Cerca de cinco meses após o reatar do conflito histórico no Médio Oriente, as certezas continuam a ser poucas. Tanto o Hamas quanto Israel continuam intransigentes, cada um à sua maneira, enquanto a comunidade internacional reúne esforços para colocar um ponto final na crise humanitária que se agrava a cada hora. Na passada segunda-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução de cessar fogo imediato, com a abstenção dos Estados Unidos, mas a impotência da Organização face ao conflito é colocada, mais uma vez, em evidência.
À medida que a guerra se prolonga, a opinião pública polariza-se cada vez mais e começa a criar roturas profundas, mesmo nas sociedades ocidentais, espoletando o crescimento tanto de vagas antissemitas e anti-islâmicas.
Os Estados Unidos, o maior e mais importante aliado de Israel, começa a perder fé na gestão do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, após meses intensos de ação diplomática que incluíram o reaparecimento da diplomacia de vaivém, popularizada por Henry Kissinger em 1973, aquando da guerra do Yom Kippur. Sem o apoio incondicional dos americanos, Israel – que tem também uma frente de guerra na fronteira com o Líbano – poderá ficar mais frágil, ainda que Netanyahu tente não o demonstrar, mantendo-se focado no objetivo inicial: destruir o Hamas e fazer regressar os reféns.
A crise humanitária
A dimensão geopolítica e geoestratégica do conflito é de inegável importância, num confronto indireto entre os Estados Unidos – que se tenta reafirmar como o interveniente mais relevante na região –, a China – que tem desempenhado um papel estabilizador fundamental, mediando o processo de normalização de relações entre o Irão e a Arábia Saudita – e até os próprios iranianos – apoiantes do grupo libanês Hezbollah, envolvido no confronto com Israel.
Ainda assim, é a dimensão humana que mais preocupações suscita e ofusca, de certa forma, qualquer interesse estratégico. O Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas, anunciou, no domingo, que o número de vítimas mortais, desde o início do conflito, supera já a marca dos 30 mil. A mesma fonte reporta ainda mais de 70 mil feridos. Mesmo que se possa colocar em causa a veracidade dos números, não deixa de ser uma situação preocupante, e a ação de Washington ao longo do conflito, marcada por uma série de avisos ao gabinete de guerra chefiado pelo primeiro ministro israelita, demonstra precisamente isso.
A impotência da administração Biden, e principalmente do seu secretário de Estado, Antony Blinken, em moderar Netanyahu – o que forçou os Estados Unidos a enviar ajuda humanitária por via aérea – aliada à polémica da UNWRA, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente acusada de envolvimento no massacre de 7 de outubro de 2023, são fatores-chave do agravamento da crise. Há também mais de 100 reféns israelitas na Faixa de Gaza, um dos principais motivos da intransigência de Telavive, principalmente após ter sido apurado pela ONU que várias reféns foram vítimas de violência sexual.
A opinião pública israelita pode dividir-se quanto às políticas de Netanyahu – desde as tentativas de descredibilização da Autoridade Palestiniana, que poderão ter levado ao aumento de protagonismo do Hamas, à sua aliança com forças ultraortodoxas e passando ainda pela condução do processo de resgate de reféns –, mas há um sentimento de união coletiva quanto à destruição do Hamas e à recuperação total dos reféns, afirmou uma fonte em Telavive ao Nascer do SOL.
A ONU e o cessar fogo
O Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão decisório da Organização, aprovou, após várias tentativas falhadas, uma resolução de cessar fogo imediato em Gaza, que se estenderia até ao fim do Ramadão e que serviria de base para uma trégua «permanente e sustentável». Os Estados Unidos, membro permanente, após optar por vetar as três propostas anteriores – alegando a elaboração de uma proposta alternativa que visaria a condenação do Hamas e a libertação dos reféns israelitas –, optaram pela abstenção e alertou que a resolução poderá afetar as negociações entre os americanos, o Egito e o Catar, conforme avançado pela Euronews.
Porém, não parece provável que a resolução seja de facto aplicada, expondo mais uma vez a incapacidade da Organização. John Kirby, o coordenador para as Comunicações Estratégicas do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos, afirmou que se trata de uma «resolução não vinculativa», não havendo «impacto na capacidade de Israel continuar a perseguir o Hamas», após a reação de Benjamin Netanyahu. O primeiro-ministro israelita decidiu cancelar uma visita de altos representantes israelitas a Washington – que teria como finalidade a discussão da importante operação de Israel na zona de Rafah – no seguimento da mudança de posição americana no Conselho de Segurança da ONU. A revista Visão expôs as declarações de fontes da Casa Branca, em anonimato e citadas pela Axios, perante o sucedido: «Tudo isso é contraproducente. O primeiro-ministro [israelita] poderia ter escolhido um caminho diferente: alinhar com os Estados Unidos sobre o significado da resolução. Optou por não o fazer, aparentemente por motivos políticos». Mais uma evidência de que Telavive e Washington não estão sintonizados e de que Netanyahu tem lutado, de todas as maneiras possíveis, pela própria sobrevivência política.
As relações Estados Unidos-Israel deterioram-se, a influência das Nações Unidas coloca-se em causa e a crise humanitária em Gaza agrava-se. É também incerto o ‘dia seguinte’, uma vez terminado o conflito que tem contribuído para a volatilidade do sistema internacional e que pode revelar-se fundamental para reconfigurar o xadrez geopolítico.