Não é novidade que os atrasos portugueses no que diz respeito ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) têm sido criticados. Desta vez foi Marques Mendes que, no seu comentário habitual, disse que a Comissão Europeia iria reter 2,77 mil milhões de euros do quinto cheque do PRR, por Portugal não cumprir todas as metas e marcos acordados. Em causa está o atraso na aprovação de três decretos-lei por parte do Executivo de António Costa. São, segundo o antigo líder do PSD, os diplomas são referentes à «concentração das secretarias gerais de todos os ministérios», à «fusão dos gabinetes de planeamento dos ministérios» e ao «reforço jurídico da Administração Pública».
O Governo não gostou e respondeu. O Conselho de Ministros garante que não houve qualquer negligência quanto aos fundos do PRR e garante que o próximo governo pode submeter o pedido para obter o 5.º pagamento, repudiando as «acusações falsas». Marques Mendes voltou à carga e atirou: «É um facto tão óbvio, tão óbvio, que não pode ser desmentido».
A verdade é que não é a primeira vez que este assunto está em cima da mesa. Ao Nascer do SOL, o eurodeputado social-democrata, agora ministro da Agricultura e Pesca, José Manuel Fernandes, fala em falta de planeamento. Diz que o problema não é apenas português, mas que, o que acontece é que o PRR «foi feito de uma forma centralizada» não tendo em conta o território, acusando o governo socialista de não ter falado com os presidentes das comissões de desenvolvimento regional. Além disso, o ex-eurodeputado que esteve na construção do PRR em termos de legislação e que fazia parte do grupo dos 27 eurodeputados que acompanham as bazucas, diz que há investimentos do PRR que deveriam estar no Portugal 2030 e vice-versa. «Não se conseguiu nem se apresentou um PRR e um Portugal 2030 como deveria ter sido feito», acusa.
Face a estas situações, José Manuel Fernandes atira que o objetivo do Governo «e a gestão centralista do PRR levou a que o Governo legasse, sobretudo, e quase exclusivamente para compromissos que tinha e apostou em obras desgarradas não aproveitando a potencialidade toda do PRR». E deixa um exemplo. «Tínhamos até 31 de agosto de 2023 a possibilidade de usar, para além do montante que foi usado dos empréstimos, mais 8300 milhões de euros. Já perdemos essa possibilidade, acabou. Perdemos 8300 milhões de euros na vertente dos empréstimos».
Lembra ainda que, na semana seguinte ao país ter perdido essa verba, António Costa enviou uma carta a Bruxelas onde pedia ajuda para a habitação e para a água. «Está aqui uma lacuna brutal – é das maiores – que é não se ter usados estes 8300 milhões de euros para investimentos na área da habitação e também para se armazenar a água, por exemplo, para a agricultura», conta ao nosso jornal lembrando que este é um dos episódios em que o Governo socialista mostra que «não houve planeamento. Olhou-se para o imediato, não se fez planeamento».
E, na opinião de José Manuel Fernandes, a ausência de planeamento «também coloca em risco não só a qualidade do investimento, como a própria execução». Defendendo que «gastar não é investir», José Manuel Fernandes atira: «Vamos gastar o dinheiro todo do PRR, mas não investimos e não utilizamos os recursos todos. E uma das razões pelas quais não fazemos isso, é porque não planeámos».
Assim, não tem dúvidas que o novo Governo, do qual faz agora parte, recebe em mãos um presente envenenado, «uma situação difícil pela má execução» porque o governo socialista «marrou e quis reformas que não executou como a reforma da administração e nem sequer avançou com ela porque poderia ter custos eleitorais». Lembra também que o prazo para a conclusão do PRR em termos de pagamentos é 2026. Prazo que diz que dificilmente será prolongado.
