O que faz o presidente do Conselho Económico e Social querer voltar para o Parlamento?
Um sentido de obrigação. Neste caso é mesmo no sentido de obrigação, não de missão. Porque nós estamos a passar uma fase muito difícil da vida do país e da vida internacional. Como é sabido, a sociedade portuguesa é uma sociedade que está hoje extraordinariamente polarizada por razões diversas e eu entendi que devia dar o meu contributo no âmbito do Partido Socialista, que sempre foi o meu partido, apesar das divergências conhecidas com a direção anterior, e o secretário-geral entendeu que esse contributo deveria passar pelo meu regresso à vida parlamentar.
As suas opiniões são conhecidas no país, pelo que causou estranheza o facto de, nesta disputa interna no Partido Socialista, se ter colocado ao lado de Pedro Nuno Santos. Das suas explicações conclui-se que, para si, o grande problema do que aconteceu em 2015 foi o facto de os eleitores não estarem conscientes do que podia acontecer, mais do que a coligação propriamente dita?
A minha grande divergência foi de ordem política, de ordem moral e enunciei-a nesses termos. Claramente o Partido Socialista nunca tinha dito que iria fazer uma coligação desta natureza e apanhou o país todo desprevenido e a mim próprio não me ocorria. Não me ocorreu, no momento em que fui votar, que a consequência do meu voto pudesse ser aquela coligação e, por isso, essa foi a razão fundamental pela qual eu entendi que nós não tínhamos legitimidade moral e política. O segundo ponto é que eu tinha sérias reservas em relação àquela solução, porque temia que – não estando ainda esse assunto devidamente consolidado como resultado de um diálogo profundo entre os vários partidos intervenientes – aquilo tivesse efeitos negativos numa questão que para mim é fundamental, que são os compromissos europeus de Portugal. E verifiquei que, nesse aspeto, não teve qualquer efeito. Houve sentido de responsabilidade de todos os partidos, o PS não abdicou em nada das suas posições europeístas, pelo contrário, reafirmou-as constantemente, quer aqui, quer no quadro europeu. Em Bruxelas e Estrasburgo, o próprio primeiro-ministro acabou por se afirmar como uma personalidade relevante no debate político europeu, e como um dos maiores europeístas. Portanto, esse aspeto ficou resolvido e, nessa perspetiva, eu passei a admitir, já o disse várias vezes, que essa solução fosse uma solução aceitável. Se é uma solução desejável? isso é outra coisa.
Portanto, acha que não teve razão nos seus receios?
Nos receios mais radicais não tive razão.
E também acha que foi um bom Governo para o país?
Não estou a dizer que foi um Governo bom, foi um Governo que teve coisas boas e que teve coisas menos boas, como é evidente.
Estou a dizer isto porque Pedro Nuno Santos tem-no referido várias vezes nesta campanha…
Pedro Nuno Santos tem uma avaliação do passado recente do partido, do país, bastante mais favorável do que foi a ação dos vários Governos do que a minha. Isso é sabido. Eu não mudei de opinião, não mudei de opinião em nenhuma questão fundamental. Veja-se o que eu disse no Congresso recente do PS. Eu não digo uma coisa aqui, outra no Congresso do PS. Eu, quando fui à reunião magna dos socialistas, diante dos delegados, disse exatamente aquilo que penso. Eu não tenho a mesma avaliação tão favorável que eles têm, isso é sabido. Não vamos reescrever a história. O PS tem que se apresentar ao país pela positiva, sem ressentimentos, sem apelar à exploração de qualquer tipo de medo, mas com um discurso claro e incisivo e apresentar ao país um conjunto de propostas, um conjunto de ideias e de medidas para Portugal e, depois das eleições, observar o comportamento dos eleitores, a composição da Assembleia da República, as posições dos demais partidos. Teremos de avaliar qual deve ser o nosso comportamento.
Mas tem consciência de que o mais provável é que, se o Partido Socialista puder formar Governo, terá que o fazer em entendimento com os partidos à sua esquerda?
Se houver uma maioria de esquerda. Essa é, obviamente, a solução mais provável e já está demonstrado que é possível salvaguardar determinado tipo de questões.
Mas continua a defender que os dois partidos do centro político português devem dialogar e não devem erguer muros?
Acho que é uma questão fundamental e, como disse no Congresso, é preciso distinguir adversários de inimigos. E é preciso respeitar os partidos democráticos. E há em Portugal, felizmente, uma direita democrática e uma direita democrática forte. A direita democrática forte já governou o país e muitas vezes tem estado na oposição e tem contribuído, com o PS, para a afirmação do Portugal democrático nos últimos 50 anos. Acho errado e até mesmo criminoso ceder à tentação de os quererem encostar à extrema-direita. Portanto, com esse tipo de discurso e esse comportamento jamais contarão comigo. Isso é uma questão de fundo.
Mas acredita que Pedro Nuno Santos, nesse aspeto, é diferente de António Costa?
Pedro Nuno Santos tem tido o discurso correto em relação a essas questões.
Na última convenção da AD, no fim de semana, Paulo Portas falou de uma tenaz virtual que se tem vindo a beneficiar mutuamente e os protagonistas dessa tenaz são o Partido Socialista e o Chega. Concorda com esta visão?
A existência desta tenaz não significa que tenha sido construída pelo Partido Socialista.
Mas não acha que foi? Não acha que nos últimos anos o Partido Socialista contribuiu muito?
Não, francamente, não acho. Acho que nem sempre tivemos o registo mais adequado, sobretudo no nosso relacionamento com o PSD e o CDS. O PSD é um partido democrático e em questões fundamentais nós nem sequer somos adversários. Estamos juntos na defesa da democracia.
O problema é que nesta campanha interna, Pedro Nuno Santos começou por colocar o PSD com o rótulo de radical, tal como a Iniciativa liberal?
As campanhas têm sempre uma componente muito emocional em campanha eleitoral. Por vezes, é um processo em que nem sempre a retórica é devidamente controlada.
Acha que Pedro Nuno Santos está preparado para ser primeiro-ministro?
Claro que está. Claro que está preparado para ser primeiro-ministro. Aliás, eu julgo que todos os candidatos a primeiro-ministro estão preparados para serem primeiro-ministro.
Não acha que aqueles episódios de que se tem vindo a falar – ele gosta de se autodenominar como decisor -, mas a questão é muitas vezes as decisões poderem ser precipitadas?
Quem governa tem de tomar decisões muitas vezes difíceis, mas tem de as tomar. É realmente pior do que não tomar decisões. Ele foi um político muito escrutinado ao longo dos dois anos. Mas o próprio também já reconheceu que tem as suas próprias cicatrizes, isto é, que tem consciência que num ou noutro momento não agiu da melhor forma. Acho que é uma pessoa com capacidade, é uma pessoa atenta às grandes questões contemporâneas, tem posições claras sobre os mais diversos assuntos. Sabe ouvir, não tem instintos autocráticos, pelo contrário, é uma personalidade que sabe ouvir, que fala com as pessoas, que tem a preocupação de recolher informações e realmente decide.