A Madeira ainda é um jardim do PSD

Cafôfo e Élvio Pereira protagonizaram um dos momentos mais ridículos da democracia portuguesa naquela conferência de imprensa às oito da noite em que anunciaram um acordo entre o PS e o JPP que não servia para coisa alguma.

O representante da República na Madeira indigitou Miguel Albuquerque para formar o próximo Governo Regional.Ireneu Cabral Barreto, alinhado com o Presidente Marcelo, entendeu que, face aos resultados das eleições de domingo e ouvidos os partidos que conquistaram assento na Assembleia Regional, o líder do partido mais votado é o único com capacidade para apresentar uma solução de estabilidade governativa, tendo em conta o acordo feito com o CDS e a «não hostilização do Chega, do PAN e da Iniciativa Liberal».

Era óbvio. Embora não para todos. Paulo Cafôfo e Élvio Pereira ainda acharam que podiam tomar de assalto o poder no arquipélago.

Se Élvio Pereira se terá deixado inebriar pela subida meteórica do partido em (e de) Santa Cruz, Paulo Cafôfo já tem experiência política suficiente para perceber que tamanho desaire não tinha remissão.

A derrota do PS foi ainda mais expressiva considerando a situação crítica em que Miguel Albuquerque e o PSD se apresentaram às eleições depois da Operação Zarco e da ação do MP e da PJ que deixou os principais dirigentes sociais-democratas e seu presidente sob suspeitas de corrupção.

Se nas últimas eleições, há meses, os socialistas justificaram o insucesso nas urnas com o facto de o seu líder, Sérgio Gonçalves, ser um ilustre desconhecido, desta vez torna-se forçosa a conclusão de que o PS foi mesmo penalizado pelo facto de os madeirenses já conhecerem Paulo Cafôfo muitíssimo bem.

Por isso, foi ainda mais risível, hilariante mesmo, a reação do antigo presidente da Câmara do Funchal na noite eleitoral. E no dia seguinte, porque, ao contrário do que Élvio Pereira fez questão de dizer, a noite não foi mesmo boa conselheira para nenhum dos dois – ninguém bem aconselhado e depois de uma boa dormida se lembraria de semelhante disparate.

Na noite eleitoral em que perdeu as eleições para Pedro Passos Coelho em 2015, António Costa deu os parabéns ao vencedor e fez-se à vida – que é como quem diz, foi falar com Jerónimo de Sousa (com quem já sabia poder contar) e com Catarina Martins (que também se mostrara disponível para a construção de uma alternativa à continuidade da direita no poder).

Passos Coelho, líder da força política mais votada (PSD+CDS de Paulo Portas), foi indigitado primeiro-ministro e formou Governo, que durou apenas 28 dias, derrubado na Assembleia da República, quando apresentou o seu programa, por uma maioria de esquerda já concertada para o assalto ao poder.

Apesar de derrotado nas urnas, António Costa levou avante a ‘geringonça’, consumando um verdadeiro golpe palaciano com cobertura constitucional. Afinal de contas, o escrutínio eleitoral tinha dado à esquerda uma maioria no Parlamento.

Nesse momento, consumou-se também uma mudança no nosso sistema político, já que até aí sempre o Governo fora formado por um primeiro-ministro indicado pelo partido mais votado (mesmo minoritário) e sendo este, também sempre, o respetivo líder e não outrem por ele proposto.

Reforçou-se assim a natureza parlamentar do sistema político, ou seja, o semipresidencialismo cedeu perante o semiparlamentarismo – com enfraquecimento dos poderes do PR face à AR.

O que diz a Constituição é que, apurados os resultados, o PR deve nomear o primeiro-ministro «ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais».

Isto é, na interpretação agora vigente, deve o PR nomear quem der mais garantias de poder assegurar estabilidade governativa face à composição da AR.

Sendo que, no caso das Regiões Autónomas, o representante da República sabe que quem indigitar presidente do executivo tem obrigatoriamente de sujeitar o seu programa de governo a votação no parlamento.

Foi também assim que José Manuel Bolieiro reconquistou o poder para o PSD nos Açores em 2020 – nas eleições de novembro desse ano, o PS de Vasco Cordeiro foi o partido mais votado, mas o PSD fez uma coligação pós-eleitoral com o CDS e o PPM e acordos de incidência parlamentar com o Chega e a IL, garantindo a maioria parlamentar.

Por isso, na noite deste domingo, mal viu que o PSD ficou muito aquém da maioria absoluta – mesmo com o CDS – e que o Chega rejeitava qualquer acordo de Governo ou de incidência parlamentar que permitisse a Miguel Albuquerque contar com maioria na Assembleia Regional, Paulo Cafôfo achou que tinha ali a sua oportunidade, apesar de ter tido um resultado tão mau como o do seu antecessor que ninguém conhecia (ou pior, atentas as circunstâncias).

Feito chico-esperto, enrolou Élvio Pereira – a quem a sede de chegar ao pote pode ter tirado a oportunidade de continuar a fazer crescer o JPP e de ultrapassar o PS já em próximo ato eleitoral – e julgou que conseguia o jackpot, juntando a fome à vontade de comer à esquerda e à direita.

Enganou-se. Porque não conseguiu o seu potpourri. E porque não, não vale tudo.

Embora haja bastantes, a verdade é que nem todos são Élvios na Madeira.

E a democracia não passa por adulterar a vontade expressa pelo povo nas urnas, sendo que os eleitores votam também – e muitas vezes sobretudo – nas pessoas.

É assim no continente, nos Açores e na Madeira. Que continua a ser um jardim do PSD, por mais fragilizado que o seu líder esteja.

E se está…