‘É legítimo concluir que foi uma atitude racista’

O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior condena a operação policial no Martim Moniz, mas não nega que a Mouraria tenha problemas de insegurança, tal como reconheceu em julho

Por que decidiu apostar no poder local, nomeadamente na Junta de Freguesia?
Uma pessoa que se dedica à política não faz apostas, confronta-se com as responsabilidades que tem, em função do cargo que tem em determinado momento, com a evolução que acontece e que está à nossa volta. Faço política desde ainda antes do dia 25 de Abril, participei em eventos estudantis. Estive, tal como milhares de jovens da minha geração, empenhado na contestação ao regime. Depois fui para o estrangeiro, voltei a seguir, entrei para o PS, fiz um percurso no PS desde a base, nunca cheguei ao topo, mas fiz aquilo que me apeteceu fazer, que me deu gosto de fazer. Fui coordenador de uma secção, dirigente de uma concelhia, deputado, dirigente da Federação da Área Urbana de Lisboa, membro da Comissão Política Nacional, da Comissão Nacional, mas quando estava para concluir o doutoramento foi feita a reforma administrativa de Lisboa e António Costa desafiou-me a concorrer a esta nova freguesia. Depois de ponderar, aceitei. Estou em contacto direto com as pessoas e consigo auferir, porque o impacto é muito grande, da justeza ou das respostas que dou. Nenhum político, nem ninguém, acerta sempre em tudo o que faz na vida, mas tenho um princípio que é ‘mais vale errar por fazer do que por omissão’. E perante problemas, dificuldades, temos de dar respostas, às vezes imediatas, e isso é difícil. Não tenho dúvidas nenhumas em dizer que o mais importante que fiz em toda a minha vida política e cívica foi ser presidente de uma junta de freguesia.

Os presidentes de Juntas de Freguesia e os presidentes de Câmara utilizam uma linguagem diferente dos restantes políticos, nomeadamente dos ministros, secretários de Estado e dos deputados da Assembleia da República.
A função, o cargo é que faz bastante diferença. Quando fui deputado na Assembleia da República é claro que não tinha disponibilidade para estar no dia-a-dia para resolver o problema do corrimão e de uma senhora que cai ao chão se não o puserem. É impossível os deputados da AR tratarem de todos os corrimãos ou resolver o problema da alimentação para aquela pessoa ou para aquela criança naquele momento específico ou resolver o problema da pedra da calçada que levantou. Nem é útil para o país o primeiro-ministro estar a substituir-se ao presidente Junta de freguesia e o presidente da Junta de Freguesia não tem de ter a linguagem ou o discurso do primeiro-ministro.

Vou dar o exemplo do seu colega de partido, Ricardo Leão, e não me estou a referir à última polémica, mas à posição que tomou, em que determinou que quem não pagasse a água ou a luz perdia o RSI. O poder autárquico sabe melhor o que se passa no terreno?
Não comento a situação em concreto, conheço Ricardo Leão há muitos anos. Sou amigo dele, mas não me pronuncio sobre a forma como cada autarca administra o seu território, o que acho é que o poder local está mais próximo da realidade concreta, está mais próximo dos detalhes da vida de cada um e isso é muito importante.

Foi por isso que, em julho deste ano, disse que a onda de assaltos era altamente preocupante, que o consumo de droga era a céu aberto e que havia agressões, uma tentativa de violação, homicídio e até os próprios funcionários da Junta não podiam lavar o chão que eram ameaçados por causa do tráfico de droga… Defendeu o aumento do policiamento visível nas zonas mais afetadas, com especial enfoque no patrulhamento, etc., e que a Polícia esteja presente e que seja uma coisa mais musculada. Entretanto, a Polícia disse que tinha 52 participações de crimes violentos nesta área. Então o que o leva a dizer que esta atuação não foi democrática?

Em primeiro lugar, nunca referi que a Rua do Benformoso era o principal problema.

