Lideranças para o futuro

Nos tempos atuais tornou-se cada vez mais difícil atrair individualidades de elevada craveira intelectual para a causa pública

As lideranças políticas saídas do 25 de Abril de 1974 marcaram de uma forma muito vincada a atual Terceira República Portuguesa. Lançadas num contexto que terminou um longo regime autoritário de má memória, aboliram a censura e garantiram a liberdade de expressão, para além de permitirem a libertação de presos políticos e o reconhecimento da independência dos países africanos integrantes do valioso espaço lusófono dos nossos dias.

Personalidades como Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa ou Álvaro Cunhal assumiram um relevo nacional e um enorme respeito, generalizados na nossa sociedade, constituindo-se como referências ideológicas incontornáveis, concordando-se ou não com os seus posicionamentos ou pensamentos sobre o futuro democrático de Portugal. Com linhas e orientações próprias bem vincadas, em campos partidários exemplarmente definidos, o respeito mútuo entre todos prevalecia e a capacidade intelectual de cada um tornou-se inquestionável.

Tornaram o exercício da atividade política numa arte, numa ferramenta essencial ao desenvolvimento do país, personificada em líderes nos quais os cidadãos se reviam, onde os valores supremos da liberdade e das reformas estruturais assumiam uma nobreza de caráter capaz de transmitir confiança em tempos difíceis de mudança, de afirmação da democracia e de reestruturação das instituições portuguesas.

Esses legados foram tão assinaláveis e marcantes, prolongando a sua influência durante décadas, nalguns casos, que talvez tenham sido responsáveis por inadvertidamente impedirem o surgimento e a afirmação de novos personagens nos respetivos panoramas partidários. Tanto pela força oriunda de um período revolucionário como pela dificuldade na formação de novos quadros, criaram a sensação de que os seguintes nunca estariam à altura do património deixado. 

Nos tempos atuais, dominados pela divulgação obsessiva de supostos casos mediáticos, tornou-se cada vez mais difícil atrair individualidades de elevada craveira intelectual para a causa pública. Órfãos das grandes figuras do 25 de Abril de 1974, vivemos, por isso, momentos onde se procura fugir ao cinzentismo, a lideranças que não entusiasmem, em virtude do intenso desejo de ver o país a avançar para as reformas necessárias, ainda por concretizar nestes quase 50 anos de período democrático.

As próximas legislativas irão revelar essa tendência, a vontade de uma atuação mais assertiva e firme, onde o voto se irá refletir entre quem decide, em detrimento de quem protela soluções. Assim exista uma estabilidade necessária no quadro global de maiorias e de coligações vindouras.

Como a antecipação deste ato eleitoral acentuou a clivagem entre esquerda e direita, estamos perante um regresso ao passado mais clarificado, onde a opção voltará a ser ideológica e sem maiorias absolutas. E o espaço do centro que habitualmente decide a vitória nas eleições terá de escolher um dos lados, sendo esse um dos fatores mais interessantes para analisar. 

Escritor, Advogado e presidente do Estoril Praia