A economia portuguesa apresentou um crescimento de 1,5% no segundo trimestre, mas, em cadeia, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou uma subida de 0,1%, o que significa um crescimento quase nulo. Sabe a pouco?
Sabe a pouco e tínhamos consciência de que, depois do crescimento de 2,3% do PIB em 2023, possivelmente em 2024 o crescimento iria ser inferior. Todas as projeções mostravam isso, o que se podia esperar é que, com a entrada do novo Governo, mais amigo da economia de mercado e das empresas, pudéssemos assistir a uma revisão desse crescimento, mas isso ainda não aconteceu. Apesar de tudo, a inflação vai descer. Em 2023, a inflação era de 4% e deverá andar em 2024 à volta dos 2,25% e em 2025 dos 2%. O que se pensa neste momento é que haverá um crescimento económico do PIB à volta dos 2% e uma inflação também em torno desse valor, o que dá crescimentos nominais do PIB de 4%, o que já será simpático para a redução dos impostos.
São números que dão algum fôlego para o aumento da despesa e para a redução de receita?
A noção que tenho e das explicações que o Governo me deu é que se não tivesse havido interferências da Assembleia da República com as medidas do Governo de alguma redução de imposto e com algum aumento da despesa com este crescimento nominal do PIB à volta de 4% – 2% de crescimento real, mais 2% de crescimento da inflação – seria possível manter o Orçamento com um ligeiro superavit. Agora, o que me parece é que, com as medidas introduzidas do lado da Assembleia da República e que provocam uma redução da receita, nomeadamente com o fim das portagens das SCUT e com a redução do IVA da eletricidade, certamente a estimativa do Governo não se vai cumprir e o que o Governo tem de fazer é simplesmente explicar à opinião pública que, na base das medidas que projetava, iria ter um ligeiro excedente só que, entretanto, a Assembleia da República aprovou outras medidas que diminuem a receita e esse excedente pode vir a não se verificar.
Do lado do Governo há várias medidas de aumento da despesa…
O Governo já contava com este aumento da despesa e já queria fazer alguma redução de impostos no IRS e IRC e com um crescimento do PIB nominal à volta de 4% permitiria manter o Orçamento ligeiramente excedentário. O problema é que começaram a aparecer medidas do lado da Assembleia da República e duvido que o excedente se mantenha. E há medidas que me chocam profundamente, como a demagogia de isenção das portagens das SCUT. Então vamos acabar com as portagens para facilitar a vida daqueles que não precisam e aos estrangeiros que passam naquelas autoestradas? Se querem apoiar as populações do interior têm de apostar na redução dos impostos, não é nas portagens que beneficiam todos, inclusive aqueles que não precisam. Isso é um disparate crasso do ponto de vista fiscal, orçamental e económico.
Dá ideia que somos um país rico…
Aprendi na política que uma das questões que distingue os membros do Governo dos responsáveis técnicos é que os membros do Governo em funções politicas têm de ter a capacidade, o know-how e o savoir-faire de explicar as coisas à opinião pública. É uma questão fundamental na atividade política e espero bem que o Governo consiga explicar o que é que está a pôr em causa a sua meta.
Pedro Nuno Santos disse recentemente que já fez as contas e que as medidas do PS custam dez vezes menos do que as do Governo…
Em matéria de contas não dou grande credibilidade ao que diz Pedro Nuno Santos e não sei dizer isso se as contas estão certas ou não.
Há falhas ou derrapagens nas contas do secretário-geral do PS?
O Governo tinha as suas estimativas orçamentais e, embora reduzindo receitas e aumentando as despesas conseguia ter um pouco de excedente, agora, vieram outras medidas da Assembleia da República, designadamente do PS e do Chega, pelos quais o Governo não é responsável. Independentemente de serem muitas ou poucas, a noção que tenho é que neste momento rondam os mais de mil milhões de euros.
O Presidente da República ainda esta semana disse que estava a promulgar as várias medidas do Parlamento para criar condições para o diálogo e que só falta todos fazerem um ‘esforçozinho’…
É uma afirmação do Presidente da República que não comento, ele terá as suas razões. O que vejo com a promulgação dessas medidas do Parlamento é que a margem de manobra do Governo fica mais diminuída. Há várias medidas que implicam reduções significativas de receitas, se isso facilita ou não o diálogo com os partidos de oposição não sei dizer e, nessa matéria, o Presidente sabe mais a dormir do que eu acordado.
Estes aumentos salariais e descongelamento de carreiras não pode abrir a caixa de Pandora?
