dias passaram desde o fatídico e traumático 7 de Outubro, quando mais de 1500 terroristas armados entraram em território israelita por meios de túneis ou paraquedas, com a demolição das vedações que marcam a fronteira em alguns locais, ou explodindo com os portões elétricos dos kibbutz, para assassinarem mais de 1400 pessoas, entre as quais civis inocentes em suas casas, nos campos agrícolas e num festival de música ao ar livre. Israelitas, tailandeses, nepaleses e centenas com dupla nacionalidade; judeus, árabes cristãos, muçulmanos, beduínos, druze, agnósticos, ateus, e outros, todos eles ficaram sem vida ou foram levados para localizações desconhecidas em Gaza.

Na tradição judaica, assim como no catolicismo, faz-se uma cerimónia no 30º dia da morte de alguém [no islamismo, será ao 40º dia]. E, portanto, foram imensas as cerimónias públicas em Israel no dia 7 de Novembro, seja nas sinagogas, nos centros das maiores cidades, nos kibbutz ou no Muro das Lamentações. Muitos mais eventos e círculos de oração aconteceram em todo o mundo e pelas mais diversas comunidades religiosas, e muitas serão as cerimónias privadas que se seguirão nos próximos dias. 

Neste momento, o sentimento e o enfoque da população é bem claro: trazer todos os (até agora identificados) 241 civis capturados pelo Hamas e por outros grupos radicais envolvidos de volta a casa JÁ. O luto por aqueles que partiram é grande mas, neste momento, sente-se secundário face à preocupação pela saúde e integridade física, mental e emocional dos reféns. Prova disso é aquilo que tenho escutado das vozes de pessoas conhecidas que, ao saberem que os seus familiares estão mortos, sentem um momento de ‘consolo’ pelo facto de eles «não estarem feitos reféns em Gaza». É possível imaginar e entender a dor de alguém para chegar a uma conclusão destas? Por isso digo que há um objetivo primário de todos os residentes no estado de Israel (e espero que em muitos outros países do mundo): trazer todos os capturados de volta.

Todos os dias, no caminho de minha ‘casa’ ao trabalho, passo por uma fila vazia de 240 cadeiras e carrinhos de bebé, bem como cartazes com fotografias de todos os capturados em vários pontos da cidade. Numa caminhada lenta e em oração, olho para as caras e os dados pessoais de todos aqueles que sofrem em ansiedade pelo seu resgate. De um bebé de 4 meses (órfão dos seus pais) até idosos com 86 anos; entre trabalhadores agrícolas da Tailândia ou do Nepal a um jovem nos seus 20 anos que veio da Tanzânia; entre jovens a iniciar o seu serviço militar a beduínos que ajudavam nos cultivos dos kibbutz ou que vieram ao resgate quando se aperceberam da situação… Estes terroristas não vieram com o intuito de fazer distinções à hora de puxar o gatilho. Quem estivesse à frente, ou era morto ou raptado… É com esta dor que vivemos, e iremos viver, até aos últimos dos nossos dias, apenas amenizada quando os capturados voltarem a casa. 

Olhando para toda esta situação, eu creio que o embaixador de Israel em Portugal, Dor Shapira, deu uma excelente entrevista ao SOL na semana passada e aconselho a sua leitura (ou revisitá-la). Numa altura em que a humanidade se encontra tão polarizada e com tanta (des)informação disponível – e, vão por mim, até uma pessoa viver neste lugar do mundo e ir conhecendo, no seu cerne, todos os eventos e nuances que levaram a termos chegado a este ponto na história do povo e do estado de Israel (do qual admito ainda saber muito pouco, mas muito mais do que antes de ter imigrado para cá), pouco ou nada realmente se sabe –, eu creio que ele apresenta argumentos muito concretos e claros para explicar o porquê da atividade militar se estar a desenrolar desta forma, quais os objetivos a curto e longo prazo, e qual a perspetiva real de se poder fomentar a paz no Médio Oriente depois desta guerra terminar. Com todas as narrativas sobre ‘ocupação’ e ‘punição coletiva’ sobre as pessoas em Gaza neste momento, e face à realidade dos interesses e ações do Hamas para a não proteção ‘da sua gente’ (ao passo que mais e mais alertas têm sido feitos, e estradas de evacuação criadas pelas tropas israelitas para levar os inocentes para fora do campo de batalha), e com o exponencial crescimento de casos de anti-semitismo na Europa e no mundo, as suas palavras são bem esclarecedoras do sentimento geral de ‘estupefação’ pelo aceitar dessas mesmas narrativas a grande escala. 

Por outro lado, e em contraste com a violência e a tragédia de um país em guerra, são imensos os gestos de caridade e de voluntariado no nosso dia-a-dia, que dão um exemplo claro de resiliência de uma nação por vezes tão dividida. Em vários locais do país, organizações conjuntas de israelitas e palestinianos, judeus e árabes têm trabalhado para recolher roupas e alimentos, organizar visitas às famílias em luto e às pessoas internamente deslocadas, para ajudar na colheita dos campos que se encontram, boa parte deles, em zonas onde o conflito militar ainda está bem aceso. Vários restaurantes e padarias, cujos proprietários sejam judeus ou árabes, têm doado refeições aos militares e a quem teve de fugir das suas casas (como nós, que recebemos um pão integral de graça aquando de uma passagem rápida por uma pequena padaria em Haifa), chefes que têm adaptado os seus menus para que as refeições sejam mais em conta, ou até cujos donos e cozinheiros têm sido substituídos por voluntários quando os mesmos foram recrutados para serviço militar de emergência. Círculos de oração e vigília pelos afetados ou seminários por Zoom são regularmente organizadas e com participação de uma multiculturalidade de seres humanos que me fizeram enamorar, e me fazem acreditar, nesta sociedade. 

Nem sempre é fácil, nem todos estamos na ‘mesma página’, mas eu escolho acreditar que há uma massa crítica de pessoas – e várias organizações para os direitos humanos – que podem continuar a transformar este país numa democracia que salvaguarda a saúde de e o respeito por cada ser humano, e se tornar um aliado para com os países na região que aceitem o direito do Estado de Israel de existir.

Até para a semana e com desejos de paz e saúde para todos os inocentes!

#BringThemHomeNOW

Mário Fernandes, português em Israel