Debate das rádios. O dia em que a rádio mudou o rumo da campanha eleitoral

Foi em 2015 que as rádios generalistas se juntaram para organizar o Debate Decisivo, e foi mesmo. Uma pergunta sobre condição de recursos fez a diferença e a campanha virou a partir daí.

É um dos momentos mais decisivos de qualquer campanha eleitoral, o debate entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro.

Em 2015 fazê-lo na rádio era uma impossibilidade. Já nessa altura, tal como agora, o número de canais de televisão a operar em Portugal tinha aumentado muitos, e as próprias estações de televisão (RTP, SIC e TVI) tiveram que juntar-se para propor um frente a frente, a transmitir pelos três canais, entre Pedro Passos Coelho (líder da Paf, que juntava os dois partidos no poder, PSD e CDS) e António Costa (líder do PS). 

A moderação foi feita por jornalistas dos três canais e o momento foi preparado para atingir milhões de espetadores.
Na altura, tal como agora, a marcação dos debates eleitorais foi feita com muita antecedência, para conseguir encaixar estes momentos na agenda super preenchida dos candidatos. E porque além do grande duelo a dois entre Passos Coelho e António Costa, era necessário marcar mais outros tantos entre todas as candidaturas (na altura não havia ainda o modelo dos debates a dois), as televisões ameaçavam dominar por completo a agenda. Para as rádios sobrava pouco, e as direções de informação das principais rádios não se conformaram com a solução de dar primazia à televisão numas eleições tão disputadas.


2015 o ano em que a rádio mostrou o que vale

A ideia partiu da direção de informação da Rádio Renascença. Graça Franco era a diretora de informação e na altura e desafiou os parceiros das rádios generalistas para uma debate conjunto entre os dois candidatos â chefia do governo.
O desafio foi aceite e as três rádios partiram para o convite aos candidatos. A seu favor levavam o argumento de que o meio rádio tem condições incomparáveis com as televisões e consegue atingir públicos a que as televisões não chegam. E, numas eleições tão disputadas, chegar aos ouvintes da rádios podia fazer a diferença.
Desafio aceite, o debate realizou-se a 17 de setembro, já depois do debate televisivo. Teve uma audiência de um milhão e trezentas mil pessoas e foi moderado por Graça Franco (RR), Maria Flor Pedroso (Antena 1) e Paulo Baldaia (TSF).


O Debate Decisivo que acabou por ser mesmo decisivo

Bem sucedidas as negociações, no dia 17 de setembro às 10h da manhã (horário nobre das rádios), o debate realizou-se no Museu da Eletricidade em Belém.

Pela primeira vez na história as três rádios transmitiam em direto um grande acontecimento político, o debate entre os dois candidatos a primeiro ministro, depois de um período dramático para os portugueses que tinham tido que enfrentar quatro anos de forte austeridade por causa da ameaça de bancarrota e da intervenção da troica.
Tudo apontava para que Passos Coelho fosse o derrotado com António Costa a confrontá-lo com o currículo de ter sido aquele que foi para além da troica.
Mas eis que uma pergunta de Graça Franco, diretora de informação da Rádio Renascença, veio alterar por completo os dados do jogo.

A pergunta era: “No seu programa de governo propõe ao longo da legislatura uma poupança de mil e vinte milhões com a introdução da condição de recursos em prestações não contributivas da segurança social. esses noves cortes vão abranger que tipo de prestações?”. A pergunta deixou António Costa embaraçado e a atrapalhar-se na resposta. Passos Coelho, que vinha a ser acusado pelos socialistas de estar a esconder um novo corte de mil milhões nas pensões, não perdeu a oportunidade para contra-atacar. Resultado: António Costa acabou por perder o debate e arranjou um problema para o resto da campanha, que muitos dizem ter acabado por ditar a sua derrota nas urnas.
Naquele momento, os três moderadores perceberam que muito provavelmente aquele debate tinha ditado um outro desfecho das eleições. O embaraço com que António Costa respondeu, seguido de um ataque cerrado por parte de Passos Coelho, que aproveitou a oportunidade para virar o jogo e acusar o adversário de propor o contrário do que apregoa, alterou de forma definitiva a história da campanha eleitoral de 2015.

O debate relançou o jogo entre os dois contendores a partir da dificuldade que António Costa revelou em responder à pergunta que Graça Franco lhe colocou naquele debate.
 Afinal o debate das rádios tinha sido mais determinante do que o das televisões e o curso da campanha eleitoral ia ser muito diferente a partir daí.

A verdade é que, ao contrário do que seria de esperar, António Costa veio a perder as eleições de 2015, apesar de ter encontrado uma solução à esquerda que lhe permitiu governar com a chamada ‘geringonça’.
Há uma parte desta história que se explica com a viragem que se deu a partir do debate das rádios. Sorte ou destino? Ninguém sabe dizer ao certos, mas verdade é que a partir de 2015 o debate das rádios entrou para a história e passou a fazer história, como vamos percebendo por estes dias com a recusa de Pedro Nuno Santos em aceitar este desafio que já não é dispensável no panorama político nacional.

No rescaldo do debate, muitos foram os comentários sobre a força e a futilidade da imagem em confrontos como estes, e outros tantos a destacarem o peso primordial da audição. Houve até quem viesse recordar o célebre debate entre Nixon e Kennedy, transmitidos em simultâneo na TV e na rádio, em que quem seguiu na TV considerou que Kennedy tinha ganho, mas quem ouviu na rádio achou que o vencedor era Nixon.


Uma tradição a que será difícil fugir

Não tendo grande tradição, a verdade é que o impacto que o primeiro frente-a-frente das rádios teve no país, tornou o evento obrigatório. A rádio conquistou o seu lugar a pulso, e os portugueses perceberam que não é só na televisão que se escorrega. O tempo que a rádio não gasta com a imagem, é o tempo que gasta a procurar o que mais ninguém procura.

Uma pergunta num debate preparado ao detalhe a pensar na audiência de três rádios com características específicas, acabou por ditar a diferença e isso veio demonstrar a diferença. Um debate na televisão não substitui um debate na rádio, os ouvintes de rádio, que também são eleitores esperam esse momento e não ficam satisfeitos apenas com um debate na televisão.

Neste momento o debate das rádios volta a estar em causa. Pedro Nuno Santos terá recusado numa primeira resposta. As rádios repetiram o convite, e o secretário geral do PSfazia bem em aceitar. O histórico demonstra que quem ganha na rádio dá prova de vida, até porque demonstra que consegue ganhar apesar da imagem.
Recordar o início do debate das rádios também é um contributo para que o país e os políticos se lembrem que podem fazer a diferença.