André Ventura, líder do Chega, decidiu ser o porta-voz da PSP e da GNR, mas falhou um pouco no alvo a atingir, segundo diversas fontes policiais contactadas pelo i. A razão é simples: existe uma Plataforma que engloba os sindicatos da PSP e as associações da GNR, mas onde não existe unanimidade quanto às exigências ao Governo sobre o subsídio de missão ou de risco.
Enquanto a ASPP, o maior sindicato da Polícia, o SNOP, o dos oficiais, o SIAP e o SNCC, bem como as associações socioprofissionais da GNR aceitam um aumento de 400 euros de aumento, até 2026, já o SPP, SINAPOL e ASAPOL, bem como os movimentos inorgânicos, não querem parar a luta se não conseguirem ver mais 1026 euros no recibo de ordenado. O Chega ao apelar a uma grande concentração de polícias, para a próxima quinta-feira, junto e no interior da Assembleia da República, esqueceu-se que os 400 euros do projeto-lei que irá apresentar não satisfaz nem os três referidos sindicatos, nem os polícias que agem, supostamente, por conta própria.
Mas enquanto o partido de André Ventura tenta fazer folclore, nas palavras de um oficial, o Governo já convocou a Plataforma para uma derradeira reunião, onde irá apresentar os 300 euros de aumento até 2026, bem como uma série de regalias, que vão desde isenções fiscais, ajudas na habitação, até à transferência de um número considerável de agentes para as polícias municipais de Lisboa e Porto, onde ganham mais e terão possibilidades de conseguirem casa a preços económicos. Ao Nascer do SOL, Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, afirmou que tem tudo preparado para conseguir habitações condignas para os agentes da autarquia. Para já, existe um pacote de 40 habitações, mas o autarca promete empenhar-se em encontrar outras soluções para os ‘seus’ polícias.
SIAP antecipou-se a Ventura
Quando se soube da marcação do projeto-lei do Chega, o SIAP, um dos sindicatos da PSP, começou a convocar os seus associados para uma manifestação à porta do Parlamento, bem como para as galerias, “isto bem antes do apelo de André Ventura. Inclusivamente, através das redes sociais, o sindicato disse que ia disponibilizar autocarros que partirão do Porto com destino a Assembleia da República”, segundo fonte policial. “Depois do anúncio do SIAP, “o Ventura e o Movimento Zero também começaram a fazer mobilização… Não acredito que será tanto como noutras alturas, mas acredito que vá ter uma boa adesão”, acrescenta a mesma fonte. Dois ou três dias depois do anúncio do SIAP – que continua a defender na Plataforma os 400 euros de aumento – também o SINAPOL, SPP e ASAPOL disseram presente à manifestação.
Já a ASPP tem outro entendimento da manifestação convocada por André Ventura: “Relativamente ao projeto-lei, nós não temos muito a dizer, aliás, nós salientamos a importância dos partidos políticos, no caso dos grupos parlamentares, fazerem projetos-lei, até enaltecemos esse facto, desde que eles sejam para contribuir para a melhoria das condições de trabalho dos polícias e das próprias instituições. Contra isso, nada temos contra, e achamos muito bem. Aliás, este não é o primeiro projeto-lei que é apresentado nos últimos meses sobre o suplemento de condição policial, já o fez o Chega mais do que uma vez, já o fez o PCP, o BE e o PAN”, diz Paulo Santos, líder da ASPP, ao i. O sindicalista vai mais longe: “Neste momento, estamos num processo negocial com o Governo para tratar dessa matéria e deveríamos centrar todas as atenções no processo negocial que esta em curso, que ainda não acabou. Há aqui uma ligação entre os sindicatos e o Governo para tratar desta matéria. Por isso, levar esta questão para o Parlamento, quando está em curso o processo negocial, em que falta ainda uma reunião, que será marcada em breve com a senhora ministra para tratar desta matéria, lança-nos aqui algumas questões, no entanto, nada a opor”. Relativamente ao apelo de André Ventura “aí é que achamos que há alguma confusão. Ou seja: dos partidos políticos espera-se que façam ação política, aos sindicatos espera-se que façam sindicalismo e que mobilizem os seus filiados, os polícias no geral, para protestarem. Quando há um líder político que confunde esses dois panoramas – não há nada contra – mas começa aqui a complicar as situações. Aquilo que esperamos de um líder político é não se substitua àquilo que é o papel dos sindicatos, esses sim, que liberam e acordam fazer protestos e mobilizações. É só isto que dizemos. Nada contra quem quiser lá ir, pode e deve ir, porque faz parte do espaço de intervenção individual de cada um, que tem o direito de estar onde quer estar, não podemos é, em termos institucionais, reagir e mobilizar polícias para algo que não foi deliberado nos órgãos desse mesmo sindicato. É a nós que nos compete fazer esse trabalho”, finaliza Paulo Santos.
Mais críticas a André Ventura
Para um conhecido sindicalista, que prefere o anonimato, a posição do líder do Chega é incompreensível: “Não faz muito sentido a proposta do Chega dos 400 euros. Quanto muito, ele teria que fazer uma proposta próxima do subsídio de missão da PJ, aliás, como prometeu antes das eleições. E nem se percebe como o Movimento Zero se associa a uma manifestação que exige um subsídio que está tão longe do da PJ”.
Os problemas para André Ventura e para aqueles se colocam ao seu lado, é que, além de muitos não concordarem com os 400 euros, “também se está em tempo de férias e, por isso, será muito mais difícil mobilizar as ‘tropas’. E os comandantes não vão facilitar tanto como no passado, também por causa das férias. Sempre foi assim no passado, quando se organizavam manifestações em junho, julho e agosto era muito difícil ter pessoal nas manifestações. Enquanto que no inverno há sempre a possibilidade de dispensar dois ou três elementos, ou um ou dois, neste momento já não dá para dispensar ninguém. A malta está no mínimo. Os que estão de folga também são poucos, a malta está de férias, não vai ser fácil. E acho que aquela adrenalina que havia há uns tempos, esvaneceu-se um pouco. Havia aquela ideia de união, coesão, e que levou às maiores manifestações, neste momento há muita gente que concorda com esta proposta, mas também há muita gente que não concorda, há muita gente para quem as negociações deviam parar e voltar-se aos protestos de boicote sistemático às ocorrências, defendendo que as negociações não avançam com manifestações, mas sim com ações de protesto concretas. Existem muitas divisões em muita coisa. Não só nos valores monetários, da forma como se está a negociar, outros são contra os sindicatos porque acham que estão a fazer um mau trabalho em termos negociais. Começa a haver tanta divisão e tanta gente a dizer várias coisas diferentes, que isto acaba também por trazer um pouco este desvanecer da luta”. E ainda há outro problema: “Há muita malta que, há um mês, não concordava com os 400 euros, mas agora começa a dizer que mais vale este valor do que nada. Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. O pessoal começa a aceitar aquilo que são os 400 euros. Isso nota-se. Se esta proposta do Chega tivesse sido apresentada antes das negociações, o pessoal quase que mandava pedras ao André Ventura. Quase de certeza. Diriam que era inadmissível. Neste momento, já há malta que diz que é isto ou é nada e que o melhor é aceitar”, acrescenta a mesma fonte. Diga-se ainda que o Movimento Zero, como não dispõe de verbas, aconselhou os seus ‘seguidores’ a comprarem bilhete na FlixBus, dizendo que a viagem de ida e volta não deve ficar mais cara do que nove euros..