Uma noite sem grandes surpresas. O PS venceu as eleições europeias, mas com uma diferença reduzida em relação à AD: quase 1,3 milhões de votos, conseguindo eleger oito deputados e superando os números de 2019, enquanto a coligação superou 1,2 milhões de votos, conseguindo eleger sete deputados, o que levou Luís Montenegro a reconhecer a derrota, mas acima de tudo, a anunciar o apoio a António Costa numa eventual candidatura ao Conselho Europeu. O Chega saiu derrotado e a Iniciativa Liberal é apontada como a grande vencedora deste ato eleitoral que contou com uma redução da taxa de abstenção para 62,48%.
Ao i, o politólogo José Filipe Pinto destaca dois vencedores: a Iniciativa Liberal e António Costa. “Nas eleições europeias, de vez em quando acontecem situações inusitadas. António Costa que não é candidato acabou por sair como grande vencedor quando viu Luís Montenegro dizer que iria apoiar a sua candidatura para presidente do Conselho Europeu”.
No entender de José Filipe Pinto, o PS ganhou, mas cumpriu os mínimos olímpicos. Mas recorda que “conseguiu suster aquilo que era o plano inclinado descendente em que se encontrava a liderança de Pedro Nuno Santos, já que em quatro eleições contava com três derrotas”. Quanto ao PSD, admite que Luís Montenegro “tem vindo a tentar rentabilizar a sua prática governativa, tem tentado cumprir as promessas e tem mostrado que está apostado na resolução dos problemas das pessoas”, mas refere que “não foi muito feliz na escolha do candidato e sabia que ao escolher Sebastião Bugalho estava a inviabilizar aquele que durante muito tempo foi apresentado como o rosto mais credível dentro da Aliança Democrática, que era Rui Moreira”. Soma-se, continua o politólogo, uma “dificuldade à posteriori, uma vez que os candidatos eleitos dificilmente poderão estar ao nível daquele que foi o desempenho altamente meritório dos eurodeputados anteriores”.
José Filipe Pinto vê como jogada de mestre o facto de Montenegro ter indicado que iria apoiar António Costa: “Foi um recado para a política interna e para o PS, revelando que era tempo de não querer que o PSD governasse com o programa do PS. Mas penso que este recado também seria dado mesmo num cenário de vitória”.
Também ao nosso jornal, a politóloga Paula Espírito Santo chama a atenção para o facto de a diferença entre o PS e a AD ser “pequena”, não vendo com surpresa o anúncio de apoio a Costa, referindo que se não houvesse esse apoio “teria justificar muito melhor porque é que Portugal não apoiava António Costa. E acrescenta: “Creio que houve uma opção política de Estado e não propriamente uma opção partidária em relação à figura de António Costa, que continua a ser uma figura relevante no plano político nacional e também internacional. Aliás, o próprio António Costa até disse que não avançaria se não tivesse o apoio do primeiro-ministro”.
Por outro lado, José Filipe Pinto ao nível partidário aponta como vendedor a Iniciativa Liberal – que acabou por ficar em quarto lugar, elegendo dois deputados e com 9,1% dos votos – na figura de João Cotrim de Figueiredo que, no seu entender, “mostrou ser o candidato mais bem preparado ao longo de todos os debates, dando a ideia de que era o único candidato sénior”.
Também Paula Espírito Santo admite que o voto tenha sido “muito mais mobilizado pelo cabeça de lista, que tem criado um valor político superior ao do partido”.
Chega perde gás
Apesar das dúvidas que surgiram no final da noite de ontem, o Chega manteve-se como terceira força política, conquistando mais de 386 mil votos e elegendo dois deputados, entrando assim pela primeira vez no Parlamento Europeu. Ainda assim, ficou aquém dos objetivos definidos por André Ventura. Ao i, José Filipe Pinto recorda que o Chega “teve um enorme resultado” nas legislativas, mas é um partido unipessoal, com a figura do líder omnipresente e omnipotente. Um resultado que não foi possível copiar neste ato eleitoral, até porque, de acordo com o especialista em política, Tânger Correia veio a revelar-se como “o candidato mais mal preparado que não dominava vários dossiês e não conseguia falar para o seu público alvo”. E garante que os resultados não foram piores porque André Ventura entrou nos últimos na campanha. “O resultado ameaçava ser catastrófico e foi preciso André Ventura, depois de uma fase em que esteve muito mais preocupado com a questão da Madeira e com a questão de como controlar um grupo parlamentar de 50 deputados, assumir o papel de um não apoiante do candidato, mas praticamente do candidato. Nas arruadas, quem vinha à frente era André Ventura para minimizar as perda e isso prova que o Chega, ao contrário do que André Ventura diz, é um partido ainda muito unipessoal, um partido ainda sem história, ainda sem quadros e centrado na figura do líder”.
O responsável não hesita: “Se André Ventura não tivesse participado na parte final da campanha eleitoral, o Chega teria tido um resultado eleitoral muito próximo de desastroso e, em vez de dois eurodeputados provavelmente teria um, aproximando-se da CDU e do Bloco de Esquerda e teria sido ultrapassado pela Iniciativa Liberal”.
