O trunfo de Montenegro chamado Alcochete

Desta vez o Governo preparou tudo ao milímetro. A decisão sobre o novo aeroporto tinha de ser uma boa notícia para todos, sem exceção. As saudações de partidos e PR foram essenciais para cumprir o objetivo.

O timing do anúncio foi escolhido milimetricamente. Luís Montenegro tinha o primeiro debate quinzenal marcado para quarta-feira e queria garantir que ia causar uma primeira boa impressão. Depois de um primeiro mês de governação repleto de incidentes parlamentares, e com o PS a mostrar-se como o verdadeiro legislador no Parlamento, o Governo tinha que dar prova de vida.

O anúncio do aumento do complemento solidário para idosos e do pacote da habitação, foram os primeiros sinais de que o Governo estava a retomar a iniciativa, mas a cereja em cima do bolo era antecipar o debate quinzenal com o anúncio que o país aguarda há 50 anos, a localização do novo aeroporto de Lisboa em Alcochete. Mas Montenegro não se quis ficar pelo aeroporto e de uma penada anunciou o avanço em simultâneo do TGV_Lisboa/Madrid e da nova travessia do Tejo, Chelas/Barreiro.

O guião foi preparado de forma a não haver imprevistos, as horas que antecederam o anúncio foram intensas em contactos, da Presidência da República, aos líderes das bancadas parlamentares, passando por um contacto entre Montenegro e Pedro Nuno Santos, todos foram informados previamente do conteúdo do anúncio que o primeiro-ministro iria fazer horas depois.

Para o chefe do Governo era muito importante que desta vez não houvesse surpresas e uma boa notícia dada ao país, não acabasse comprometida por inabilidade política. Foi por isso que todos os pormenores relacionados com o processo foram preparados e avaliados minuciosamente. Quando às 20h Montenegro surgiu nas televisões a anunciar a decisão sobre o novo aeroporto, o primeiro-ministro já sabia que ao anúncio se seguiriam declarações de regozijo de todos os setores políticos.

Primeiro o consenso, as críticas ficam para depois

Uma decisão rápida sobre o aeroporto era o que os vários partidos, com o Partido Socialista à cabeça, tinham pedido desde o primeiro dia do novo Governo. Tendo Luís Montenegro optado pela escolha preferida da Comissão Técnica nomeada para dar um parecer sobre o local onde deveria ser construído o aeroporto, não houve margem para críticas num primeiro momento. Pedro Nuno Santos ainda tentou capitalizar para si os louros de uma decisão que tinha tentado impor no anterior Governo, mas as trapalhadas relacionadas com o célebre despacho revogado vinte e quatro horas depois, continuaram a ensombrar-lhe a imagem de decisor.

O consenso das primeiras horas começou a quebrar-se no debate quinzenal, com o líder socialista a agarrar-se à decisão de alargar a capacidade do aeroporto da Portela , para tentar reverter as críticas e perguntar a Montenegro se tinha estudos para proceder ao alargamento. Mariana Mortágua insistiu para saber como vão ser as negociações com a Vinci, que detém a concessão dos aeroportos nacionais e que deverá pagar as obras do novo aeroporto ao abrigo do contrato de concessão.

Montenegro respondeu a todas as questões com a leveza de quem ainda não se iniciou nos detalhes mais difíceis, relacionadas com o avanço do processo. Para já, o primeiro-ministro colhe os louros das boas notícias que deu ao país e que alguns classificaram mesmo como um Natal antecipado.

O debate quinzenal serviu no entanto para tomar o pulso à forma como daqui para a frente a oposição vai tentar dificultar a vida ao Governo, e os primeiros sinais começaram já a sentir-se. Os vereadores socialistas na Câmara Municipal de Lisboa já começaram a colocar questões sobre o aumento de voos previsto para a Portela, levantando receios com a segurança dos lisboetas e com o impacto ambiental que mais aterragens em Lisboa podem provocar. Por seu lado, associações ambientalistas já vieram também a terreiro exigir um novo estudo de impacto ambiental para o aeroporto da Portela. As obras do aeroporto Humberto Delgado, as primeiras a avançar no pacote anunciado esta semana pelo Governo, prometem trazer muitas dores de cabeça ao Executivo e os socialistas já mostraram que vão liderar esta batalha.

Outra frente de guerra política virá do escrutínio ao processo negocial com a Vinci. A empresa, que tem como presidente executivo José Luís Arnaut, ex-ministro e militante do PSD, manifestou-se contra a opção de Alcochete assim que foram conhecidas as conclusões da Comissão Técnica Independente. Luís Montenegro garantiu a Mariana Mortágua que não falou com Arnaut antes do anúncio da decisão, mas é certo que o BE não vai largar este dossier. As negociações com a Vinci vão ser um dos cavalos de batalha dos bloquistas, que procurarão argumentos para acusar o Governo de estar a favorecer uma multinacional privada em prejuízo do país.

Sabendo que os próximos tempos vão ser de ataque, o Governo quer tirar o máximo partido desta fase e valorizar a sua capacidade de decisão e iniciativa. Montenegro sabe que só não deixando espaço à oposição pode ir garantindo a sua sobrevivência política e este é o momento para arriscar. Como muitas vezes se tem repetido, se as coisas correrem bem o Executivo pode sobreviver mais do que se espera, se correrem mal, Luís Montenegro quer ir para eleições com obra feita.