Portugal fechou 2023 com um excedente orçamental histórico de 1,2% do produto interno bruto (PIB), superando a previsão oficial de 0,8% do Ministério das Finanças e a dívida pública baixou de 112,4% para 99,1% do PIB. Uma folga que, de acordo com António Bagão Félix, exige cuidados redobrados. «Por ignorância ou distorção tática (da esquerda) que rapidamente se têm tornado ‘endémicas’, tem-se falado do excedente de 2023 como um tempo de ‘cofre cheio’ e de muito dinheiro para gastar. Muitos dos comentadores da nossa praça vendem ilusões, como seja a de que um saldo positivo excecional num determinado ano dá para financiar todas as reivindicações salariais de que se tem falado. Esquecem-se que, do lado dos custos, a despesa não se limita ao ano da sua decisão e repete-se permanentemente no futuro», diz ao Nascer do SOL.
Também o Fórum para a Competitividade afirma que este excedente «não é tão bom como parece». E alerta: «Poder-se-ia pensar que este resultado, por um lado, justifica grandes elogios ao Governo cessante e, por outro, facilita muito o trabalho do próximo Governo. No entanto, nem uma coisa nem outra são verdadeiras».
Em causa está uma melhoria de 3.973 milhões de euros entre 2022 e 2023, resultado de um aumento na receita (9%) que foi superior à subida que se verificou na despesa (5,2%), segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) que revelam ainda que o saldo primário, correspondente ao saldo global líquido da despesa em juros, foi positivo, tal como em 2022, tendo melhorado cinco mil milhões de euros, para 8.945 milhões de euros.
Um comportamento que, segundo Bagão Félix, é resultado de vários fatores, nomeadamente «uma bem conseguida gestão orçamental face ao contexto económico e geopolítico, a ajuda da inflação em dois vetores –aumento muito elevado dos impostos arrecadados, em particular dos impostos indiretos e os efeitos desfasados do impacto da inflação que é mais rápido e acentuado do lado tributário do que do lado dos custos – contenção real da despesa pública, a que não são alheios o menor investimento público e a insuficiência de recursos em áreas-chave de que alguma degradação de serviços públicos é a expressão e a notável evolução das contribuições para a Segurança Social (TSU) em função da maior população ativa empregada e do aumento significativo do salário mínimo».
Opinião contrária tem Eugénio Rosa ao referir ao nosso jornal que o saldo orçamental positivo obtido em 2023, «não resultou nem de boa gestão, nem de Medina ser o melhor ministro das Finanças», lembrando que o saldo orçamental positivo resultou de um volume de receitas fiscais arrecadado muito acima do previsto no início do ano pelo Governo, cabendo ao governante a função de ser «um simples cobrador». E dá como exemplo o facto de o Executivo de Costa ter previsto no orçamento inicial um aumento de receitas de impostos, entre 2022 e 2023, de 1.372,6 milhões, mas o verificado foi de mais 6.577,9 milhões, ou seja, 4,8 vezes superior ao estipulado. E dos 5.185,4 milhões que o Estado arrecadou a mais, de acordo com o economista, foi impulsionado pelo IRS (+32,9%, o equivalente a 1.708,4 milhões), acrescido do IVA (+31,3%: 1.623,8 milhões) e muito mais do que no IRC (+26,2%). «Em percentagem, o aumento nas receitas fiscais foi três vezes superior ao das despesas com pessoal», salienta, acrescentando que, ao mesmo tempo, «fez cortes brutais no investimento público, causando a degradação dos equipamentos públicos que, associados à política de remunerações, determinou graves deficiências na prestação de serviços essenciais à população de que o SNS é o caso mais paradigmático».
Já Bagão Félix diz ainda que, apesar de este saldo de 2023 ter um impacto positivo na execução de 2024 não irá reduzir as pressões orçamentais que condicionarão as decisões financeiras futuras, defendendo que a variável crucial é a da evolução do PIB. Ainda assim, mostra-se otimista em relação a eventuais decisões por parte do novo Executivo, principalmente em matéria de despesa. «Creio que o novo Governo, com prudência e sentido de equidade, procurará fasear os justos aumentos que estão na ordem do dia e iniciar um desagravamento fiscal, tendo em atenção os meios orçamentais disponíveis e o crescimento da economia. Não esqueçamos também que é desejavelmente previsível que a taxa de inflação continue a descer, o que, porém, diminuirá a verificada alta taxa de crescimento em 2023 das receitas fiscais e contributivas, como já começa a haver sinais nos primeiros dois meses de execução orçamental de 2024», diz ao nosso jornal.
O ex-ministro do Trabalho refere ainda que, tal como próprio Governo cessante referiu, o saldo orçamental global de 3.194 milhões de euros só foi possível porque o saldo positivo de 5.670 milhões de euros na Segurança Social mais do que compensou os défices de 2.392 e 148 milhões de euros observados na administração Central e nas administrações local e regional, respetivamente. E isso mostra que «este excedente totalmente devido à Segurança Social não é para gastar fora do sistema público de pensões, é antes para reforçar os mecanismos da sua sustentabilidade futura, o que é justo e imperativo».
Por seu lado, Eugénio Rosa defende que «não é verdade dizer que há um grande excedente orçamental de 2023 que pode já ser utilizado», referindo que esta folga já foi aplicada na redução «a um ritmo infernal» da dívida pública. E alerta: «Se se quiser o utilizar tem de se aumentar a dívida pública, o que penso que será necessário agora ou em 2025 e, depois, reduzi-la mais lentamente, para tirar o país do ‘buraco’ em que está, mas para isso é necessário aprovar um novo Orçamento». Quanto às promessas eleitorais feitas às Forças de Segurança e aos professores, o economista acredita que é possível «satisfazer já este ano». No entanto, lembra que se o Executivo acrescentar à lista os profissionais de saúde não será previsível contar com excedentes em 2024 e em 2025, «a não ser que se queira continuar a estrangular o país».
Incertezas
Para já, o arranque do ano ficou marcado por um abrandamento. O Estado registou um excedente de 785 milhões de euros até fevereiro, valor que reflete um decréscimo de 1.556 milhões de euros face ao mesmo mês do ano anterior, resultado do aumento da receita efetiva de 4,1% e de um acréscimo de 15,9% da despesa efetiva.
A influenciar este resultado esteve a subida das contribuições para a Segurança Social (+10,4%) e um recuo de 2,8% do lado da receita fiscal – influenciada pelos prazos de pagamento do IVA. Já no que diz respeito à despesa efetiva, o aumento homólogo registado nos primeiros dois meses deste ano reflete o aumento da despesa com transferências correntes (+15,4%), aquisições de bens e serviços (+12,5%), investimento (+98,4%) e despesas com pessoal (+8,6%).
A somar a este resultado há que contar ainda com as contas do Fórum para a Competitividade que estima que o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre tenha desacelerado de 0,8% para entre 0,3% e 0,6% em cadeia, a que corresponde um abrandamento homólogo de 2,2% para entre 1,0% e 1,3%.
Para os próximos trimestres, a organização espera uma recuperação do consumo das famílias por via de um maior rendimento disponível devido à esperada redução das taxas de juro, diminuindo os encargos com o crédito à habitação. Mas aponta para a deterioração da conjuntura externa, «ainda que limitada».