O Governo PS chegou a um pequeno excedente orçamental de forma não sustentável, comprimindo muita coisa à administração pública e agora há uma tentativa de descompressão e o Governo apanha por tabela nessa matéria. Em todo caso, o Executivo tem de explicar claramente aos portugueses que ‘isto não dá para tudo’, não pode satisfazer tudo e todos, alguns já satisfez, de acordo com as promessas governamentais que fez, mas vai ter de explicar de forma clara aos portugueses que isto não é elástico e que não dá para tudo e para todos ao mesmo tempo.
Tem de tomar decisões e opções…
Aquilo que o Governo se tinha comprometido em relação a alguns profissionais está a satisfazer, outras coisas não prometeu e, por isso, não estão acomodadas do ponto de vista orçamental e provavelmente não poderá satisfazer.
O FMI manifestou preocupação recentemente com algumas medidas como o IRS Jovem. Pode ser uma dor de cabeça?
Qualquer medida de redução de impostos à partida traduz-se numa redução de receitas, logo pode dar alguma dor de cabeça, mas, por outro lado, o que se espera é que essas medidas ajudem a estimular mais a economia e aquilo que perde no primeiro minuto em termos de receita pode depois ganhar no estímulo adicional à economia. Essa questão em relação ao IRS Jovem significa que o FMI não concorda com o que o Governo fez, mas não é o FMI que está a governar, é o Governo e decidiu fazer assim. Também compreendo que o Governo tente cativar e atrair os jovens, isso é positivo, mas também devo dizer claramente que não chega. Se não conseguirmos pôr a economia a crescer a bom ritmo, se os jovens não virem oportunidades no seu próprio país, não é só pelas medidas fiscais de estímulo que ficam em Portugal. É um contributo louvável do Governo, mas sou o primeiro a dizer que, se a economia não acelerar – e estou-me a lembrar do programa do meu amigo do ministro da Economia Pedro Reis – e se os jovens não começarem a ver o país mais dinâmico e com mais oportunidades para o seu futuro, não tenho ilusões de que não será só a parte fiscal que vai resolver o problema. E continuam, principalmente os mais qualificados, a irem-se embora. É o que sinto todos os dias por parte da geração da minha filha, a música é todos os dias a mesma: os mais qualificados vão-se embora porque não vêm oportunidades neste país. É certo que temos de começar por algum lado, o Governo começou por aqui e não tem uma varinha mágica para pôr de um momento para o outro a economia a crescer e a gerar oportunidades para os jovens. Espero que o Governo se aguente e consiga implementar medidas de política económica que façam a economia crescer mais e a gerar mais oportunidades para os jovens, criando empresas mais viáveis e mais competitivas. No entanto, num Governo do PS nem isso acontecia e o país estava estagnado.
E, do ponto de vista das empresas, a redução do IRC poderá dar aqui um estímulo ou um fôlego para o crescimento da economia?
A redução do IRC está no cerne do debate ideológico entre o Governo e o PS. O PS é hoje em dia um partido estatística, os Governos de Costa mostraram que está longe ser um Partido Social Democrata, é um partido que está alinhado com a esquerda radical, que esquece a economia, que só vê o Estado e o seu orçamento. E para o PS tudo o que seja implementado para alguma redução de impostos não serve porque isso faz perder receita. Do lado do Governo há uma perspetiva ideológica diferente. É que essa redução de impostos injeta mais dinheiro no setor privado, empresas e famílias, e isso não é de um momento para o outro, mas a prazo, que fará crescer a economia. O estudo que a Fundação Francisco Manuel dos Santos fez sobre o IRC liderado por Pedro Brinca mostra claramente que a inversão deste imposto terá um efeito benéfico na economia portuguesa. O estudo até é bastante honesto no sentido que diz que não é uma evolução espetacular, mas mostra que terá algum efeito positivo na economia portuguesa e revela outra coisa que é chocante e que as pessoas não percebem: é que, nos últimos anos, os outros países foram reduzindo os seus impostos, nomeadamente o IRC, enquanto Portugal foi agravando a sua posição relativa em termos de competitividade fiscal com outros países. Ou seja, no contexto internacional, o IRC foi sendo diminuído e em Portugal não e, como se lembra, o Governo de Passos Coelho fez um acordo com o líder da oposição, na altura o PS era liderado por António José Seguro, e depois é o PS no Governo que nega chocantemente o acordo que tinha feito com o PSD para a redução do IRC. O país manteve-se estático com o IRC extremamente elevado do ponto de vista internacional e a conclusão é óbvia: fomos perdendo competitividade fiscal em relação aos outros países. E depois há uma questão no IRC que é perfeitamente chocante com as derramas, torna-se um imposto progressivo, isto é quase uma inovação em termos mundiais – o IRC que não é para ser progressivo, ao contrário do IRS – e neste aspeto está completamente desfasado da realidade internacional.
