As virtudes do centro

O acentuado crescimento de forças extremistas e antidemocráticas colocam a própria democracia está em risco.

Perante a inesperada situação política em que o país se encontra, teremos uma campanha eleitoral a decorrer até às novas eleições legislativas de 10 de Março, desta vez com uma clara divisão, alegadamente ideológica, entre Esquerda e Direita.

Neste cenário, sendo claro nos estudos de opinião que não existirá uma maioria absoluta, assistimos aos congressos dos dois principais partidos, demasiado concentrados em evidenciarem uma barreira intransponível entre si. Face à alteração recente destes centros de discussão militante, os respetivos líderes surgem nos palcos já eleitos, servindo estes momentos para rever amigos, para negociar a integração em listas únicas para os órgãos internos e, mais relevante, para tentar apresentar ideias e projetos para o país atendendo à exposição mediática. Tornaram-se eventos vazios de discussão e de debate, de surpresas e reviravoltas, repletos de frases feitas onde se pretendeu esconder o óbvio, por mais que se vocifere o contrário. Sejamos claros, apesar das cortinas de fumo. Não apenas pela situação em que Portugal se encontra, mas, sobretudo, pela nossa história democrática, o centro partidário terá de se entender e de continuar a decidir em conjunto as principais matérias.

Quando se constituiu um Governo de coligação entre 1983 e 1985, denominado por Bloco Central, com um entendimento entre o PS e o PSD, e Mário Soares como primeiro-ministro, para além da difícil situação económica de então, com um acentuado desequilíbrio entre importações e exportações, elevadas taxas de inflação e salários em atraso, em termos políticos também não existia uma maioria estável no Parlamento, impedindo as necessárias reformas estruturais. E foi esse acordo de governação, empossado a 9 de junho de 1983 como IX Governo Constitucional, incentivado pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, que conquistou feitos marcantes como as negociações da adesão de Portugal à CEE, assinada a 12 de junho de 1985, a recuperação da confiança junto dos mercados internacionais e a alteração constitucional que extinguiu o Conselho da Revolução, substituindo-o pelo Conselho de Estado e pelo Tribunal Constitucional.

Se os tempos são outros, a realidade de hoje mostra-nos algo ainda mais preocupante, perante a qual os principais partidos também devem assumir a sua quota parte de responsabilidade. O acentuado crescimento de forças extremistas e antidemocráticas colocam a própria democracia está em risco, perante a passividade de todos, e esta só conseguirá sobreviver com entendimentos alargados.

Tal como a Constituição da República Portuguesa saída da Revolução de 25 de Abril de 1974 impõe uma maioria alargada em variados temas, nomeadamente para as revisões constitucionais e certas opções fundamentais, o grande desafio colocado ao PS e ao PSD reside na forma como poderão alcançar consensos pós-eleitorais, começando por viabilizar quem vencer em minoria e à margem dos acordos, firmados ou por firmar, dentro do campo ideológico onde desejam situar-se. Só dessa forma se impedirá a subida ao poder da extrema-direita e se promoverão as mudanças imprescindíveis no Serviço Nacional de Saúde, na Educação, na Habitação ou na Justiça. Porque a democracia não pode falhar.