O texto que o ‘Público’ recusou

É bom que se perceba que os crimes de ódio são uma questão civilizacional, que a todos diz respeito e a todos compromete. 

O ignóbil ataque a imigrantes na madrugada de sexta-feira, no Porto, não devia, pela sua gravidade, ser explorado politicamente. Mas está a sê-lo não só pela esquerda radical, mas também por aquilo a que Pacheco Pereira chama de «jornalismo de causas». Um jornalismo que se confunde com ativismo político, assumindo muitas vezes a agenda dessa mesma esquerda radical. Percebo que seja tentador exaltar bons sentimentos, apontar culpados e exibir superioridade moral quanto se trata de um tema tão caro ao ativismo transvestido de jornalismo. Mas é bom que se perceba que os crimes de ódio são uma questão civilizacional, que a todos diz respeito e a todos compromete. Numa matéria desta delicadeza, não devia haver lugar a divisionismos promovidos por aqueles que reivindicam o monopólio da compaixão e consideram a multiculturalidade uma causa só sua. Vem isto a propósito das críticas, abertas ou veladas, de que tenho sido alvo por reagir ao ataque dizendo uma coisa óbvia e irrefutável: a segurança interna é uma competência exclusiva do Estado. Tal como é da responsabilidade do Governo a integração dos imigrantes, embora os municípios, designadamente o do Porto, dediquem serviços e estejam a desenvolver atividades com esse fim. Tenho até lido insinuações de que a manifestação de extrema-direita há cerca de um mês, no Porto, criou um ambiente propício ao ataque. É essa a ideia que perpassa pela notícia do Público: Rui Moreira pede extinção da AIMA e condena ‘ataque inaceitável’ a imigrantes no Porto. Ora, é absolutamente especulativo estabelecer uma ligação entre os dois acontecimentos, como faz o Público, com a agravante de imputar ao Município do Porto a autorização da manifestação. Como acontece na generalidade dos países democráticos, as manifestações em Portugal não carecem de autorização, requerem só comunicação. São um direito cívico e realizam-se livremente, dentro do nosso quadro constitucional. Os municípios não têm margem legal para travar manifestações, como é consensual entre os constitucionalistas, ao contrário do que diz o Público na referida notícia. E quando as manifestações colocam questões de segurança, a avaliação das mesmas é da exclusiva competência da PSP. Foi o que sucedeu na manifestação de extrema-direita, que recebeu parecer favorável da PSP, tendo, de resto, decorrido sem incidentes de maior. Se gosto de manifestações de extrema-direita na cidade do Porto? Não, não gosto. Mas não me cabe a mim decidir que grupos ideológicos ou outros se podem manifestar na cidade. Acho, aliás, piada que a esquerda radical e o ‘jornalismo de causas’, sempre tão afoitos no seu ativismo libertário, venham defender que os municípios possam impedir manifestações. A arbitrariedade e o autoritarismo não são condenáveis, pelos vistos, quando se trata de coartar a liberdade de expressão das ideias de que discordam. É uma curiosa noção de democracia. Sublinho que o ataque a imigrantes foi um ato vil e repugnante, que deve merecer a nossa maior atenção enquanto sociedade. Mas as opiniões destemperadas em editoriais ou dissimuladamente em notícias arriscam-se a polarizar um acontecimento que, por implicar com os direitos humanos, causa seguramente indignação na maioria dos portugueses. Este afã de encontrar culpados, para além dos perpetradores do ataque, desvia-nos da questão central: como integrar e proteger os imigrantes, evitando crimes de ódio, comportamentos racistas e tensões sociais? Ou seja, que política de imigração devemos adotar em Portugal.