André Ventura. O homem das 48 cabeças

Foi o grande vencedor da noite, mas ninguém sabe muito bem como irá usar o mais de um milhão de votos. ‘Conquistou’ muitos votos à abstenção, ao PS, CDU e PSD, muitos deles em localidades onde vivem os seus alvos preferenciais. Elvas, Olhão ou Vila Nova de Mil Fontes são bons exemplos.

Se olharmos para as cidades de Lisboa e do Porto, percebe-se, facilmente, que foi aí que o Chega teve das menores percentagens de votos – 11,73% e 9,99%, respetivamente. O problema para os inimigos do partido de André Ventura é que à volta das duas principais cidades do país o cenário foi completamente diferente. Em Sintra conseguiu 21,16%, em Alenquer 23,37%, na Póvoa de Varzim atingiu os 18,76% e em Paços de Ferreira quase chegou aos 20%.

Se caminharmos em direção ao Sul, então a história é completamente diferente, com vitórias em cascata no Algarve – Olhão, Loulé, Portimão, Lagoa, Silves e Albufeira -, e algumas no Alentejo.

Olhando para o mapa eleitoral, não é difícil concluir que o Chega foi buscar muitos votos à abstenção, ao PS, ao PSD e à CDU, leia-se PCP. Das eleições de 2022 para as do último domingo foram votar mais 750.721 eleitores, tendo o Chega conseguido convencer mais 723.191 pessoas de uma eleição para a outra. Como não é crível que o aumento de votos do partido de André Ventura se tenha limitado aos antigos abstencionistas, também facilmente se percebe que houve uma transferência de votos do PS e do PCP para o Chega. O PS perdeu 486.639 votos e o PCP 34.325. E aqui há que contar que algum eleitorado do PS se transferiu para o PSD (AD), tendo muitos militantes sociais-democratas passado para o Chega. E é preciso não esquecer que os 750 mil ‘novos’ eleitores também contribuíram para o aumento das votações do PAN, do BE, da AD, além do Livre, que teve uma subida bastante considerável. Ah! E é preciso não esquecer a subida vertiginosa da ADN, que passou de cerca de 10 mil para 100 mil, calculando-se que muitos destes votos terão sido por engano, devido à confusão com a AD.

Dança dos votos Dúvidas? É só olhar para os mapas e constatar a dança das cadeiras, que é como quem diz, dança dos votos. Também não é difícil concluir que onde a AD teve melhores votações foi onde o partido de Ventura teve os piores resultados. Talvez o melhor exemplo seja o de Belém, onde o Chega se ficou pelos 8,42% e a AD atingiu os 45,06%, e Marcelo votou em Celorico de Basto. Ou mesmo a freguesia de S. Domingos de Benfica, onde o Chega se ficou pelos 8,42% e a AD ultrapassou os 40%. Curiosamente foi em Marvila que o Chega teve a sua melhor votação na capital: 23,44%.

Se é verdade que nas grandes cidades em que a AD teve as melhores votações o Chega ‘baixou’ a crista, há localidades emblemáticas onde os dois subiram em detrimento do PS e do PCP. Veja-se o pequeno grande caso emblemático do Couço, uma pequena localidade ribatejana, outrora um bastião do PCP. De 2022 para 2024, o PS passou de 567 votos para 482 e a CDU de 486 para 445, ou seja, os dois partidos perderam 126 votos. Já o Chega passou de 66 para 206, registando mais 140 votos. Se o PSD passou de 115 para 135, o partido de Ventura conseguiu também ‘apanhar’ alguns dos novos 62 votantes.

As razões para a subida meteórica do Chega irão ser escalpelizadas durante muito tempo, mas, mais uma vez, é preciso olhar para os mapas eleitorais e constatar o óbvio: André Ventura com o seu discurso anticiganos, além do papão da imigração, obteve excelentes resultados nas terras onde parte da população se queixa da difícil convivência. Em Vila Nova de Mil Fontes o Chega foi o partido mais votado, na Quinta do Conde, em Sesimbra, o mesmo, e na Bela Vista, em Setúbal, ficou em segundo.

E o que dizer de Elvas, onde foram os mais votados, com 36,53%, tendo passado de 1.770 votos em 2022 para 4.150 no domingo? Numa freguesia, São Vicente e Ventosa, pequena, é certo, obteve 49,06% dos votos. Em Caia, São Pedro e Alcáçova ultrapassou os 40%.