Disse Mouraria…
Em primeiro lugar, a Mouraria não é só a Rua do Benformoso. Em segundo, pedi mais patrulhamento apeado, que é um patrulhamento de proximidade e que tem de ser visível. Ninguém me ouviu pedir que se fechasse uma rua em específico e que se encostasse a rua inteira à parede sem aparente ameaça de perigo, de ataque terrorista ou de procura de um fugitivo específico. Foi uma espécie de lançar uma rede para ver o que é que vem.

Mas estava presente uma procuradora…
Claro, mas não estou a contestar da legalidade da operação.

Mas tinha mandatos de captura. Vi a polícia italiana em ação no Estádio da Luz e vi como atiravam para a parede os adeptos italianos…
Felizmente não tenho aqui um estádio de futebol e não tenho experiências desse género, como deve calcular.

A Polícia disse que tinha 52 participações e que precisava de fazer uma operação mais musculada…
Era bom que tivessem mais participações porque há muita gente a queixar-se à Junta de Freguesia a dizer que faz a participação à Polícia e que ela não liga nenhuma. Sou autarca e tenho noção do território do qual sou responsável e tenho uma clara noção onde acontecem as coisas piores. Os relatos que tenho, o que observo, e já que citou a reunião que tive em julho, convinha perceber bem o que colocámos em questão. Em primeiro lugar, tráfico de droga, que é o mais estruturante que acontece aqui e que tem zonas de concentração de negócio específicas que a Polícia sabe muito bem qual é, e na perspetiva do que observo nem sequer é ali. Se me disser que ali também há, é claro que há. Há consumidores de todas as raças, no entanto, o peso do negócio do tráfico de droga faz-se em mais locais da freguesia e é preciso combater isso. Incomoda muito estarem pessoas a consumirem na rua porque deixam as seringas no chão, etc., etc. e já fui confrontado com mães que dizem ‘o meu filho estava a brincar num banco de jardim e encontrou uma seringa, o que diz a isso?’ Fico muito incomodado, mas não tenho nenhum banco de jardim na Rua do Benformoso. E, por outro lado, temos uma vida noturna que a Câmara devia controlar e que não está controlada até às duas, três ou quatro da manhã. O que isso significa? Que vem para aqui a miudagem toda para os copos, depois vêm os traficantes e está o caldinho entornado, criando um grande desassossego para quem vive aqui, porque as pessoas sob o efeito do álcool e da droga não respeitam nada nem ninguém e ameaçam as pessoas de mais idade e é aí que quero patrulhamento. E mais: disse à Polícia que estou disponível para entregar duas instalações da Junta para porem esquadras de proximidade. Até agora não houve resposta nenhuma. Também disse ao presidente da Câmara, que tem responsabilidades, para pôr mais iluminação em toda a freguesia e videovigilância, pelo menos nos sítios onde há maior frequência destes acontecimentos e que determine o encerramento dos bares a partir da meia-noite, que proíba a vinda do álcool para a rua a partir das 21h ou 22h – a nossa proposta até foi 21h. E que cumpra a lei do ruído. Não sou especialista em segurança, mas naturalmente tenho direito a ter perceções e a ter um conhecimento empírico das realidades.

Dizem que as esquadras de proximidade só consomem pessoas e que esse tipo de policiamento está desadequado…
Não digo isso e ao que parece é o único ponto em comum nesta matéria que tenho com o presidente da Câmara, que também é contra as grandes esquadras e prefere as de proximidade. Tenho um grande respeito pela Polícia, acho que os polícias ganham pouco e têm toda a razão nesta matéria do subsídio de risco. Fico muito incomodado quando um polícia é agredido ou assassinado. Não me sinto seguro quando se desrespeita um agente da autoridade, acho que a maior parte dos polícias são pessoas que querem fazer o seu trabalho, mas quero uma Polícia respeitadora da Constituição, expurgada de elementos racistas e que saiba com discernimento usar o uso adequado da força em função da ameaça que está latente.