Mas é uma medida que tem sido alvo de fortes críticas por parte da oposição por estar a favorecer os grandes grupos económicos em detrimento das PME, que dominam o nosso tecido empresarial…
Já tenho tido debates com membros do PS e acho um piadão. Primeiro vinham dizer que o IRC aplicava-se a poucos e que não valia a pena reduzir – então, se só se aplica a poucos, que acabem com ele. Agora, o que acontece é que temos muito poucas grandes empresas e o que a realidade económica em Portugal mostra? As poucas grandes empresas que temos já começam a ter produtividades de nível europeu, não temos em Portugal um problema congénito de falta de produtividade, o que temos infelizmente é muito poucas empresas de grande dimensão. Devíamo-nos bater por aumentar a dimensão das empresas, estimular as fusões e concentrações de forma a que se possam tornar maiores, pois só sendo maiores é que têm escala para fazer investimentos, terem produtividade e inovação que uma empresa de pequena dimensão não tem. A resposta é exatamente o contrário do que a esquerda quer: precisamos de mais grandes empresas e para isso a redução do IRC é positiva, tem efeitos claros no sistema económico e, como a realidade mostra, se tivéssemos mais grandes empresas a nossa produtividade aproximar-se-ia dos níveis europeus. É crucial apoiar movimentos de concentração de empresas e para isso é preciso ser um sistema fiscal que seja amigável e o que temos neste momento é que consoante a dimensão aumenta a taxa com as derramas e nas concentrações quem compra e vende é penalizado fiscalmente. O sistema fiscal português não ajuda nada ao aumento da dimensão e devia ser ao contrário. Sei que é música que a esquerda não liga nenhuma, porque está sempre obcecada contra os grandes grupos. Infelizmente, até temos poucos grandes grupos económicos em Portugal. Se me perguntar se isto podia ser excecionado em alguns setores, como a banca ou as telecomunicações ou a energia, diria que podia fazer sentido, só que as regras comunitárias não permitem que haja impostos que discriminem uns setores contra outros.
Em relação ao IRS, esta redução sabe a poucochinho?
Para a esquerda e para o PS, um tipo da classe média que ganhe três ou quatro mil euros já é considerado rico, o PSD tenta não esquecer a classe média, o que faz todo o sentido. Infelizmente, o Governo não tem maioria na Assembleia da República e antecipo que em sede de discussão do IRS e se quer que o Orçamento seja viabilizado terá de chegar a uma solução de compromisso com o PS. Do meu ponto de vista, as posições da esquerda e do PS não são corretas, devemos apoiar mais as fusões e concentrações, ter um sistema mais amigável para empresas de maior dimensão e aqui estou a pensar basicamente nas empresas de bens transacionáveis e no IRS. Não devíamos esquecer a classe média, que fez um grande esforço de qualificação, e chamar a um tipo que ganha três ou quatro mil euros por mês de rico só esta esquerda consegue dizer uma coisa destas. Mas a realidade é como é, o Governo está em minoria e se quiser aprovar o Orçamento vai ter de negociar.
As negociações em torno do Orçamento do Estado serão outra dor de cabeça? Luís Montenegro disse recentemente que tem esperança que o documento seja aprovado, mas Pedro Nuno Santos já acenou com linhas vermelhas…
Portugal ainda tem pouco espírito de compromisso, mas se o Governo não tem maioria tem de negociar com um partido que aceite viabilizar o Orçamento e parece-me que privilegiou o PS e a única maneira que vejo de chegarem a acordo é aceitando algumas coisas do PS. Posso não concordar e já expliquei porquê, mas a realidade política assim o exige.
E o PSD não poderia negociar com o Chega?
Começámos por ver a posição determinante do primeiro-ministro em relação ao Chega a dizer que ‘não é não’, depois temos visto grandes discussões entre a AD e o Chega e pelo quadro existente hoje em dia e pelo que tenho visto dá-me a impressão que acham que conseguirão negociar com o PS e com o Chega não. Ainda esta semana vi uma posição do presidente do Chega a dizer ‘ou abrem as negociações com os polícias ou não viabilizamos o Orçamento’, desta forma torna-se complicado o Governo achar que tem alguma margem negocial com o Chega. Uma coisa é o que gostava que acontecesse, outra coisa é ter consciência que o Governo que estou a apoiar não tem maioria no Parlamento e se quiser realmente ter o Orçamento aprovado vai ter de negociar. Ainda há dias ouvi o meu amigo Castro Almeida na televisão e já está com um discurso nesta linha, em que em matéria de IRS e de IRC se calhar teriam de negociar algum acordo com o PS. Para mim, esse acordo é evidente, não é acabar com as reduções do IRS e do IRC, mas essas reduções se calhar têm de ser mais moderadas do que deviam e terão de contemplar algumas das medidas do PS.
