IKEA. Governo tentou travar campanha

Cartaz do IKEA causou mal-estar no Governo e no PS. As três empresas envolvidas na sua criação e divulgação foram alvo de pressões e queixas por parte de dirigentes do PS. Até a Embaixada da Suécia interveio. Sem resultado. O seu impacto apanhou todos de surpresa, mas não há arrependimentos.

O Governo e o PS tentaram interromper a polémica campanha da IKEA que inundou as ruas do país, assim como as redes sociais, há duas semanas. Mupis com o texto «Boa para guardar livros. Ou 75.800€.» foi a mensagem que a agência de publicidade Uzina criou para publicitar uma simples estante branca à venda na IKEA. A ‘quakl’, entretanto, esgotou. Os mupis colocados pela IKEA são uma alusão ao valor encontrado pela PSP durante as buscas ao gabinete de Vitor Escária, chefe de gabinete de António Costa e ex-assessor de José Sócrates, em novembro, no âmbito da ‘Operação Influencer’, que levou à demissão do primeiro-ministro e à queda do Governo. As notas estavam guardadas dentro de envelopes em livros guardados em estantes e numa caixa de vinho dentro de uma gaveta. António Costa garantiu desconhecer que Vítor Escária guardava os 75.800 euros no seu gabinete em São Bento e disse sentir-se envergonhado.

Fontes ligadas às várias empresas envolvidas nesta campanha garantiram ao Nascer do SOL que foram «feitas pressões» para que os mupis fossem retirados das ruas. JC Decaux, proprietária dos mupis que alojam os cartazes, foi uma delas. No entanto, a empresa considerou que se abriria uma nova polémica caso a campanha fosse cancelada. E decidiu-se por manter o que estava programado. «Nós tinhamos pareceres muito possitivos sobre os resultados desta campanha», afirmaram ao Nascer do SO fontes desta multinacional francesa. «Não havia nenhuma irregularidade e foi respeitado o código da publicidade». Ou seja, não havia uma razão concreta para interromper o contrato. Aquilo que acabou por ser uma surpresa foi a magnitude do impacto que a campanha teve. «Foi um buzz que ninguém estava à espera», afirmou o mesmo responsável. Uma polémica que chegou a dividir o setor da publicidade e da sociedade sobre os ganhos da marca IKEA em utilizar linguagem humorística alusiva a temas sensíveis como este em época de pré-campanha eleitoral. E que gerou desconforto no partido do Governo. As mesmas fontes oficias alegam que não foram vítimas de «qualquer pressão». No entanto, o Nascer do SOL sabe que existiram de facto contactos por parte de dirigentes socialistas e de câmaras do PS para que a JC Decaux reavaliasse o compromisso de suportar a campanha da IKEA. Avaliados os prós e os contras de uma decisão destas, optou-se por manter a estratégia e os compromissos com a marca. Uma vez que poderia ter como efeito mais provável o aumento da polémica e a criação de uma nova.

Caso tivesse sido possível antecipar que a campanha alusiva ao escândalo de Vitor Escária iria atingir estas proporções, a mesma fonte disse ao Nascer do SOL que tem dúvidas sobre qual a opção que a empresa francesa teria tomado. «Não consigo avaliar esse cenário. Mas a verdade é que não fomos nós o target da polémica mas sim a marca e a agência».

Conversas diplomáticas

Além da JC Decaux, também a própria IKEA foi sujeita a pressões. Fontes envolvidas nesta campanha reltaram ao Nascer do SOL que foram estabelecidas comunicações de nível diplomático entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Suécia a propósito da campanha da IKEA. Chegando mesmo a espoletar contactos por parte da Embaixada sueca em Portugal junto da IKEA portuguesa, segundo apurou o Nascer do SOL. Confrontada com esta informação, a empresa sueca alega que «a campanha da IKEA, em Outdoor e Redes Sociais, desenvolvida para promover os nossos preços ainda mais baixos, cumpriu todos os prazos estipulados, tendo arrancado e terminado nas datas previamente definidas. Durante este período, a IKEA não recebeu qualquer contacto por parte de qualquer entidade, para que a campanha fosse retirada antes da data prevista». No mesmo sentido, pronunciou-se o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que rejeitou qualquer envolvimento no caso. «A menos que haja uma situação de Estado é que são estabelecidos estes contactos», referiu ao Nascer do SOL uma fonte oficial do MNE.

Brincar com coisas sérias

Segundo apurámos, também a agência de publicidade Uzina esteve debaixo de fogo. Outras fontes garantiram ao Nascer do SOL que a criadora da campanha que envolveu vários cartazes alusivos à atualidade política teve abordagens por parte de dirigentes socialistas incomodados com o seu teor.

Susana Albuquerque, diretora criativa da Uzina, reafirmou ao jornal Expresso o que a IKEA já avançara ao Nascer do SOL: «Não há nenhuma intenção partidária, não há uma associação a um partido X ou Y, não há de todo essa intenção de fazer apologia desta ou daquela cor partidária.» E acrecentou que a campanha «faz parte da cultura popular do momento e do contexto que se está a viver, que neste caso é um contexto político». Sobre a estratégia das campanhas publicitárias da IKEA, explica que esta se centra no «sentido de humor: a comunicação carateriza-se por ‘ser bem humorada, uma coisa leve e brincalhona’». E recorda que o briefing que receberam para esta campanha dos preços baixos: «Foi para comunicar esta nova onda de baixa de preços que fizeram nestes produtos, pediram-nos para fazer comunicação em outdoor, em mupi, que conseguisse brincar de alguma forma com um contexto da sociedade». E assim se fez.

A polémica da IKEA foi bastante explorada nas redes sociais, com publicitários e vários nomes ligados ao setor a tomarem posições sobre o assunto de forma bastante acalorada . Luís Paixão Martins, conhecido consultor de comunicação do PS e de António Costa, chegou mesmo a recordar que o fundador da IKEA fez parte do partido nazi sueco, aludindo a uma possível associação da campanha publicitária a objetivos de partidos de extrema-direita.

Também a Comissão Nacional de Eleições (CNE) recebeu várias queixas contra a campanha da IKEA. Os queixosos pretendem que a CNE se pronuncie sobre aquilo que consideram ser uma interferência no processo eleitoral. Ainda não são conhecidas as conclusões da análise feita a estas queixas, na qual a CNE se irá pronunciar sobre «a compatibilização da liberdade de expressão com a alegada interferência com o processo eleitoral», segundo noticiou o jornal Público no ínicio esta semana.

Além de outras marcas, como Fnac, Staples, Gato Preto, Moviflor, SAPO, Revolut e Oscar, que apanharam boleia da IKEA para promoverem vários artigos e as suas marcas com campanhas que se tornaram virais do mesmo teor humorístico sobre o mesmo tema, também houve aproveitamento por parte da Iniciativa Liberal. Este partido político lançou uma cartaz com várias estantes da marca sueca, com as polémicas mais recentes ligadas a Maló de Abreu, ex-candidato do Chega que terá recebido 75 mil euros em ajudas de custo por ter indicado a sua morada em Angola, a Miguel Albuquerque, a propósito da investigação na Madeira e aos 75.800 euros encontrados no gabinete de Vitor Escária. Até à data, mais nenhum partido arriscou criar outras campanhas do mesmo teor. Um mote que foi dado, não por qualquer força política, mas por uma marca comercial. E que causou bastante desconforto.

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