Telemóveis nas escolas: como deixámos chegar a este ponto?

Nos recreios temos alunos que não se mexem, não brincam, não imaginam, não criam, não jogam, nem convivem…

Esta semana mais um agrupamento de escolas, neste caso do concelho de Cascais, decidiu proibir o uso dos telemóveis no recinto escolar.

A decisão não foi tomada de forma repentina ou infundada e o email informativo aos encarregados de educação denotava um trabalho prévio que envolveu toda a comunidade escolar.

As novas normas do Agrupamento não surgem sozinhas, mas trazem consigo um género de compensação. Como forma de promover a atividade física e desportiva nos intervalos, os alunos não só passam a ter permissão para levar o seu meio de mobilidade preferido para a escola, seja ele trotinete, skate, patins, bicicleta, como haverá melhoramentos no espaço exterior, nomeadamente para a prática desportiva.

Só quem não entra num recinto escolar onde é permitido o uso ilimitado de telemóveis pode não entender como isso está a ser pernicioso. Já lá vão os recreios ruidosos e ativos. É assustador e triste ver como deixámos que as coisas chegassem a este ponto: muitos são recreios silenciosos e adormecidos em que os alunos desistiram de investir uns nos outros e, sozinhos ou acompanhados, estão imóveis a olhar para o seu ecrã. Muitos até comunicam com quem está ao seu lado, mas geralmente só para partilhar ou comentar o que estão a ver, como se precisassem deste intermediário para comunicar. 

Nem sempre é fácil relacionarmo-nos com os outros, expormo-nos, darmo-nos a conhecer, criar e desenvolver relações, alimentá-las, resolver conflitos. E se a pandemia foi altamente prejudicial neste aspeto, o regresso à escola de telemóvel na mão foi como um escudo atrás do qual cada um se defende à sua maneira, com prejuízo de aspetos importantes do desenvolvimento como o relacionamento com os pares, a empatia e a resolução de conflitos. Em paralelo temos o problema do cyberbullying, que muitas vezes nasce no contexto escolar e é alimentado por imagens ou vídeos captados na escola, com o propósito de humilhar, denegrir e prejudicar.

Quando os telemóveis chegaram até nós, nada apontava para que viessem a criar alienação ou a prejudicar a comunicação e envolvimento entre todos. Que pudessem vir a ser um entrave nas relações interpessoais. Muito pelo contrário, supostamente viriam tornar as pessoas mais próximas e contactáveis. O maior problema surgiu quando se deu o salto para os smartphones, que além de permitirem fazer chamadas e enviar mensagens – a parte menos usada pelos mais novos – concentram em si todo um aliciante – e viciante -–mundo de informação e entretenimento. 

Com a melhor das intenções, muitos pais precipitaram-se a oferecer esses pequenos aparelhos aos filhos, mesmo de tenra idade e, da mesma forma, as escolas permitiram a sua entrada com poucas limitações. Diariamente são confiscados vários telemóveis em sala de aula devido ao seu uso impróprio e muitas vezes constante. Só o facto de um aluno ter o telemóvel no bolso ou na mochila e de saber que poderá ter uma notificação nova pode deixá-lo ansioso e alheado da aula. Nos recreios temos alunos que não se mexem, não brincam, não imaginam, não criam, não jogam, nem convivem – com tudo o que isso acarreta. Embora muitas vezes me questione como pudemos deixar que chegasse até aqui, a questão que devemos colocar neste momento é sobretudo: chegados a este ponto, o que podemos fazer para juntos, resolvermos este problema de forma democrática e favorável a todos?