É chegar a um meio termo…
Isso são as soluções de compromisso. Países como a Alemanha não passam a vida em coligações de dois ou três partidos? Mas se um Governo está em minoria, não consegue aprovar tudo o que pretende, vai ter de negociar com o PS, mas também devo dizer que o Governo devia fazer um discurso mais forte e dizer que estas propostas de política fiscal de redução do IRS e do IRC são feitas num contexto em que quer fazer um choque de produtividade sobre a economia portuguesa e quer fazer um choque de gestão o setor público. Não deve falar só de redução de impostos, deve falar de redução de impostos num contexto mais global de produtividade na economia, de racionalidade do setor público, de melhoria do funcionamento de mercados e das instituições. É no contexto disto tudo que acredito que os choques fiscais fazem sentido, sozinhos são insuficientes, têm de ser completados neste quadro mais alargado.
Mesmo que o PS chumbe o Orçamento é possível vivermos em duodécimos…
Cavaco Silva, que é considerado um expert na matéria de finanças públicas, no outro dia veio dizer que não morre ninguém se vivermos em duodécimos. Não morre ninguém, mas acho que seria mais desejável ter um Orçamento do que viver em duodécimos.
Mas o PS não estará interessado em convocar eleições antecipadas…
É justamente essa questão que me faz pensar que possam chegar a um acordo sobre o Orçamento porque, sinceramente, acho que todos já perceberam que ir a eleições não resolve problema nenhum e suponha que há eleições e que o PS consegue ganhar depois consegue formar Governo no atual quadro dos partidos?
Com os partidos de esquerda a perderem terreno…
Não consegue e seria uma vitória vitória de Pirro. Todos têm consciência que novas eleições não mudarão substancialmente o quadro político das forças representadas no Parlamento. A bem ou a mal, melhor ou pior, espero que se chegue a uma solução compromisso.
Correríamos o risco de voltarmos a assistir a um modelo de ingovernabilidade e a ser necessário recorrer a negociações…
Não sei futurologia, nem sou politólogo para explicar o que está a acontecer em todo o lado, mas, a curto prazo, não me parece que a situação vá melhorar, a médio e a longo prazo ninguém sabe, porque a reação das pessoas também é determinante. O que está a acontecer é que há uma direita mais radical e do lado da esquerda há um PS muito pouco social-democrata, muito estatista, como é o caso português e francês. O centro-direita em Portugal e em França está com dificuldades de manobra, porque tem uma direita mais radical, com o qual não é fácil dialogar e se à esquerda tivesse um PS mais social-democrata, mais moderado, seria mais fácil entenderem-se. O que acontece é que o PS está muito alinhado com as posições da esquerda radical. Uma exceção foi o que aconteceu em Inglaterra. Veja o programa económico do Governo trabalhista que é um programa moderado, social-democrata moderno. Se calhar em Portugal chamariam a esse programa neo-liberal, o que mostra como o debate em Portugal está enviesado à esquerda.
O Governo fez recentemente 100 dias. Que balanço faz?
O Governo está a tentar cumprir aquilo que tinha anunciado nas promessas eleitorais, quer na satisfação daqueles grupos que já tinha dito que ia satisfazer, quer na redução de impostos, embora prejudicado pelas medidas da Assembleia da República. E o primeiro-ministro Luís Montenegro tem mostrado um tom sóbrio, calmo, ponderado e é, neste momento, um grande ponto de referência para a sociedade portuguesa. Acho que tem tido uma performance boa, calma, ponderada, séria e dialogante.
Nas últimas sondagens foi o único que apresentou níveis de popularidade…
O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa tem sido bastante castigado ultimamente na opinião pública, o líder do PS ainda não conseguiu arranjar junto da opinião público um estilo calmo, sóbrio, ponderado como conseguiu Keir Starmer do partido trabalhista, em Inglaterra. E neste contexto, o primeiro-ministro Luís Montenegro surge como uma pessoa calma, ponderada, sóbria e bastante ajuizado.