Filinto Lima. ‘É preciso devolver a paz às escolas’

Filinto Lima reclama um pacto de regime antes das eleições e diz que os maus resultados no PISA eram expectáveis.

Em matemática, os alunos desceram 20 pontos em relação ao PISA 2018 e um em cada três alunos não atinge o nível de competências mínimas. Considera que estes resultados devem-se apenas ao encerramento das escolas em período da pandemia?

A realização das provas PISA por 6.793 alunos de 224 escolas, entre estabelecimentos públicos e privados portugueses, e aplicadas em mais 80 países a alunos de 15 anos, foi antecedida do período longo da pandemia, em que emergiu o ensino a distância, com enormes constrangimentos no processo ensino-aprendizagem. A pandemia – a principal razão para a descida de média, quer em Portugal quer na OCDE – trouxe muitas consequências, entre elas a não realização e/ou consolidação de algumas aprendizagens. No caso particular de Portugal, outra possível razão para o decréscimo dos resultados é a consequência da escassez de docentes – fenómeno que tem vindo a agravar-se, ano após ano – existindo alunos sem professores nos meses iniciais do(s) ano(s) letivo(s) e, em alguns casos, durante grande parte do ano de escolaridade, para não falar da dificuldade acrescida que as substituições acarretam, num processo que, por vezes, demora imenso tempo em concretizar.

Outras avaliações internacionais, como o TIMSS 2019 e o PIRLS 2021 (antes da pandemia) revelavam já uma tendência de pioria. Podia ter-se pelo menos atenuado esta descida tendo em conta esses indicadores?

Julgo que era expectável a descida dos resultados PISA, principalmente devido ao ensino a distância que se prolongou por muito tempo, abarcando dois anos letivos sequenciais. Mesmo após a “abertura” das escolas, muitos alunos, e professores, tiveram de regressar a casa por testarem positivo. As perdas nas aprendizagens foram consideráveis, e a forma de as recuperar foi impulsionada pelos planos de recuperação instituídos pelas escolas, por dois anos, garantindo-se o seu prolongamento no presente ano letivo, pese embora com menos horas e, consequentemente, recursos. Neste momento é fácil responder de forma positiva à questão, mas estarei a entrar pelo caminho da demagogia. A educação é um caminho que se faz diariamente e deverá ser melhorado com a aplicação de medidas a curto, médio e longo prazo.

Considerar em repor os exames no final dos ciclos pode ajudar na melhoria dos resultados?

A educação é uma área em que os novos governos, por norma, alteram (quase) tudo aquilo que está no terreno (quer o que está bem, quer o que está mal), sem avaliar previamente os resultados das políticas educativas. Nesse sentido, considero ser importante a celebração de um pacto na educação (ou acordo de regime, como lhe chamou o Presidente da República), que salvaguarde o curriculum (o que se ensina) e a avaliação dos alunos, e acrescento, a justa recuperação dos seis anos seis meses e 23 dias. O momento de realizar este entendimento deve ter uma data anterior a 10 de março, dia das eleições legislativas. Estarão os partidos políticos dispostos a devolver a paz e a tranquilidade às escolas?

Através destes resultados pode concluir-se que a escola não está a funcionar como elevador social?

A escola pública é o elevador social que em muitos casos não funciona devidamente, e que teve um período prolongado de (quase) avaria por altura da pandemia, em que todos perderam, embora uns mais que outros. Nessa fase difícil, o elevador subiu muito devagarinho para alguns alunos (os que tinham em casa condições de trabalho/estudo) e desceu a pique para outros, aumentando as desigualdades já existentes. Os resultados PISA, que não devemos desprezar, limitam-se a avaliar conhecimentos, e o papel atual da Escola está para além desse objetivo, é mais amplo e mais democrático.

Como se justifica a discrepância entre o aumento das classificações internas nos últimos anos anunciado pela Direção Geral de Estatísticas da Ciência e Educação e esta descida no PISA?

É um efeito relativamente natural face às circunstâncias em que ocorreram as avaliações dos discentes, e surgiu de oportunidades de aprendizagem para todos. A situação da pandemia e a imprevisibilidade das suas consequências, a todos os níveis, levaram à alteração das ‘regras do jogo’, valorizando-se outras áreas fundamentais, o que promoveu a aplicação de novos critérios, que alteraram as ponderações iniciais. Todos aprendemos na/para a vida com a pandemia, e a Escola não escapou a essa lição.

Qual o papel que as escolas, dentro da sua autonomia, podem ter na inversão desta tendência?

Os professores e os diretores continuam a fazer um trabalho ímpar e de enorme qualidade, mas também necessitam que valorizem e dignifiquem as suas funções e a carreira docente. As escolas – que carecem de ver expandida a sua autonomia – desenvolvem projetos de excelência com um leque alargado de fantásticos profissionais, convictos de que é essencial para os nossos jovens uma muito boa preparação para a vida, devendo o governo apoiá-las nas suas ambições, nomeadamente pela alocação de mais recursos humanos (professores, técnicos especializados, assistentes técnicos e operacionais), da melhoria do edificado (através da requalificação das escolas necessitadas), do aumento das condições materiais…através de um investimento “ousado” na Educação, indutor da promoção do futuro.