Rir para não chorar

António Costa, primeiro-ministro, sai sem deixar obra. Pior, sem deixar nada para o futuro do país, que não o seu próprio futuro político em aberto

Quando li, na chamada de capa do Nascer do SOL da semana passada, que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça afirmava que a corrupção estava “instalada em Portugal”, estava longe de acreditar que, dois dias úteis depois, a história acelerasse tão rapidamente. Foram realizadas buscas na residência oficial do primeiro-ministro de Portugal, o chefe de gabinete e o amigo mais próximo do chefe de Governo foram detidos e o ministro das Infraestruturas foi constituído arguido.

Se isto já era mau o suficiente para a República, no final da manhã veio a saber-se, através de nota de imprensa da Procuradoria-Geral da República, que o primeiro-ministro iria ser objeto de investigação no Supremo, por suspeitas de corrupção.

Até chegar a si, António Costa sempre defendeu que uma suspeita ou a condição de arguido não eram motivos suficientes para a demissão de um membro do Governo. Todavia, ao demitir-se afirmou que «a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e menos ainda com a suspeita da prática de qualquer ato criminal». Isto é, usou para si e para o seu cargo um padrão ético mais exigente do que o aplicado anteriormente.

A demissão, que deveria ser inevitável tal a dimensão do problema e de quem envolve, passou apenas a ter como base a sua condição para o exercício do cargo. Se quisermos ser muito calculistas, António Costa pode não ter escolhido o momento da saída, mas certamente escolheu aproveitar politicamente a situação e ganhar espaço para o que não estava no seu calendário: ser Presidente da República.

Depois do parágrafo do comunicado da Procuradoria ter aberto uma suspeição sobre o primeiro-ministro, e isso ter levado à sua demissão, o inquérito junto do Supremo deverá correr célere, como a ‘saúde’ da República exige. No final desse inquérito, se se verificar que nada havia sobre a conduta do chefe do Governo, está dado o mote para a campanha presidencial de António Costa.

Claro está que isso não faz esquecer os casos dos últimos anos, e que foi António Costa quem escolheu nomear e manter Galamba como ministro. Também foi o próprio quem escolheu para chefe de gabinete Vítor Escária e manter, em situação de proximidade, o seu melhor amigo, ora como consultor pro bono, ora nomeando-os para ‘assuntos delicados’. Os amigos dos políticos são quase sempre os seus piores inimigos, juntamente com os aduladores.

Para os portugueses, e esta crónica é escrita antes de se saber da decisão do Presidente da República sobre a marcação de eleições, permanecerá um país adiado, sem decisões estratégicas. Se nos perguntarmos para que serviu esta maioria absoluta, perceberemos que para nada do que seria de esperar. Não houve uma única decisão de fundo para o futuro do país tomada por este Governo. Há a estratégia de habitação a qual, apesar de constituir um esforço, esteve muito longe de ser mais do que isso, um esforço.

O ex-Presidente Cavaco Silva referiu várias vezes, comparando os seus mandatos com os de António Costa, que este não deixava obra. Tinha razão, António Costa, primeiro-ministro, sai sem deixar obra. Pior, sem deixar nada para o futuro do país, que não o seu próprio futuro político em aberto.

Nós, o povo, rimos para não chorar.