Gaza. Impasse mantém-se

Israel apresentou proposta de cessar-fogo de dois meses em troca da libertação de todos os reféns israelitas que se encontram na Faixa de Gaza. E o Hamas apresentou uma contraproposta que Israel não aceita.

Quatro meses após os ataques perpetrados pelo Hamas contra os israelitas, a paz ainda é, realisticamente, uma miragem. O dia 7 de outubro de 2023 ficará marcado na história como um dos dias mais negros do Estado de Israel. Uma data que simboliza o renascer, de forma sangrenta, de um conflito antigo, talvez comparável à Guerra do Yom Kippur de 1973.

A crise humanitária é preocupante, mas parece impossível encontrar um ponto de equilíbrio entre o Governo de Benjamin Netanyahu e o Hamas. Israel apresentou recentemente uma proposta de cessar-fogo de dois meses em troca da libertação de todos os reféns israelitas que ainda se encontram na Faixa de Gaza. O plano, mediado pelo Catar e pelo Egito, foi rejeitado pelo Hamas, que apresentou, esta semana, uma contraproposta mais complexa. Os israelitas também rejeitaram.

O Médio Oriente está em ebulição, e o 7 de outubro foi o fio condutor. Desde os Houthis no Iémen a desestabilizar o comércio internacional até à possibilidade de um confronto direto entre os Estados Unidos e o Irão, a região sofrerá mudanças profundas e a realidade geopolítica está cada vez mais instável.

A contraproposta do Hamas

O plano apresentado pelo grupo terrorista é complexo e divide-se em três fases. É uma proposta ambiciosa, na qual se alega que a finalidade é a paz, mas o alto nível de exigências fez com que Netanyahu rejeitasse.

Numa primeira fase, o grupo palestiniano propunha um cessar-fogo de 45 dias. Neste espaço de tempo, todas as mulheres, menores de 19 anos e idosos israelitas, ainda reféns, seriam libertados em troca de mulheres e crianças palestinianas retidas em prisões de Israel. Ainda neste primeiro momento, que previa a retirada gradual das tropas israelitas de Gaza, recomeçaria a construção de infraestruturas, principalmente hospitais e campos de refugiados.

Numa segunda instância, os reféns israelitas restantes seriam trocados por prisioneiros palestinianos e o exército israelita sairia de Gaza de forma definitiva. Já numa terceira, e última, etapa, ocorreria uma troca de corpos e restos mortais. Após 135 dias de cessar-fogo, as negociações para o fim do conflito estariam encerradas, noticiou a BBC.

É uma proposta ousada, mas de difícil concretização, já que os interlocutores não parecem interessados numa paz real: o Hamas não reconhece o Estado de Israel e assumiu que continuaria a executar ataques como os de 7 de outubro sempre que necessário. Netanyahu, com polémicas a nível interno, principalmente a tentativa de aumento de poder que deixou o povo israelita dividido, continua intransigente, muitas vezes conta as diretrizes do seu maior e mais importante aliado, os Estados Unidos. O primeiro-ministro israelita parece estar a lutar não só pelos israelitas, mas também pela própria sobrevivência política.

A rejeição da contraproposta não é surpreendente, e Netanyahu continua a frisar que a guerra não acabará sem a eliminação completa do Hamas: «Israel não vai chegar a esses acordos, tratados de paz e normalização sem derrotar o Hamas», disse, após uma reunião com o Secretário de Estado americano, Antony Blinken. O israelita caracterizou ainda as exigências do adversário como «delirantes» e que da sua aceitação poderia resultar «outro massacre e uma grande tragédia em Israel». Blinken, que tem demonstrado empenho desde o início do conflito – através de uma diplomacia de vaivém inspirada em Kissinger, ainda que sem frutos -, afirmou que ainda «há muito trabalho por fazer». Já o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, acredita que a proposta do Hamas é «um pouco exagerada».

Entretanto, a situação humanitária continua a definhar e agravou-se após a recente polémica que, segundo serviços de inteligência, coloca a UNRWA, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente, como parte envolvida nos ataques de 7 de outubro. Os apoios das grandes potências ocidentais – que representavam cerca de 78% do total – foram cortados.

Resolução: um histórico de tentativas

Desde os primórdios do conflito que a diplomacia tem envidado esforços para o resolver, e a solução que se revela mais consensual passa pela criação de dois Estados internacionalmente reconhecidos. Por uma razão ou por outra, nunca não foi possível. De um lado, os israelitas não confiam nos vizinhos árabes, que já tentaram extinguir o Estado de Israel. Do outro, os palestinianos, ou parte deles, veem Israel como uma potência ocupante, principalmente devido aos colonatos e ao anterior controlo de Gaza. Esta era também a posição dos Estados árabes, como o Egito ou a Arábia Saudita, mas a mediação americana – principalmente com Kissinger em 1973 e com os acordos de Abraão em 2020 – normalizou as relações e abriu caminho ao reconhecimento. Os esforços são contínuos para que se caminhe em direção à estabilidade, mas o mais recente conflito colocou mais lenha na fogueira. A Arábia Saudita já garantiu que apenas reatará relações diplomáticas com Israel após a criação dos dois Estados, solução que a China também defende desde o início.

Henrique Cymerman, dos mais antigos correspondentes da região, disse ao Nascer do SOL, no dia 8 de outubro, que «a resolução de dois Estados seria ideal, mas os palestinianos não estão dispostos a isso. Não querem um Estado da Palestina em coexistência com Israel, mas sim um Estado islâmico em todo o território». O jornalista, nascido no Porto, concluiu ainda que «o principal objetivo do Hamas é o de matar os acordos de Abraão e dificultar os acordos entre a Arábia Saudita e Israel». Após quatro meses, este último objetivo foi conseguido.

Entre um primeiro-ministro que luta pela sobrevivência política e um Hamas perigoso e capaz do pior, a paz e a segurança dos civis é apenas uma miragem e, enquanto os interlocutores forem os mesmos, a solução de dois Estados parece pouco realista.