Tiago Mayan. ‘Há incoerência entre a ação e o discurso na IL’

Tiago Mayan apresentou agora a sua candidatura à liderança da IL. Diz que o partido está estagnado e sem capacidade para influenciar a governação: ‘Temos um problema de base: aritmeticamente, não contamos’.

Assumiu no sábado passado a candidatura à liderança da Iniciativa Liberal. O que o levou a avançar?

Está representado no próprio manifesto Unidos pelo Liberalismo que representa a visão de muitos membros. Neste momento, mais de 400 subscritores têm um pensamento e um diagnóstico sobre a situação atual do partido. São membros que estão preocupados, mas não desistem do partido, nem do país. Esta candidatura é também uma visão da governança do partido e da visão de como devemos comunicar e fazer propostas para o país. E concretiza-se em algo que está afirmado nesse manifesto que é de criar uma alternativa para disputar a liderança do partido.

Disse que este movimento alternativo é ‘positivo, competente e agregador’ e que ‘não pretende dividir’. Mas avançar com uma lista alternativa divide sempre o partido…

Um partido que se considere saudável deve ter pluralismo e liberdade de opinião e de expressão. Um partido unanimista claramente estará em crise ou algo estará mal nesse contexto. Além disso, e também é importante dizê-lo, a concretização de uma alternativa que tem uma visão claramente distinta da liderança atual é porque considera que o rumo atual não é o correto. Tem havido falhas até no cumprimento da própria estratégia que foi estabelecida por esta direção. É natural haver ideias diferentes, que irão estar em disputa, mas essa é a disputa democrática em qualquer contexto, em particular num partido liberal.

Como vê a saída de tantos membros, nomeadamente fundadores, em colisão com a atual Comissão Executiva?

Vejo que há muitos membros que estão no partido, que permanecem no partido e que continuam a acreditar, mas têm uma visão diferente. Eu estou a representar essa afirmação dos que cá estão. Naturalmente que a saída de alguns é um sintoma, não posso dizer que não, mas é resultado da liderança. Quando falamos que queremos ser mais agregadores e mais inclusivos é porque queremos fomentar a união do partido e isso tem a ver com abordagens de liderança, não tem a ver com o facto de estarmos a defender princípios ou tendências liberais umas contra as outras. Tem a ver com a abordagem, com as lideranças, se geram ou não mais processos participativos, se são mais transparentes, se estabelecem melhores relações entre todos os órgãos e os núcleos territoriais. E estas abordagens de liderança geram mais ou menos agregação dependendo de como são feitas e é nesse sentido que afirmamos que, enquanto alternativa, vamos ter uma abordagem muito mais participativa e geradora de união.

Essa união foi prometida quando Carla Castro saiu derrotada, mas acabou por se desfiliar do partido…

A primeira responsabilidade para garantir agregação e união no partido é da liderança. Isto tem que ser claro. A liderança e a direção do partido têm de fomentar essas bases. Nessa convenção, onde estavam em disputa visões diferentes, ganhou uma, resultado do jogo democrático, mas a afirmação depois desse período eleitoral com a vitória de Rui Rocha, da sua equipa e da sua moção de estratégia que iriam ter essa abordagem inclusiva e de união, na prática não o fizeram e resultou na saída de vários membros. Também o tratamento de alguns processos dentro do partido, como, por exemplo, a escolha de candidatos, a colaboração com os núcleos territoriais e o próprio trabalho dentro do Conselho Nacional, tem demonstrado que é uma direção que não tem sido capaz de gerar essa união que prometeu.

Diz que é necessário o partido ser mais transparente. As mensagens não têm estado a passar?

Há um aspeto interno e um externo. Ao dia de hoje, que eu saiba, ainda não apresentámos contas, por exemplo. Isto é algo que me preocupa. Não entendo como é que nós, enquanto partido, e aliás temos uma posição externamente para o país de grande responsabilidade, de exigência de transparência e de escrutínio de atuação das entidades públicas, como é que internamente falhámos tanto nestes processos básicos.

E não é um caso pontual. Há falhas todos os anos…

Certo e isto é preocupante. Demonstra uma incoerência entre a nossa ação e o nosso discurso. Isso tira força à nossa mensagem. Além disso, há a questão de clareza de comunicação. E agora estou a falar para a vertente externa, em que temos cada vez mais dificuldade em sermos mais claros e diferenciadores no que são as nossas mensagens liberais. É certo e podemos dizer que é uma vitória da Iniciativa Liberal que temas que fomos trazendo, e éramos os únicos a traze-los e que foram de algum modo incorporados por vários partidos, já não somos os únicos a falar de baixar a carga fiscal, mas a verdade é que não temos sabido transmitir mais mensagens liberais. Continuamos confinados na perceção geral do eleitorado ao tema da fiscalidade, sem prejuízo de termos outros temas.

