O eurodeputado Carlos Coelho do PSD admite que há uma sensação “psicológica de distância”, o que leva as pessoas a considerem que Bruxelas e Estrasburgo “é lá no estrangeiro” quando, de acordo com o mesmo, cerca de 80% da legislação nacional tem origem no Parlamento Europeu. “É verdade que nem todas são por via direta, já que a lei europeia indica que pode ser por via de regulamento ou por via de diretiva. A diferença é que se for através de regulamento entra automaticamente em vigor e é igual para todos os países, já a diretiva obriga a um ato de transposição, ou seja, à adaptação à realidade nacional. Muitas pessoas conhecem a transposição da diretiva e não a diretiva inicial, mas a verdade é que aquele ato legislativo só existe porque houve uma diretiva. Isto dá uma ideia da importância do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu”, revela ao i, reconhecendo que essa é uma das experiências que retira dos anos que tem estado no cargo.
Já em relação ao peso dos políticos portugueses no Parlamento Europeu – 21 em 720 – afirma que “essa posição não é das mais confortáveis, mas também não é das piores”, lembrando que a Alemanha tem oito vezes mais habitantes do que Portugal, no entanto, não tem oito vez mais deputados. “Somos 21 e eles não chegam a cinco vezes mais deputados do que nós, têm 90 deputados em grosso modo, o que significa que Portugal com 21 tem proporcionalmente mais deputados do que os maiores países, mas tem menos do que os menores países. Por exemplo, Malta que é um país pequeno com cerca de um milhão de deputados tem seis deputados. Nenhum Estado membro pode ter menos do que esse número”, refere.
Carlos Coelho destaca ainda a importância das eleições para estes cargos. “O importante é que os 21 eurodeputados que são eleitos por Portugal sejam capazes de dar o seu melhor. Sempre defendi a tese que estamos a eleger 21 embaixadores do interesse nacional para Bruxelas e para Estrasburgo, em que serão de partidos diferentes, ainda assim, devem ter a capacidade de influenciar as suas famílias políticas, das maiores às mais pequenas para que haja uma forte componente portuguesa que seja capaz de associar o interesse nacional ao interesse europeu. Não basta irmos para lá com boas intenções e dizer: ‘Isto interessa a Portugal’ porque também tem de interessar aos outros”.
Daí o eurodeputado afirmar que o jogo parlamentar na Europa é um jogo de famílias políticas, e recorda a sua experiência: “Neste momento não me sento ao lado dos portugueses, sento-me por ordem alfabética ao lado dos outros deputados da minha família política. Num lado tenho uma francesa, no outro uma irlandesa. Qual é a nossa intenção? Tentar que o interesse da minha família política, ou pelo menos, grande parte das delegações nacionais da minha família política, concordem com uma matéria que seja importante para Portugal e em última instância tenho de negociar. Isto é, se houver uma coisa que só interesse para Portugal e não tem interesse para os outros tenho de negociar e dizer que vou votar a favor de uma coisa que lhes interessa em troca do apoio deles a uma matéria que para mim é relevante”.
Ainda assim, reconhece que essas negociações nem sempre são fáceis e tudo depende da complexidade do tema e da capacidade de manobra. “Pessoas que ganharam mais respeito e têm maior influencia têm mais facilidade em fazer essa negociação. Pessoas que têm menos autoridade têm mais dificuldade. Há muitos deputados de forças mais extremas, nomeadamente da direita, que praticamente não aparecem nas reuniões das comissões, só aparecem para fazer intervenções no plenário então esses deputados têm menos capacidade de influenciar porque não são respeitados no trabalho do dia-a-dia”, acrescenta.
O que esperar?
De acordo com o eurodeputado, a história da Europa sobretudo nas últimas décadas hesitou entre o alargamento e o aprofundamento porque “ao optar por um em detrimento do outro iria criar frustrações”. E dá exemplos: “Se optasse pelo alargamento em detrimento do aprofundamento iria trair todos aqueles que queriam a Europa mais eficaz e mais integrada, se optasse pelo aprofundamento em detrimento do alargamento iria trair todos aqueles que estavam a bater à porta e não conseguirem. O que é que a Europa fez? Melhor ou pior foi acompanhando os movimentos, foi aprofundado a sua integração”, recordando que o Tratado de Lisboa é exemplo disso.