No que diz respeito aos atrasos, Pedro Dominguinhos, presidente da comissão nacional de acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência, adianta ao Nascer do SOL que a CNA tem vindo a alertar nos seus relatórios e intervenções públicas «para a necessidade de acelerar a execução global do PRR, fazendo uma avaliação qualitativa dos vários investimentos analisados». E lembra que no relatório de novembro, cerca de 23% dos investimentos foram apreciados como preocupantes ou críticos. «Reconhecendo estes atrasos, o que é relevante é que se consigam encontrar os instrumentos de gestão necessários para que possam ser recuperados», deixando algumas recomendações que a CNA tem feito como incremento do valor dos adiantamentos; reforço das equipas nos organismos intermediários; maior celeridade nas decisões relativas às candidaturas; operacionalização do mecanismo de restituição do IVA; disponibilização e operacionalização das plataformas de pagamento e reforço da cooperação entre os diferentes organismos públicos. «Estas são recomendações que as diversas entidades devem concretizar e que são essenciais para a necessária agilização dos investimentos do PRR», diz.
Sobre a mudança de Governo, Pedro Dominguinhos recorda que esta é segunda vez que Portugal passa por uma mudança de governo no decorrer da execução do PRR. «Existe um consenso global sobre a relevância do PRR para a economia portuguesa e uma parte significativa está contratualizada com os beneficiários diretos ou finais», começa por explicar, lembrando que os desafios que se colocam «são, em primeiro lugar, relacionados com a apropriação dos vários dossiers e o conhecimento de toda a mecânica de funcionamento». Em segundo lugar, o responsável destaca «a necessidade das estruturas continuarem a lançar os avisos e a gerir as várias tarefas associadas aos investimentos, particularmente relevante após a reprogramação do PRR que incrementou a dotação global do PRR em cerca de 33%». Por último, Pedro Dominguinhos fala na «necessidade de elaboração dos documentos legais e administrativos para concretizar as metas e os marcos previstos no acordo assinado com a Comissão Europeia. Existe regulamentação para concretizar algumas das reformas já aprovadas e também novos diplomas para serem aprovados quer na Assembleia da República quer em sede de Governo».
Questionado sobre se há algum projeto em risco de se perder, Pedro Dominguinhos revela que, neste momento, a CNA-PRR não possui uma sinalização que alguma dessas situações se verifique. E adianta que, «talvez o caso mais problemático fosse a construção da linha Violeta (Loures-Odivelas), da responsabilidade do Metropolitano de Lisboa» que foi classificado como crítico no último relatório da CNA. No entanto, avisa que o concurso de conceção-construção foi lançado a 15 de março, «mitigando desta forma o risco muito elevado identificado».
E adianta ainda que o relatório de novembro «identifica um conjunto de investimentos relevantes que necessitam de um impulso adicional». Na área da Resiliência, diz, «destaca-se a necessidade de acelerar a construção dos centros de saúde, estando em análise as candidaturas do 3º aviso, encerrado há poucas semanas, e também da análise das candidaturas e construção no âmbito do apoio ao acesso à habitação». Já na dimensão da Transição Climática, «é essencial a publicação de resultados das candidaturas para a eficiência energética em edifícios de serviços bem como das Comunidades de Energia Renovável para autoconsumo». E adianta ainda que «assume particular relevância a publicação da regulamentação relacionada com o hidrogénio e outros gases renováveis, essenciais para o licenciamento dos vários projetos, bem como a as decisões sobre as redes». Ainda no que diz respeito à Transição Digital, «urge a operacionalização dos Test Beds e Digital Innovation Hubs, bem como a disponibilização dos Catálogos de Serviços Digitais, cruciais para a operacionalização das Aceleradoras do Comércio Digital».
E o quinto pagamento?
Agora falta Portugal pedir o quinto pagamento. O final do primeiro trimestre é apenas um prazo indicativo que a Comissão Europeia sugere para que possam ser feitos dois pagamentos por ano. José Manuel Fernandes lembra que a reforma da administração pública «que o Governo socialista escondeu, é uma meta que enquanto não for atingida o pagamento fica em causa».