A mensagem esgota-se na redução da carga fiscal?

Temos esse grave problema ainda por resolver, mas temos de conseguir demonstrar essa capacidade e essa transversalidade, porque as políticas liberais têm muita riqueza, não é só a questão fiscal. O liberalismo é absolutamente transversal e o que também falei no sábado é que temos perdido algum foco e a nossa comunicação tem-se diluído em outros temas, na espuma dos dias, em temas que não são a apresentação de propostas e depois isso também tem impacto.

Na convenção estatutária, Cotrim de Figueiredo admitiu que era preciso melhorar a comunicação…

Exato. Até o próprio João [Cotrim Figueiredo] aborda essa questão, aí estamos de acordo nesse diagnóstico. Há uma questão de comunicação que temos de enfrentar que depois um bocadinho a montante depende de estarmos a trabalhar as nossas propostas – e faço referência, desde logo, ao programa eleitoral das últimas legislativas. Mesmo nesse aspeto, ficámos aquém na fundamentação de algumas das nossas propostas. Éramos um partido que podia não ter um programa totalmente exaustivo a correr todas as áreas, mas do que falávamos estávamos muito bem suportados em termos de racional e fundamentação e é muito importante voltarmos a este registo para recuperarmos, porque estamos a perder um bocadinho a perceção por parte do eleitorado que somos bastante sérios e consistentes nas propostas que fazemos.

E aí foi falha de quem passou a mensagem?

Tem a ver com a mensagem, mas também tem tem a ver com o próprio modo como estamos a preparar as nossas propostas e os nossos programas. E acho que perdemos qualidade nos nossos processos. Já o fizemos melhor.

Apostar muito na zona litoral, especialmente nas grandes cidades, também não limita o crescimento do partido?

Aí é outra questão: a do alcance. Estamos ainda muito confinados às zonas urbanas de Lisboa e do Porto e mesmo dentro dessas zonas a determinados segmentos. Isso tem a ver com a mensagem e também com outros aspetos, nomeadamente da governança interna. Porquê? Sem capacitar e dar autonomia aos núcleos territoriais, a penetração no território é muito mais difícil. A nossa penetração no território depende muito de como estamos a trabalhar com os grupos territoriais e a nossa capacidade de penetrar em outros segmentos de população e noutros espaços depende muito de como estamos a preparar as nossas propostas, os nossos programas.

Os núcleos estão atualmente afastados da Comissão Executiva?

A nossa análise é que sim. Há uma abordagem muito centralizada na gestão dos processos, na gestão dos programas e das campanhas. É tudo muito centralizado, aliado também com muitas dificuldades na gestão dos núcleos territoriais, nomeadamente na sua capacitação, na sua autonomia financeira e na sua autonomia de decisão de política local. Isto é claramente um paradigma totalmente distinto do que queremos aplicar, porque acreditamos que só com este paradigma de mais poder, de dar mais capacidade aos grupos, nomeadamente financeira, é que vamos ter capacidade de penetração no território. Não nos podemos esquecer que o próximo grande desafio de todos os partidos e do nosso também são as autárquicas. Estamos a pouco mais de um ano, mas, na verdade, nós, enquanto partido Iniciativa Liberal, temos quase tudo por fazer e não temos a estrutura que os outros partidos já têm que nos permitiria ter outra capacidade de terreno. A liderança que vier do partido vai ter que ter uma preocupação e um trabalho muito intenso nesta questão.

Defende uma coligação com o PSD?

Sendo coerente com o que acabo de dizer, defendo que há um papel determinante dos núcleos territoriais para decidir isso. Não lhe vou estar a dizer que vai haver uma solução decidida fechada num gabinete e centralizada. Agora, estabelecer pontes de diálogo e estar aberto a todas as opções? Claro que sim! E uma liderança não pode estar a fechar essas portas à partida. Esses temas vão ter de ser trabalhados com os núcleos territoriais, pois são determinantes para tomar decisões nessa matéria.