Uma opinião partilhada por Paula Espírito Santo, para quem o Chega “é um partido de um homem só”. Por isso, vê com naturalidade que o cabeça de lista não tenha sido capaz de repetir o “sucesso” das legislativas.
Esquerda comemora derrota
Os partidos de esquerda que conseguiram à tangente eleger um eurodeputado ”celebraram como uma grande vitória aquela que efetivamente foi uma derrota”, diz José Filipe Pinto, notando que, apesar de terem perdido representação parlamentar sabiam que corriam graves riscos de nem sequer terem representação no Parlamento Europeu.
Com mais de 167 mil votos, bem longe dos resultados alcançados nas últimas eleições europeias, Catarina Martins conseguiu manter a representatividade do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu. Também a CDU perdeu um dos dois eurodeputados, só João Oliveira conseguiu ser eleito, ao conquistar mais de 162 mil votos. Já o Livre foi um dos derrotados da noite: com mais de 148 mil votos, não conseguiu eleger nenhum candidato, apesar das previsões iniciais terem apontado para a possibilidade de poder vir a ter um. Um resultado que leva o politólogo a afirmar que a mensagem está a chegar cada vez menos junto de menos eleitorado e, por isso, já estão a lutar para a sobrevivência política. “Agora juntando a esquerda democrática, a esquerda radical e a extrema esquerda que tinham a maioria dos eurodeputados na legislatura anterior neste momento deixaram de o ter e deram lugar à direita que passou a ter a maioria. Isso é um sinal do eleitorado para o tipo de sociedade que pretende”, refere ao nosso jornal.
Também Paula Espírito Santo lembra que esta queda reflete uma tendência internacional. “Os partidos de esquerda, particularmente no caso dos comunistas, têm vindo a perder terreno internacionalmente. Portugal era um dos últimos países onde a força comparativa do Partido Comunista ainda tinha algum significado e expressão política. Eleições menos mobilizadoras, como é o caso das Europeias, afetam sobretudo os partidos mais pequenos, que dependem muito de uma mobilização eleitoral que, se for exígua ou muito pequena, acabam por ter menor expressão política”.
José Filipe Pinto dá ainda cartão vermelho ao Livre e ao PAN. “O Livre, apesar de parecer que teria condições para eleger um deputado, não conseguiu e desapossou o PAN de muitas das suas bandeiras”, afirma.
Direita em ascensão
Os resultados por toda a Europa foram marcadas por uma ascensão dos partidos de extrema-direita e da direita populista e conseguiram provocar um terramoto político em alguns países – em França, Macron marcou eleições legislativas para dia 30 de junho e na Bélgica, o primeiro-ministro demitiu-se – mas José Filipe Pinto explica que este crescimento se deve a dois motivos: “Primeiro, vários desses partidos populistas, culturais ou identitários precisam de uma história e essa história é conseguir ir sobrevivendo nos primeiros atos eleitorais, captando um eleitorado crescente e para que isso aconteça vem a segunda condição é que é preciso haver condições objetivas que possibilitem o erguer de bandeiras, como problemas com a imigração, com a criminalidade, com a ordem, problemas”, acrescentando que esses partidos “sabem cavalgar como ninguém a onda do descontentamento social”.
E dá vários exemplos. Um deles é Espanha, onde apesar de ter sido o Partido Popular (PP) a vencer com 34,2% dos votos, o Vox ascendeu a terceira força política com 9,6%. “O Vox tem condições objetivas para crescer por causa do conflito de separatismo basco e catalão. Então em nome da unidade de Espanha, o partido fez daí uma bandeira e tem condições sempre para seduzir o eleitorado”, refere o especialista em política.
O mesmo cenário repete-se em França depois de uma vitória esmagadora do partido de extrema-direita Rassemblement National (RN), liderado por Jordan Bardella e Marine Le Pen, que “tem condições para crescer porque a sociedade francesa é multicultural e com uma grande presença islâmica. E depois com vários atentados que houve tudo aponta para que possa cavalgar a onda do descontentamento face à imigração e aos problemas de segurança”.
José Filipe Pinto aponta ainda os Países Baixos, a Bélgica e a Holanda a enfrentarem os mesmos problemas, nomeadamente com os imigrantes oriundos do Magrebe, com os partidos de extrema-direita a estarem “numa posição de poderem cavalgar essa onda, no sentido de se apresentarem como defensores de uma cultura ameaçada”, contrariando, acredita, o que se verifica em Portugal. “Apesar de ainda haver portugueses com a memória do Império, o que aponta para uma situação de superioridade com consequente marcas de racismo e xenofobia, o povo português é miscigenado e está habituado a ter emigrantes e, por isso mesmo, não não considera correto ter para com os imigrantes um comportamento diferente daquele que deseja que os países que recebem os emigrantes tenham”, conclui ao i.