“Quando entrámos éramos 12 hoje somos 27 países. Se me pergunta o que vai acontecer nos próximos cinco anos digo que é isso que vamos ter: aprofundamento e alargamento” e lembra que no que diz respeito ao aprofundamento há áreas que agora se destacam como a segurança e defesa e a saúde. “O que aconteceu com a invasão da Ucrânia pela Rússia, com as ameaças à Finlândia e a outros países da Nato e da UE e o receio de que Trump possa ganhar as eleições obriga a Europa a defender-se. E em matéria de saúde, a experiência que a covid nos deu é que se a Comissão Europeia não tivesse aprofundado os seus poderes ao limite, e se calhar até ultrapassado alguns desses limites para fazer os acordos com os laboratórios, comprar as vacinas e redistribuir, Portugal tinha ficado na fila de trás na vacinação porque os países mais poderosos e maiores tinham conseguido capital negocial com os laboratórios”.
Quanto ao alargamento, Carlos Coelho acena com o facto de haver 10 países a baterem à porta da Europa, defendendo que a lógica é que entrem com base nos seus méritos e à medida que tenham condições para entrar, no entanto, reconhece que há aqui um problema de calendário e é totalmente diferente termos uma Europa a 27 ou 35. “A Europa tem arrumar a casa e isto obriga-a a rever os tratados antes do alargamento e o Tratado de Lisboa demorou mais de sete anos a negociar. Temos a pressão da Ucrânia, mas se formos alterar os tratados antes de entrarem – que é o que parece ser razoável – podemos estar a adiar o alargamento durante 10 anos. Todos pedem um alargamento mais rápido e há uma pressão que parece contraditória: ou arrumamos a casa e fazemos a alteração dos tratados antes do alargamento ou vamos deixá-los entrar primeiro e só depois é que vamos fazer isso”, salienta.
Experiência enriquecedora
João Soares foi eurodeputado socialista na década de 90, aceitando entrar numa lista, a convite de António Guterres. Na altura, assumiu funções no Parlamento Europeu com António Vitorino, mantendo, ao mesmo tempo, o cargo de vereador na Câmara de Lisboa. O político reconhece que essa experiência foi uma mais-valia para depois desempenhar as suas funções de autarca e deu, como, exemplo o que aprendeu com os táxis em Estrasburgo e que depois aplicou durante a Expo 98. “Estrasburgo tem uma bela rede de transportes públicos com elétricos rápidos e fiz muita pressão na altura na Carris para que se adotasse aqueles modelos elétricos, etc. E uma coisa muito importante, Estrasburgo tinha táxis a mais – tínhamos o direito a andar de táxi o que quiséssemos e apresentávamos a fatura, desde que circulássemos dentro das cidade na semana em que lá estávamos – porque tinha a população normal, mais os turistas que a visitam e mais a semana no Parlamento. Comecei a andar de táxi, falava com os taxistas e diziam-me que durante três semanas não tinham trabalho nenhum, Quando foi a Expo diziam-me que queriam autorizar mais táxis, aí disse que autorizava os taxistas dos arredores a virem para cá trabalhar durante este período, porque iria haver mais gente por causa da Expo, mas ficar com mil táxis a mais em Lisboa seria uma coisa louca. Também vi muitas coisas ligadas ao tratamento de resíduos sólidos, quer em Bruxelas, quer em Estrasburgo”, chegou a dizer ao i
Para o antigo governante tratou-se de uma “experiência bastante rica”, porque a negociação era sempre uma negociação plural. “Não há aquelas coisas que são muito nossas que é branco e preto. Sou de esquerda, sou de direita, gosta ou não gosta. Ali tem de negociar com os do Norte e os do Sul, com os socialistas, com os de direita, com os que falam francês ou falam inglês. Nós como povo somos muito desenrascados e acho que sempre tirámos vantagem disso, porque falávamos com toda a gente e dávamo-nos bem com toda a gente. Isso é uma mais-valia que temos. Procuramos ser sempre parte da solução e não parte do problema. Isso é uma característica muito portuguesa. Às vezes pomos os afetos e desafetos pelo meio, mas estamos sempre do lado da solução e somos pacíficos”, referiu ao nosso jornal.
João Soares recordou ainda que, na sua altura, havia uma grande diferença entre os países do sul e os outros, porque o ordenado base era o ordenado do Parlamento nacional. “Na altura, verificámos que o Parlamento português, e penso que continua a ser, era dos mais mal pagos da União Europeia. Penso que era mesmo o mais mal pago dos 15. E depois o que compensava os eurodeputados do Sul, que estavam mais distantes de Bruxelas e de Estrasburgo, era que o Parlamento pagava todas as semanas, fizesse ou não fizesse viagens, uma tarifa ao quilómetro. Ou seja, representava uma tarifa elevada, porque a viagem de ida e volta partia do ponto de Estrasburgo ou de Bruxelas e isso dava uma batelada de dinheiro”.