Nas eleições legislativas houve essa recusa de coligação…

Não acompanhei diretamente o processo, não estava nos grupos de coordenação local do Porto, nem em nenhum, na verdade. Nas últimas, a opção no Porto foi apoiar o movimento que elegeu Rui Moreira e tivemos a oportunidade de ter alguns dos nossos membros como candidatos. Eu fui um dos candidatos, mas, sendo um dos autarcas eleitos, até ao dia de hoje, não sei que estratégia há para o Porto. Não fui contactado, nem me disseram se alguma vez vão falar comigo. Deveríamos falar com os autarcas ou não? Diria que sim, que é uma abordagem. Mas também pode estar relacionado com a vida interna do partido, tivemos de enfrentar eleições, tivemos agora uma convenção há relativamente pouco tempo e admito que o início deste processo de preparação para as autárquicas também foi sendo um bocadinho protelado, tendo em conta os outros processos que estávamos a enfrentar, mas chega a altura de se começar a falar disso. Não sendo o líder do partido, não me cabe a mim iniciar esses processos. No entanto, sou um autarca da cidade do Porto e não sei qual a estratégia da atual liderança sobre esta matéria.

As eleições europeias correram bem para a Iniciativa Liberal…

Foi um bom resultado, sem dúvida nenhuma. Foram eleitos dois eurodeputados, era o nosso objetivo, que foi cumprido.

Ao contrário das legislativas, em que o crescimento do número de deputados ficou aquém…

Não só nas legislativas, mas também nas regionais da Madeira e dos Açores. O que vemos é que – e isso é também um fator de preocupação, em que há um incumprimento do que estava na moção de estratégia global da atual gestão do partido – há sinais claros de estagnação e em alguns aspetos, em particular nas legislativas, há mesmo perda de eleitorado. Em números absolutos, há crescimento de votantes, é verdade, mas temos de ler além do número absoluto e perceber que estamos a falar de umas eleições em que houve muito mais participação e houve sinais de perda evidentes em Lisboa, Oeiras, Cascais e Porto, que são precisamente os sítios onde tínhamos eleitorado mais consolidado.

O partido acabou por assegurar o mesmo número de deputados por causa de Aveiro…

Em Aveiro conseguimos ter algum crescimento, dada essa vantagem de termos tido novas entradas e menos abstenção. Felizmente foi possível equilibrar a perda em Lisboa com a eleição de um novo deputado em Aveiro, Mário Amorim Lopes, mas o resultado, objetivamente, é uma estagnação, com alguns sinais preocupantes de perda, nomeadamente no distrito de Lisboa.

O resultado nas Europeias deveu-se a Cotrim de Figueiredo?

As europeias têm as suas particularidades. A aposta foi clara de escolher o nosso maior ativo político, que é o João, e os resultados estão à vista. Foi uma escolha acertada, mas muito dependente da aposta num grande ativo político que temos, mas os ativos são para se jogar, como é evidente. Elegemos o João e a Ana [Martins], nós cá dentro temos de enfrentar o que vier a seguir e, se nada de estranho acontecer, serão as autárquicas e isso não pode depender do que foi a abordagem para as europeias. São contextos muito diferentes e também com ativos diferentes.

Cotrim de Figueiredo apoiou Rui Rocha nas eleições internas e também o apoiou quando foi candidato presidencial…

E não só, também quando fui candidato no Porto à União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.

Já falou com ele sobre esta alternativa?

Fi-lo perante todos os membros. Fi-lo de forma aberta e transparente com o manifesto Unidos pelo Liberalismo e fi-lo agora no sábado para que todos soubessem. Não o fiz especialmente com A, B ou C. Fi-lo para todos os membros e o João, enquanto membro, também é um recetor desta mensagem.

Rui Rocha não quis comentar…

A existência desta alternativa manifesta-se por si, não depende de ninguém ou de outra candidatura. É certo que representa uma visão distinta da atual liderança, resta saber se a atual liderança vai ou não propor-se a continuar no partido e, se se propuser, vai ter de falar a dado momento das alternativas. Se não se propuser, então pode ficar em silêncio.

Para já, não se sabe se Rui Rocha vai ou não a jogo…

Vai ter de lhe perguntar, mas imagino que sim, porque já fui ouvindo o Rui e parece manifestar essa vontade.

A sua candidatura é apenas para a Comissão Executiva?

É apenas para a Comissão Executiva.

Não faria sentido ser mais abrangente?

