A polémica em torno da portaria com os valores dos coeficientes para a atualização das remunerações usadas no cálculo das pensões iniciadas em 2024 chegou ao fim. O alerta para o atraso tinha sido dado pelo economista Eugénio Rosa, mas, entretanto, foi publicado em Diário da República e já entrou em vigor, sendo essas pensões recalculadas com efeitos retroativos. Uma situação que já tinha ocorrido em 2022 e em 2023. «Os trabalhadores que se reformaram desde o início do ano receberam durante metade do ano pensões inferiores às que teriam direito por lei», alerta a Deco Proteste.
A portaria determina que esta atualização anual é obtida pela aplicação da inflação e, tendo em conta que a taxa de variação média dos últimos 12 meses foi de 4,3% e a taxa de evolução média dos ganhos subjacentes às contribuições declaradas à Segurança Social em 2021 foi de 7,4%, os coeficientes de revalorização das remunerações são atualizados em 4,3% e 4,8%.
Ao Nascer do SOL, Eugénio Rosa lembra que o número médio de trabalhadores que todos os anos se reformam pela Segurança Social e se aposentam pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) tem rondado os 150 mil – apenas cerca de 20 mil são da CGA – o que revela que «todos estes novos pensionistas de 2024 irão ser beneficiados com a atualização dos coeficientes de revalorização das remunerações», mas admite que o aumento do valor da pensão que está assente neste cálculo «está muito abaixo» da inflação anual prevista para este ano, uma vez que, até maio, segundo o INE, já era de 2,6% e terá tendência para subir.
nas contas do economista, esta atualização «dará pouco mais euros nas pensões de cada reformado e de cada aposentado», estimando que o aumento de despesa para a Segurança Social e para CGA ronde os cinco milhões de euros por ano. Trata-se, de acordo com Eugénio Rosa, de um valor «com impacto reduzido, quer na despesa total destas duas entidades, quer na melhoria da situação dos pensionistas». O economista alerta que «isto acontece porque a fórmula de cálculo dos coeficientes aprovada pelo Governo foi feita sem atender aos interesses e direitos dos pensionistas, prejudicando-os».
Já João César das Neves lembra ao nosso jornal que «os pensionistas, devido à sua dimensão, têm um enorme peso social que nenhum político se atreve a desafiar». E, face a esse cenário, admite que «por isso estão bem protegidos da inflação».
Pensões explicam défice?
Ainda esta semana, o Ministério das Finanças referiu que a subida das pensões explica a maior parte do défice que se fixou na casa dos 0,2% do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano face ao mesmo período do ano anterior. Em causa está um aumento de 7,3% da receita e de 11% da despesa, em que este último foi agravado pelo aumento dos encargos com prestações sociais – aumentaram 11,6%, segundo os dados divulgados pelo INE.
Um argumento considerado «válido» por César das Neves, que diz ainda que o processo vai continuar. «Os pensionistas têm um peso crescente das contas públicas, o pode mesmo vir a criar problemas à sua própria sustentabilidade», salienta.
Opinião contrária tem Eugénio Rosa, que considera que se trata de «uma mentira», que, no seu entender, poderá ter como objetivo «preparar a opinião pública para reduzir mais as pensões». E dá exemplos. «Para concluir que tal afirmação não tem qualquer aderência à verdade basta ter presente que todos os anos a Segurança Social tem apresentado elevados excedentes que tem sido utilizado pelos sucessivos Governos para reduzir o défice global das administrações públicas comunicados todos os anos à Comissão Europeia e, segundo o INE, os excedentes da Segurança Social foram os seguintes: 2020, mais 2.197,9 milhões de euros; 2021, mais 2.449,3 milhões; 2022, mais 4.258,2 milhões; e 2023, mais 5.669,9 milhões». O economista lembra que a previsão do organismo público para este ano é que o excedente seja de mais 5.171 milhões. «Isto mostra que, de 2020 a 2024, a Segurança Social acumulará excedentes num total de 19.746,3 milhões de euros», salienta.
Recorde-se que a Síntese de Execução Orçamental, da Direção-Geral do Orçamento (DGO), revela que as Administrações Públicas (AP) registaram, até abril de 2024, um défice de 1.939,2 milhões de euros, o que representa uma diminuição de 6.027,3 milhões de euros face ao período homólogo. «A variação do saldo encontra-se influenciada pela transferência, em 2023, da totalidade das responsabilidades asseguradas através do Fundo de Pensões do Pessoal da Caixa Geral de Depósitos (FPCGD) para a CGA , no valor de 3.018,3 milhões de euros», lê-se no documento, que acrescenta que «esta operação não teve impacto no saldo em contas nacionais, assumindo uma natureza financeira».
Também o Conselho de Finanças Públicas (CFP) já tinha criticado o anterior Governo pelas diferenças na receita e na despesa da Segurança Social face ao que estava orçamentado no início do ano. «Os desvios face ao Orçamento da Segurança Social inicial para 2023, tanto no lado da receita, como no lado da despesa, não evidenciam um processo de orçamentação em linha com as melhoras práticas de gestão financeira pública, com aumentos intercalares de despesa decididos após a aprovação do orçamento», lê-se no relatório.