No fim da história foi mesmo o congresso da consagração de Pedro Nuno Santos. O recém-eleito secretário-geral dos socialistas teve que salvar por duas vezes o congresso, que ameaçava ser o palco para o partido desenvolver mais uma vez a tese da cabala contra o PS, como contamos nas páginas 4 e 5 desta edição.
Os dois discursos de Pedro Nuno Santos fugiram do guião da conspiração e abriram a porta a uma nova fase. O congresso gostou, mais do segundo do que do primeiro, e o resultado final foi conseguido logo no segundo parágrafo do discurso de encerramento no domingo: «Esse capítulo está prestes a ser encerrado. Agora é a nossa vez de iniciar uma nova etapa. E é sobre nós que recai a enorme responsabilidade de escrever um novo capítulo no livro da governação do PS e do desenvolvimento do nosso país».
Mas a rotura com o legado de António Costa, que assistiu ao discurso do novo líder na fila da frente, não se ficou por aqui. Pedro Nuno fez questão de marcar a diferença na ambição com que espera vir a ganhar as eleições de 10 de março: «Não queremos um país na média europeia. Ambicionamos um país no topo: no topo da qualidade de vida, da segurança e da inovação. Não queremos ser a periferia do continente europeu; queremos ser o centro que liga o Atlântico à Europa». Quem entrasse de repente no pavilhão da FIL em Lisboa até poderia pensar que estava a entrar num outro congresso, não no do partido que nos últimos oito anos governou o país e onde o primeiro-ministro sempre se gabou de um crescimento económico acima da média europeia, quando todos os dias ouvia críticas dos partidos da oposição, exatamente com o argumento que Pedro Nuno usou no seu discurso. A ambição de fazer de Portugal «um país de topo» não deve ter soado bem nos ouvidos de António Costa.
O congresso em que a justiça e a política se misturaram
A comissão organizadora do congresso preparou os trabalhos para que líder cessante e líder estreante tivessem cada um o seu momento. Mas a sombra de Costa atormentou o novo líder ao longo de todo o congresso. As notícias que no próprio dia davam conta das suspeitas que recaíam sobre o ainda primeiro-ministro no processo Influencer, que derrubou o governo, foram recebidas pelo partido como uma conspiração entre Ministério Píblico e Presidente para decapitar o PS (ver págs. 4 e 5).
Acossado, António Costa abriu os trabalhos na sexta-feira com um discurso de quem está para ficar e para ir à luta. Para a história do congresso ficou a frase, « podem-me ter derrubado mas não me derrotaram».
O discurso acabou, Costa saiu da sala, mas a sua sombra não. No sábado, que era o dia reservado ao início da era de Pedro Nuno, a maioria dos pesos pesados do partido fez questão de continuar a bater na tecla do legado do ex-líder e primeiro-ministro, disparando para todos os lados com violentas críticas à justiça, aos seus timings e às decisões presidenciais que interromperam um ciclo glorioso de governo.
Ao fim da manhã Pedro Nuno Santos fez a primeira tentativa de virar a página do costismo. O discurso, onde fez um hábil elogio ao legado de António Costa e rapidamente passou para o seu próprio legado como ministro das Infraestruturas, assumindo erros, mas seguindo o guião de que só erra quem faz, o novo secretário geral tentou mobilizar os presentes para virar a página e cerrar fileiras para a campanha que se avizinha. O efeito na sala pareceu ter resultado, mas quando regressaram do almoço, os congressistas regressaram também a António Costa e, ao final do dia, nas entrevistas que deu às várias televisões, Pedro Nuno não teve outra alternativa que não fosse responder a insistente pergunta: não teme o fantasma de Costa a pairar sobre a sua liderança?
Congresso quis garantia de vitória mas Pedro Nuno evitou
Apesar de ter sido um congresso morno, com a sala vazia em muitos momentos, a verdade é que no final tudo acabou bem.
À saída do pavilhão no final dos trabalhos as opiniões eram unânimes: Pedro Nuno fez um bom discurso, mobilizador e com propostas concretas.
A única coisa que alguns lamentaram foi a ausência de uma certeza na vitória nas eleições de 10 de março. Mas essa não era definitivamente a estratégia que o novo secretário geral levava para a estreia à frente dos destinos do partido. Pedro Nuno prefere apostar para já na humildade e esperar que os ventos sejam favoráveis daqui até às eleições. O líder socialista está obstinado em não querer fechar caminhos, e sabe que entrar na corrida com arrogância não é uma boa estratégia.
«Só trabalhamos no cenário de uma vitória» é a frase, aparentemente contraditória com a estratégia delineada, que Pedro Nuno Santos repete em todas as entrevistas, quando lhe perguntam se está ou não disponível para viabilizar um governo minoritário da AD. Mas é uma resposta que visa sobretudo evitar ter que entrar em contradições no dia seguinte às eleições. Para o líder socialista o mais importante é fazer a quadratura do círculo: liberdade para decidir sem prisões e não hostilizar os partidos à sua esquerda.