Do nosso ponto de vista, não. Isso tem a ver com a abordagem para a liderança do partido e a nossa abordagem para os restantes órgãos é de pluralismo. Parece-me ótimo que haja várias candidaturas aos vários órgãos para que haja representação pluralista do partido. Aliás, até seria preferível que houvesse várias do que se houver apenas um bloco de duas para o Conselho Nacional, por exemplo. Acho que perderíamos enquanto partido se houvesse só duas candidaturas ao Conselho Nacional.

Disse que conta com 400 subscritores. É possível atrair mais?

Acredito que sim. Desde sábado que já entraram mais, É sinal que continua a haver membros interessados em ouvir esta mensagem e a contribuir para ela.

Estes 400 subscritores não poderiam ter dado mais apoio na alteração dos estatutos na última convenção? Apesar de serem movimentos autónomos representa o rosto dos dois…

O ciclo da proposta Estatutos Mais Liberais terminou naquela convenção, tal como a proposta trazida pelo Conselho Nacional, que também não foi aprovada na convenção. Foi um processo que iniciámos e que deveríamos ter discutido em dezembro. Qualquer processo de revisão estatutária tem de ser gerador de consensos, já que tem de ser aprovado por 2/3. No entanto, o processo que foi criado para esta convenção criou dois blocos polarizados de propostas e impediu objetivamente qualquer alteração. Os membros fizeram todos os esforços para que este processo de revisão estatutária pudesse dar frutos e melhorar os nossos estatutos, o que quer dizer que continuamos com um problema.

As próximas eleições vão ser feitas da mesma forma…

Continuamos com os mesmos problemas que afirmávamos todos – não era só um lado – e não será nos próximos meses que vamos estar a fazer alguma alteração. Foi um falhanço geral do partido e foi uma frustração, agora vamos ter de lidar com o que temos.

Os estatutos estão desatualizados?

Há múltiplos aspetos e que têm a ver com governança e com questões eletivas, mas isso será com certeza tema para a futura liderança propor se quer ou não alterar alguma coisa. Neste momento temos as regras que temos e os Unidos pelo liberalismo apresentam uma candidatura dentro do quadro das regras que temos.

Passou a ser um rosto conhecido por ter sido candidato presidencial. Essa notoriedade poderá contribuir agora internamente para poder ganhar mais votos ou poderá ter criado alguns anticorpos?

É evidente que esse fator de notoriedade foi trazido pela campanha presidencial e é relevante porque, a partir daí, as pessoas puderam perceber bem o que defendo, quem sou e o que penso. Isso é uma ajuda, porque quando abordo um membro à partida já sabe o que penso e já me pode fazer perguntas diretas sobre vários aspetos. Isto ajuda a comunicação, mas o que quero é também representar uma equipa e uma visão e isso vai ser muito claro nos próximos meses. Esse fator de notoriedade traz essa vantagem, pelo menos, de as pessoas poderem saber com que podem contar quando me vêm, podem gostar ou não.

Daí ter falado em anticorpos…

Podem gostar ou não gostar, mas, ao menos, é transparente, é genuíno. Não há engano nenhum.

Num cenário de vitória poderá ter de lidar com uma bancada parlamentar hostil…

O facto de termos visões diferentes sobre a matéria não significa que ache que alguém está a querer boicotar o partido. Acho genuinamente que estamos todos interessados em fazer evoluir o partido, em defender a mensagem liberal no país. Estamos todos a fazer esse esforço, mas respeitarei na plenitude o que é uma autonomia de uma bancada parlamentar. Enquanto líder, não tenho de concordar com tudo, tem é de haver respeito institucional. E também não tenho dúvidas de que os deputados terão respeito pelo papel da liderança do partido.

Com um desafio acrescido que é o de concorrer com um partido que tem grande crescimento, o Chega…

Tem, mas conta com uma abordagem mais fácil, no sentido de que a mensagem é populista, não precisa de estar suportada, não precisa de estar fundamentada, só precisa de existir e de ser produzida com berros e soundbytes.

Diz que é necessário ‘determinar políticas e influenciar a governação’. Isso aplica-se à discussão em torno do Orçamento de Estado?

Temos tido uma abordagem responsável na discussão do Orçamento, temos é um problema de base: aritmeticamente, não contamos. Temos de ser um partido capaz de se afirmar eleitoralmente de modo a que contemos depois nestas discussões, porque, por mais esforços que façamos, neste contexto parlamentar, não contamos.

Para isso, o partido teria de ter mais deputados…

Claro, mas agora temos de lidar com o que temos. Parece que temos tido uma abordagem mais responsável do que outros partidos nesta discussão orçamental e podermos ter a oportunidade de estar a discutir outros temas que não só a fiscalidade.