E agora? “O país vai continuar em campanha eleitoral até às eleições europeias”

As grandes surpresas destas eleições foram o aumento de votos no Chega e no Livre, que conseguiu eleger grupo parlamentar.

“O país vai continuar em campanha eleitoral até às próximas eleições europeias”, que estão agendadas para junho deste ano. A previsão é feita ao i por José Filipe Pinto em reação às eleições deste domingo. O politólogo acredita que do lado do Chega iremos assistir a uma disponibilidade para formar coligações ou estabelecer acordos “porque é uma forma de comprometer Luís Montenegro, que voltou a reafirmar que ‘não é não’”. Estando ciente de que o líder do PSD não pode voltar com a palavra atrás, o partido de André Ventura irá “tentar capitalizar a sua visão anti-sistema, no sentido de explicar que é parte da solução, quando o sistema se recusa a aceitá-lo e só o vê visto como um problema”.

Já quanto ao crescimento do Chega e que se traduz num aumento exponencial em número de deputados – passando dos atuais 12 para 48 – o especialista em ciência política não se mostra surpreendido. “Eram resultados que há muito se previam porque sabia-se que os sucessivos escândalos que tinham abalado a classe política, levando ao pedido de demissão do primeiro-ministro, mais os sucessivos casos e casinhos que marcaram o Governo de maioria absoluta, favoreceram enormemente este populismo”.

Um cenário que foi reconhecido pelo próprio António Costa, ao afirmar que o resultado do Chega poderá ser justificado pela “situação de sobressalto e de dúvidas judiciais por esclarecer” que o país enfrenta atualmente.

José Filipe Pinto lembra ainda que a somar aos casos que estão a ser investigados pela justiça há que contar também com a questão da imigração, que partidos como o Chega aproveitam “para tentar conjugar com a insegurança com vista a conseguir muitos votos através da manipulação da opinião pública”.

A especialista em ciência política Paula Espírito Santo admite ao i que foi surpreendida pelo crescimento tão rápido do partido de André Ventura. “Em 2019 havia um deputado, em 2022 passou para 12 e agora para 48. Sabíamos que ia haver um crescimento, mas o inesperado é a proporção deste crescimento, o que acaba por ser interessante do ponto de vista sociológico”. Já do ponto de vista político, a responsável acredita que não vai conseguir atingir os objetivos pretendidos, uma vez que “não sendo um parceiro de coligação tudo aquilo que irá propor irá ter alguma dificuldade”, afirmando que nenhum partido terá interesse em aprovar o quer que seja do partido liderado por André Ventura. “O efeito Chega será mais de ruído porque apesar de tudo há uma espécie de cerca sanitária. É um grupo parlamentar grande, é o terceiro grupo parlamentar, mas sozinhos não têm força política, daí Inês Sousa Real ter dito que sozinha conseguiu fazer aprovar oito diplomas, enquanto o Chega com 12 deputados não tinha conseguido nenhum, mas isso não quer dizer que não tenham feito propostas, mas não passou nenhuma”.

O que esperar? José Filipe Pinto defende que Luís Montenegro vá formar Governo, mas pede cuidados redobrados na escolha da sua equipa ministerial, ao contrário do que aconteceu com António Costa. “Espero que o critério seja a competência e não a amizade pessoal como aconteceu com António Costa, e que seja um Governo preparado para enfrentar os problemas dos portugueses no curto prazo, sabendo que dessa ação decorrerá também o seu sucesso nas eleições europeias”.

Já em relação à hipótese de o futuro Governo avançar com um Orçamento retificativo, o politólogo afasta essa possibilidade. “Prevejo que tenhamos um Governo que poderá ter elementos do CDS e acordos com a IL, mas a grande verdade é que o tempo até às europeias é muito curto e, como tal, vai basear-se no pragmatismo, que é tentar cumprir as promessas que fez, que lhe parecem exequíveis e viradas para as pessoas.