Mas houve agressões nessa operação?
Não. Estou a fazer um comentário sobre a questão policial e, para não haver qualquer equívoco: não sou contra a Polícia, antes pelo contrário. A Mouraria tem zonas de insegurança, mas a Rua do Benformoso não é a pior. A Rua do Benformoso é esmagadoramente habitada por pessoas do subcontinente indiano, como dizem agora. São muitos no mesmo espaço, é verdade, e isso traz naturalmente situações ou perceções que podem incomodar as pessoas por causa do impacto cultural, admito que sim. A mim não me incomoda. Já fui imigrante, sei o que é ser estrangeiro lá fora, mesmo em países com culturas semelhantes à nossa. Mas também devo dizer, em abono destas pessoas, que, na sua esmagadora maioria, são pessoas humildes, que procuram sobreviver num país estrangeiro, que trabalham e são as pessoas que nos levam comida a casa quando encomendamos um Uber ou qualquer coisa assim. São também pessoas que apanham a fruta que comemos, que são exploradas por empresários, se calhar da cor da nossa pele que os põem a apanhar fruta e depois mandam-nos para Lisboa quando acaba a época sazonal da apanha de fruta. São pessoas que não são conflituosas por natureza. Agora quer dizer que há lá criminosos? Certamente que há, sobretudo na juventude, a gente também já nota que há gente que consome droga ali, claro que sim.

É suficiente para fechar uma rua?
Não. Ou anda-se à procura de alguém muito perigoso e concreto ou há uma ameaça de bomba, agora chegar a uma rua e encostar as pessoas todas à parede não me parece que seja a melhor maneira. Não estou a ver a Polícia a entrar no Centro Comercial das Amoreiras e encostar todas as pessoas à parede. Também não estou a ver a fazerem isso nas Avenidas Novas. Fez-se aquilo na Rua do Benformoso e foi direcionado a uma comunidade que num mês teve duas rusgas policiais de grande envergadura e uma rusga da ASAE também de grande envergadura.

Deve-se a atitudes racistas?
Pode ser interpretado como racismo. Quero acreditar que cada uma das pessoas que decidiram fazer aquilo não são racistas, agora pode ser interpretado assim e é legítimo concluir que foi uma atitude racista porque se faz mais facilmente ali do que em qualquer outro lado.

E em relação ao sentimento das pessoas que vivem aqui, são a favor ou contra esta imigração?
Não fiz nenhum estudo em relação a isso. Posso dizer que é ambivalente. Em momentos de crise toda a gente aponta o dedo ao que é diferente. Há dias houve um incêndio num prédio desocupado, onde se meteram uns rapazes toxicodependentes que pegaram fogo àquilo, e houve mensagens a dizer que foram os indianos. Não foram, foram os toxicodependentes. O que quero dizer com isto? Quando há uma aflição qualquer tendemos sempre a culpar quem é diferente e este território não foge à regra, tal como deve acontecer em outras partes do país. Mas no dia-a-dia a convivência é completamente pacífica. Os brancos vão aos barbeiros destas pessoas, vão às alfaiatarias destas pessoas.

Houve uma carta de 21 personalidades a condenar a ação do primeiro-ministro. Como vê essa iniciativa?
Ainda não li a carta. Agora toda a gente fala do Benformoso, antes de haver este problema muito poucos se interessavam, mas fico muito contente que haja 21 personalidades que estejam preocupadas. Mas gostava de ser muito claro: o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior está muito preocupado com os comportamentos ilegais e ilegítimos que acontecem no território, sejam cometidos por qualquer etnia, raça ou pessoa. Não culpabilizo, nem responsabilizo nenhum grupo étnico em particular, a começar pelo nosso, que é maioritariamente caucasiano. Não responsabilizo nenhum grupo étnico, nenhuma religião, nenhuma orientação sexual, só estou preocupado com os comportamentos e quem estiver a agir à margem da lei naturalmente tem de responder perante a Justiça. Essa é a minha posição perante as questões de segurança aqui no território. Depois, como presidente de Junta, tenho uma clara noção das zonas mais problemáticas e onde acontecem as coisas que mais incomodam as pessoas isoladas, as pessoas de idade que vivem sozinhas e que são as primeiras vítimas. Mais, naquela sessão pública que fizemos em julho, muitos dos queixosos eram indianos, que nos disseram que as suas lojas eram assaltadas e até tivemos uma senhora branca a dizer que a sua casa ia ser assaltada por dois indivíduos brancos e foram dois paquistaneses que evitaram o assalto. O mau comportamento está em todo o lado, não podemos estigmatizar um grupo étnico por todo o mal que acontece no território, ainda por cima acertaram ao lado. Há problemas ali, há mas não é o pior sítio. Um bocadinho ao lado, no Beco da Barbadela, é muito pior e é onde peço videovigilância.

