Finanças. Despesas acrescidas aumentam receios de contas incertas

Défice voltou a agravar-se em abril, mas medidas anunciadas pelo Governo representam despesas extra. César das Neves diz que não há dinheiro para tudo e aponta para agravamento das contas públicas.

Os números não são animadores, mas o Governo não pára de anunciar medidas que representam custos adicionais. O défice voltou a agravar-se e no final de abril atingiu os 1.651 milhões de euros, quando um ano antes o saldo era excedentário em quatro mil milhões de euros, apesar de ter sido influenciado pela transferência das responsabilidades do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos (3.018,3 milhões de euros), que impactou na contabilidade pública.

Mas vamos a medidas. Só a descida do IRS irá custar este ano quase 350 milhões de euros, enquanto a isenção de IMT para jovens que adquiram a primeira casa custará mais 100 milhões de euros. Por seu lado, a recuperação do tempo de carreira dos professores custará mais 40 milhões. A este montante há que somar a despesa acrescida resultado das negociações com médicos, enfermeiros, forças de segurança, entre outros.

Ao Nascer do SOL, João César das Neves admite que o dinheiro não chega para tudo e que é preciso «esperar pelo próximo Orçamento – e eventualmente um retificativo deste ano – mas tudo indica que o défice vai subir bastante».

Uma situação que já levou o Fórum para a Competitividade a alertar para os riscos para as finanças públicas da atual «explosão de reivindicações de aumento da despesa, algumas das quais aprovadas por coligações de partidos que se declaram incompatíveis em geral», referindo que «não se pode desvalorizar os riscos que isto representa para as finanças públicas, em especial pela aprovação de normas contra a vontade do Executivo». Erecorda ainda que, no primeiro trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) desacelerou em termos homólogos, de 2,1% para 1,5%, já que o consumo acelerou, mas o investimento desacelerou, destacando como «aspeto especialmente negativo» a evolução da produtividade, que caiu 0,3% em termos homólogos, após ter crescido 0,9% nos dois trimestres precedentes.

A somar a estas despesas extra há que contar ainda com os novos investimentos previstos pelo Governo, nomeadamente o novo aeroporto, o TGV e a terceira travessia sobre o Tejo – só a infraestrutura aeroportuária deverá custar mais de oito mil milhões de euros –, despesas que levam César das Neves a referir que se tratam «de obras de longo prazo, que serão pagas durante muitos anos, mas evidentemente vão pesar fortemente nas contas do Estado durante muito tempo».

Raio-x

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério das Finanças de Joaquim Miranda Sarmento, este agravamento deve-se ao efeito conjugado da receita, que cresceu 4,5% em termos homólogos, e o da despesa, que avançou 14,7%.

Este é o segundo défice consecutivo do ano, depois de, em março, as contas públicas terem ficado no vermelho, com um saldo negativo de 259 milhões de euros. Nessa altura, o gabinete de Miranda Sarmento justificou «esta forte degradação do saldo orçamental, entre janeiro e março de 2024», com «decisões e compromissos assumidos já este ano pelo anterior Governo e, em muitos casos, após as eleições de 10 de março».

Acusações que, de acordo com o economista, «têm razão de ser, em vista do que se passou depois da queda do anterior Governo», apesar de admitir que haja «também obviamente um aproveitamento político do novo Governo». Mas lembra que, «sendo verificado no primeiro trimestre do ano, não pode ser por decisões deste Governo. Só se pode dever às medidas extraordinárias e eleitoralistas que o Governo anterior tomou depois de saber que caíra e ia para eleições, chegando até ao desplante de apresentar mais de cem alterações ao Orçamento que acabara de apresenta».

Nos primeiros quatro meses deste ano, em termos comparáveis, as despesas com pessoal aumentaram 8,4% – «que se justifica, em grande medida, com os encargos associados à atualização remuneratória dos trabalhadores em funções públicas para 20244, às atualizações intercalares ocorridas a partir de maio de 20235 e, em menor grau, aos acréscimos resultantes da medida especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras».

Já em termos de receita, registou-se uma queda de 4,5%, no entanto, excluído o efeito da transferência do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos, ter-se-ia registado um aumento de 4,7% em termos homólogos, com a receita contributiva a subir 9,9%.

A receita dos impostos registou uma queda, com destaque para a diminuição da receita do IVA, sendo que o IRS continua a subir, mas a um ritmo mais modesto. «Na ligeira variação da receita fiscal das Administrações Públicas, destaca-se a redução do IVA (-3,8%), atenuada pelo incremento da receita do ISP (12,6%) e do IRS (1,7%)», referem os mesmos dados.