O cenário não foi muito diferente em Portalegre, Beja e Évora, mas à volta da Grande Lisboa, o Chega passou a fasquia dos 20% em Alenquer, Azambuja, Seixal, Palmela, Sines, Sesimbra e Barreiro. Em Loures e Grândola ultrapassou os 19%. Numa entrevista dada ao i de 20 de fevereiro, Ventura reiterava o seu pensamento sobre a comunidade cigana: “Quem vive ao lado dessas comunidades sabe o que estou a dizer, e por isso não vou deixar de dizer. se for ao Alentejo, a Setúbal ou Loures, essas pessoas sabem o que estou a dizer: viver ao lado de algumas comunidades ciganas em Portugal é um inferno. E as pessoas sabem isso e é por isso que nos contactam, por isso é que nos dizem o que se está a passar”.

O que irá fazer Ventura com com 1.108.764 votos? Tendo conseguido eleger 48 deputados, o Chega não vai ter uma vida fácil, pois gerir o sucesso é, muitas vezes, mais difícil do que alcançá-lo, já o dizem os clássicos. A prova dos nove deverá acontecer em novembro quando se discutir o Orçamento do Estado. Irá Ventura chumbá-lo ou pedirá aos seus deputados para se absterem? Não conseguindo entrar no Governo, Ventura irá aliar-se a Pedro Nuno Santos num eventual chumbo orçamental? E como reagirá o eleitorado se for chamado a votos dentro de momentos? Afinal, Ventura poderá ser acusado de votar ao lado da esquerda para derrubar um Governo que está tão firme como um baralho de cartas – a votação da AD foi inferior, em termos percentuais, à de Rui Rio em 2022 -, e se alguém pensava que pior era impossível, no domingo ficou com muitas dúvidas. Quem diria que Rui Rio ainda ia ter razões para sorrir?

Mas continuemos no mais de um milhão de votos do Chega e dos seus 48 deputados. Na já referida entrevista ao i, de 20 de fevereiro, quando questionado se o seu partido iria ter sessões evangélicas no Parlamento, devido ao apoio de muitos cristãos, Ventura contrapôs que também têm muitos católicos. “Só que os evangélicos são menos mas dão mais nas vistas. O que sei é que vamos ter, pela primeira vez, na Assembleia da República uma assembleia que não pactua com conluios interparlamentares. Vou dar um exemplo que pode ser fundamental: comissões de inquérito. O Chega pode, pela primeira vez [no caso de eleger 46 deputados], conseguir sozinho abrir comissões de inquérito, sem precisar de mais nenhum partido. E só isso vai fazer tremer os maiores partidos do sistema. Quando nós formos investigar o BES, o financiamento das campanhas dos partidos, aí é que eles vão sentir o peso dos nossos deputados. Se nós conseguirmos esse número [46] podemos abrir comissões de inquérito potestativas. Só isso já os vai pôr a tremer um bocadinho”, dizia então.

Quer isto dizer que não vai faltar animação televisiva, com o Chega a preparar-se para levar vários temas às comissões parlamentares, onde o confronto está garantido.

Negros e mulheres Também quando confrontado com o facto de ser considerado racista, além de xenófobo, Ventura disparou: “Qual é o único deputado negro do Parlamento e a que partido pertence? É o deputado Gabriel Mithá Ribeiro e é do Chega”. Depois de corrigido, alertado para o facto de o PS ter uma deputada negra, Ventura não se ficou e continuou: “Quem é o único partido que tem em lugar elegível um brasileiro, imigrante, negro? Eu, no Porto. O Marcus. Que é instrutor de artes marciais. Imigrante, negro, fez a vida dele cá, casou, teve filhos, é nosso candidato”. E, sim. foi eleito, assim como Mithá Ribeiro. Diga-se ainda que o Chega elegeu 12 deputadas, duas das quais em Setúbal.

O BE é o partido que tem mais mulheres, em termos percentuais, três em cinco, o PS tem 29 em 77, a AD 24 em 79, o PCP uma em quatro, a IL três em oito, e o Livre uma em quatro.

Muito se disse sobre André Ventura, que é capaz de dizer tudo e o seu contrário no espaço de minutos, mas que ninguém acreditava que conseguisse eleger 48 deputados, lá isso também é verdade.