Já Pedro Dominguinhos revela que este pagamento envolve o cumprimento de 42 metas e marcos, num envelope financeiro global de 3.190 milhões de euros, distribuídas por várias reformas e investimentos. «Tal como confirmado pelo atual governo, este pedido de pagamento apenas será concretizado pelo novo governo, devendo este decidir qual o momento mais adequado para o fazer». Mas diz que, neste momento, «uma parte relevante destas metas e marcos já está cumprido» dando destaque à assinatura dos contratos de expansão de linhas no Metropolitano de Lisboa e no Metro do Porto; assinatura o contrato de construção da plataforma Multifuncional da Marinha; assinatura de contratos para construção de 8 projetos rodoviários pela IP; modernização de postos de formação pelo IEFP; circulação de autocarros de zero emissões nas áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto; formação no âmbito do eBUPI; criação do Observatório Nacional de Pobreza Energética; criação da Unidade Técnica de Avaliação Tributária e Aduaneir (UTax) que terá como missão, entre outras, uma análise do sistema d benefícios fiscais e elaboração de proposta para a sua eventual alteração; instalação de 2 radares meteorológicos de dupla polarização pelo IPMA; entrega de 650 milhões de euros a empresas não financeiras, onde se incluem os intermediários financeiros, por parte do Banco Português de Fomento; finalização da Escola Academia do Alfeite; seleção pelo IAPMEI de, pelo menos, 200 projetos de Indústria 4.0; frequência de estágios por diplomados na Administração Pública; trabalhadores em funções públicas em regime de teletrabalho; lançamento de aviso para a descarbonização de, pelo menos, 10 navios de transporte de mercadorias e passageiros; atribuição de, pelo menos, 383 milhões de euros a projetos de descarbonização industrial; aprovação em Conselho de Ministros da Estrutura de Missão para o Licenciamento dos Projetos de Energia Renovável; assinatura de 10 contratos adicionais de pactos de inovação ou projetos mobilizadores.
No entanto «existem também algumas reformas ou investimentos que ainda não estão cumpridos, e que dependem de decisões do próximo governo», como é o caso do lançamento do primeiro leilão para a compra centralizada de biometano sustentável com o presidente da CNA a revelar que «todas as peças estão preparadas para o seu lançamento e não ocorreu devido à queda do governo». Junta-se a entrada em vigor do pacote legislativo relativo à reorganização da administração pública. Pedro Dominguinhos detalha que «os dois diplomas estão concluídos e centram-se na criação de uma estrutura centralizada de apoio ao governo e de serviços de apoio comum. Caberá ao novo governo a análise desta proposta e a sua aceitação ou eventual alteração».
Mas há mais. Como é o caso da reforma do mercado de capitais, «com publicação de legislação que coloque a tónica na criação de incentivos, nomeadamente: i) ao acesso a capitais próprios através do mercado de capitais; ii) à criação de um ambiente propício ao crescimento das empresas; iii) ao financiamento de dívidas no mercado e; iv) à participação de investidores. Esta reforma carece de aprovação por parte da Assembleia da República. A proposta de lei está concluída, cabendo ao novo governo a sua aceitação ou realização de eventuais alterações antes da submissão à AR».
Pedro Dominguinhos adianta ainda que «é essencial a concentração de energias na execução do PRR, por parte de todos os agentes envolvidos, de forma que a sua concretização possa produzir os resultados e impactos necessários na economia e sociedade portuguesa».
Questionado sobre se podemos vir a perder milhões, o eurodeputado alerta que «o objetivo tem que ser não perder nem um cêntimo», mas que haverá uma dificuldade que é na Assembleia da República de se aprovarem as reformar que o Governo socialista queria fazer.
Ao Nascer do SOL, José Manuel Fernandes fala ainda numa estratégia que foi usada. «Reformas que os governos consideravam mais difíceis e que não tinham coragem de executar mas que queriam executar, meteram-nas dentro dos PRR – Espanha também fez isso – para depois dizer ‘agora temos que aprovar esta reforma, caso contrário não recebemos dinheiro e é uma imposição de Bruxelas’», dizendo que os países usaram o PRR para meterem as reformas que queriam «e para depois apresentarem com impacto consumado porque elas estão agarradas a envelopes financeiros importantes», colocando também culpa em Bruxelas porque « fez essa exigência quando, na verdade, a comissão aceitou as reformas que os Estados-membros propuseram». Em Portugal, dá como exemplo a reforma da Administração pública.