Qual tem sido a resposta da Câmara para esses pedidos?
Nenhuma. O presidente da Câmara faz discursos sobre esta matéria, às vezes assertivos, mas a verdade é que aquilo que a Câmara pode fazer não faz. Falta-me luz, mais iluminação, mais sensação de segurança e que dificulte mais a vida das atividades ilegais. Falta controlo ou uma política clara de funcionamento dos bares e proibir vendas de álcool na rua e consumo de álcool na rua a partir de determinada hora. Eu próprio era contra isto, mas desde que sou presidente de Junta de Freguesia acho que não há outro remédio. Desgraçadas das pessoas que moram no Bairro Alto, e o que quero evitar é que esta freguesia se transforme num segundo Bairro Alto. Infelizmente, com insucessos, porque é quase inexorável, mas tenho que me opor a isso. A minha preocupação está muito mais nisto do que naquilo que aconteceu no outro dia. Quero saber dos comportamentos e enquanto presidente de Junta não tenho de me preocupar com as comunidades, tenho é de perceber se estão ou não inseridas e se são uma fonte ou não de problemas. Não são uma fonte de problemas.

A criação do hotel social na Mouraria que a Câmara pretendia, mas a que a Junta se opôs, seria um problema?
Era. Não acho que qualquer pessoa tenha o direito de montar uma tenda na rua ou em qualquer sítio que seja. Não critico o presidente Moedas pelo que fez à volta da Igreja dos Anjos, mas o Estado e a sociedade têm de ter uma resposta para o problema dos sem-abrigo e todos temos de ser solidários: setor público, seja ao nível central, seja ao nível local, setor privado. Um hotel social na Mouraria para abrigar 30 sem-abrigo, e pela experiência dos Anjos e de outros lados, o que iria acontecer é que se montava um acampamento no exterior porque os que não coubessem iriam ficar à porta, numa zona onde não há problemas. E o que disse ao presidente Moedas, e até aos vereadores do meu partido que estupidamente votaram a favor disto, é que não conhece o território, nem os problemas das pessoas. Estou disponível a ser solidário se fizerem isto em todo o lado.

Já percebeu que é uma guerra muito complicada, porque vemos o Beato, Marvila, Olivais e ninguém quer os sem-abrigo…
Não sei responder pelos meus colegas.

Como acha que se poderia resolver este problema?
Resolveria com um equipamento deste género em todo o lado. Todas as freguesias tinham de ter um hotel social, aí já havia um princípio de igualdade e de rede social. O presidente Moedas queria fazer uma espécie de gueto ao contrário, em que o resto da cidade estava limpinha e mandava para aqui tudo o que é difícil. Isso não posso aceitar. O mesmo se passa em relação às salas de consumo assistido, já tenho aqui uma e não dá para toda a cidade, mas a solução não é alargar esta, é pôr várias, em vários sítios.

No início da conversa disse que não tinha feito parte da gerigonça, mas o Bloco de Esquerda defende o direito de as pessoas estarem na rua…
Mas quem lhe disse que defendo uma frente de esquerda? Não defendo, mas o Partido Socialista até à gerigonça estava condenado a só poder fazer alianças à direita, era proibido fazer à esquerda, enquanto o PSD tinha liberdade para aliar-se à esquerda para derrubar governos do PS. António Costa teve a visão de libertar o PS, num modelo de sociedade e numa forma de Governo que é semipresidencial, onde o Parlamento tem muita importância e agora tem mais preponderância. O que advogo é que o PS deve estar livre para cumprir o seu programa, negociando à direita ou à esquerda, fazendo os acordos que considerar importantes para poder implementar as bases do seu programa. Isto não tem nada a ver com uma frente de esquerda. Nesta perspetiva, acho que a geringonça foi uma coisa boa para o país, como se provou. Foi olhada com muita desconfiança por todos, mas chegou-se ao fim e percebeu-se que foi uma coisa boa.

