Os últimos moicanos

Raimundo não é mais novo nem mais velho, não tem idade. Nem o carbono 14 consegue decifrar de onde vem, se do Jurássico ou do Cretáceo.

O provecto PCP – último resquício europeu do estalinismo clássico – estava, há anos, à beira do precipício. Com a escolha do seu atual líder, terá dado o fatal passo em frente.

Se Jerónimo de Sousa tinha carisma e conseguia criar empatia – mesmo entre os que jamais votariam no seu partido –, este seu substituto é um desastre. Não se trata, sequer, da “velha cassete” a que Cunhal recorria: Paulo Raimundo não se sabe expressar, não prende a nossa atenção, não suscita simpatia. Com as suas tiradas, ditas sem convicção, deixa-nos na dúvida se acredita no seu próprio guião.

Jerónimo utilizava um truque: fingia-se mais velho do que é e, depois, utilizava a jovialidade da idade que de facto tem para nos seduzir.

Raimundo não é mais novo nem mais velho, não tem idade. Nem o carbono 14 consegue decifrar de onde vem, se do Jurássico ou do Cretáceo.

Porquê então esta sucessão surpreendente, se até não faltam no ‘partido’ protagonistas com maior qualidade, currículo e eloquência?

Explicou-me um amigo, que já navegava nas águas comunistas antes do 25 de Abril, que o PCP está refém dos seus funcionários e apparatchiks. Ou seja, da corporação que o gerou e fez crescer, e a quem já só consegue pagar porque tem o património de que se apropriou há cinquenta anos, a ‘dízima’ dos seus eleitos e o tax free da festa do Avante!. Como estas receitas a minguar, os dependentes do PCP não tinham alternativa: havia que tomar conta do ‘partido’, e o funcionário Raimundo foi o escolhido para adiar o inevitável.

No sindicalismo, o PCP vai definhando. Quando nos recordamos de Carvalho da Silva ou de Arménio Carlos, impressiona a impreparação e deslustre de Isabel Camarinha.

Nas autarquias, já não há Maria das Dores Meira ou Bernardino Soares. Vítor Proença e Figueira Mendes não são reelegíveis em Alcácer e Grândola, onde têm feito um excelente trabalho. Por isso, o PCP corre o risco de ser varrido do mapa autárquico em 2025.

Nas elites intelectuais, ainda encontrámos alguns militantes ou apoiantes. Mas, entre esses, como Álvaro Siza, há mais tradição e saudade do que convicção e esperança no futuro.

Há quem rejubile com o último estertor do PCP, com o fim de um credo sem Deus. Até porque o alinhamento com Moscovo na questão da Ucrânia e a incapacidade de criticar o Irão e a sua política repressiva dos direitos das mulheres são um vergonhoso embaraço.

Não partilho desse sentimento, porque um partido da esquerda coletivista deve fazer parte do nosso leque político-partidário. Além do mais, temo que o desaparecimento do PCP deixe o eleitorado comunista à mercê do populismo demagógico e radical do Bloco de Esquerda – um partido aliado de forças que não hesitam em invocar os espantalhos da kristallnacht, como ficou patente em recentes manifestações e foi propalado pelo esquerda.net, sem ser denunciado por Mariana Mortágua.

Sim, há um PCP com trabalho autárquico, com preocupações sociais, que questiona o nosso modelo burguês e por isso faz falta. Esperemos que não sucumba às mãos da sua nova nomenclatura corporativa, e não deixe um espaço vazio para aqueles que, a todo o custo, querem destruir as nossas liberdades e desconstruir a nossa democracia. Para aqueles que, sem nunca olhar a meios, incitam ao conflito e iludem os eleitores, procurando o caos na expectativa de, um dia, construírem a sua sociedade intolerante e totalitária. A sociedade que conseguimos adivinhar nos seus discursos, principalmente quando são contrariados e lhes cai a pele de cordeiro.