Opinião contrária tem Paula Espírito Santo, que considera que haverá tentação por parte do PSD em avançar com um Orçamento retificativo. E justifica: “Se Montenegro não o fizer vai haver muita gente lá dentro que iria querer. O PSD é tudo menos consensual e não vai ter interesse em manter as linhas programáticas de um Orçamento que venha do Governo anterior, até para se demarcarem do projeto anterior, para mostrarem que o mesmo tem de ser revisto e que por isso os portugueses confiaram-lhe a vitória”, refere ao nosso jornal.

Quanto ao papel de Pedro Nuno Santos, o especialista em ciência política entende que o líder da oposição irá tentar denegrir toda a ação governativa. “Se Pedro Nuno Santos perder as europeias, será a terceira derrota consecutiva e nenhum líder pode almejar liderar o PS depois de três derrotas consecutivas”.

Também Paula Espírito Santo diz que o líder socialista terá agora o tempo de se afirmar junto do eleitorado, ao contrário do que aconteceu até agora. “Internamente teve uma eleição muito disputada, está a fazer o caminho que precisava de fazer porque mesmo que tenha feito esse caminho internamente, a perceção da imagem dele junto do eleitorado não era comparável à de Costa”, avalia. E acrescenta: “Além disso tinha um passado político questionável ou mal resolvido e que até foi bastante apontado na campanha e essa imagem de irrefletido foi difícil descolar da sua postura”.

Esquerda com comportamento divergente Mas se José Filipe Pinto destaca o crescimento do populismo anti-sistema, por outro lado, chama a atenção para o facto de o populismo sócio-económico não ter subido, dando como exemplo o que se verificou com a CDU, que passou de seis para quatro deputados. Mas dá uma justificação para esta tendência: “Este tipo de partidos crescem sempre que as condições económicas se agravam, porque o seu povo é os ‘deixados para trás’. Ora, os portugueses ainda não começaram a sentir de uma forma muito veemente os efeitos das crises na Ucrânia, no Médio Oriente e, nessa perspetiva, as pessoas ainda não vieram para a rua mostrar o seu descontentamento, até porque tem havido atualizações de pensões, aumentos de salários”.

Já Paula Espírito Santo justifica esta queda comunista não só pelo facto de contar com um líder novo, sendo Paulo Raimundo menos conhecido junto do seu eleitorado, pelo que não consegue capitalizar a atenção e a notoriedade necessária para gerar votos, mas também por não ter conseguido explicar como é que o partido entende a conjuntura internacional, nomeadamente a guerra da Ucrânia. “Essa é uma das falhas da mensagem e era o partido que tinha de se justificar melhor este assunto, pelo menos, para que uma parte do eleitorado entendesse o racional da sua posição”.

E se o PCP ‘praticamente desapareceu’, o especialista em ciência política diz que o mesmo se passa com o Bloco de Esquerda, que não conseguiu aumentar o número de deputados por continuar a falar para o mesmo povo dos ‘deixados para trás’ e que, no seu entender, representa neste momento uma fatia muito pequena do eleitorado.

Um comportamento diferente teve o Livre, que passou de um para quatro deputados, mas o politólogo admite que este crescimento deve-se a duas razões. “Primeiro, porque foi um partido que conseguiu transmitir uma imagem de mais liberdade de ação, mas simultaneamente foi um partido que se definiu sempre com ecologista mas europeísta, enquanto temos o PCP que sempre se manifestou contra a entrada de Portugal na União Europa e o Bloco, não sendo crítico da integração europeia, censura o desenvolvimento e o rumo que a Comunidade está a tomar. São partidos que não aceitam a soberania de serviço, ao contrário do Livre, que se diz europeísta”, conclui.

Por sua vez, Paula Espírito Santo acredita que o partido tenha ido buscar votos ao PS e elogia o caminho feito por Rui Tavares, considerando que teve “um percurso muito constante, de alguém dá uma imagem de integridade, de calma e de ter capacidade de explicar a um público muito concreto que é mais à esquerda do PS, mas que é permeável a uma mensagem mais intelectual. Rui Tavares veio agitar as águas políticas, mas fê-lo dentro do sistema de uma maneira que interroga, mas não põe em causa o seu funcionamento”.