Tem sido uma das vozes críticas do fenómeno da turistificação, dizendo que há zonas em que os turistas estão a olhar uns para outros…
Sim e dos tuk-tuk. Admito que um deputado na Assembleia da República não tenha de saber em concreto como estas coisas acontecem, temos de sentir na pele e quando se sente na pele tem de se reagir.

E o que sente na pele?
As dificuldades, previ logo que isto ia ser uma razia de habitantes quando os tuk- tuks começaram a aparecer.

Há o risco de andarmos em Alfama e na zona do Castelo e não encontrarmos portugueses?
Isso não é um risco, é uma verdade. Temos mais turistas do que portugueses a circular nessas zonas.

Em relação ao alojamento local. Foi uma das freguesias mais afetadas e entre 2013 e 2024 perdeu 25% da população. O que podia ter sido feito para evitar esta situação?
Fui o pioneiro do alerta para este problema. Não defendo o fim do alojamento local mas, muitas vezes, quem promove a ideia do ‘vamos explorar intensivamente o negócio’, e que é uma espécie de galinhas de ovos de ouro, é que põe em causa a própria ideia. O alojamento local surgiu nos anos mais negros, fruto do impacto das medidas da troika, onde muitas famílias perderam o trabalho. Era presidente de Junta há uns três ou quatro meses e recebi uma pessoa que era engenheira, que tinha perdido o emprego, e veio pedir comida para os filhos. É claro que as pessoas encontraram soluções imaginativas e corretas, o problema é que depois percebeu-se que era um negócio e deixou de ser um negócio de famílias para passar a ser um investimento financeiro feito por seguradoras, imobiliárias, etc. E ao passar a ser um grande negócio, conjugado com um certo facilitismo que a lei anterior das rendas, a Lei Cristas, permitia, provocou uma espécie de esvaziamento do território das pessoas mais humildes, das pessoas mais frágeis que já estavam aqui há anos. As pessoas não têm culpa que Salazar tenha sido um retrógrado – não faço juízo de valor político – e que tenha decidido que não podia haver aumento das rendas durante 50 anos. As pessoas que estão há 80 anos nas casas têm direito a morrer nelas.

Mas desde que a Junta e a Câmara se responsabilizem pela manutenção do prédio?
Sim, claro que sim. As câmaras, as juntas e os proprietários têm de ser compensados.

Se for preciso fazer obras é o proprietário que terá de assumir essas obras com rendas de um euro?
Já não há rendas a um euro. Essas pessoas, pelo ciclo de vida, a maior parte já morreu, ou está a morrer. E quando a casa fica vazia, o proprietário já a põe no regime de arrendamento livre. Até nestes prédios, o alojamento local era uma situação mista. Havia rendas baixas e rendas altas no mesmo prédio. É claro que os proprietários não têm o dever de dar apoio social e se têm uma renda abaixo do valor da renda acessível, o Estado deveria cobrir essa diferença diretamente. Já fiz essa proposta ao PS, mas não foi aceite. O meu estatuto de quase 50 anos de Partido Socialista já me permite fazer certas coisas, sobretudo em matéria de habitação. No entanto, os problemas começaram há muitos anos, ainda era António Costa ministro com a responsabilidade da Habitação. E também acho que quando o senhorio não pode fazer obras deve ser o Estado a assumi-las e depois cobra em rendas futuras.

Chegou a propor a reabilitação de imóveis degradados para o regresso das pessoas que foram expulsas do bairro…
Sim, o programa ‘Regresso ao Bairro’. Com a afirmação do alojamento local e com as regras injustas que a Lei Cristas introduziu, foi possível, mediante um aviso por escrito e a ausência de resposta no espaço de um mês, que um contrato antigo passasse a ser de mercado livre. E a grande iliteracia das pessoas idosas que vivem sozinhas, e que estão à espera que os filhos as visitem, fez com que houvesse pessoas que passaram para o regime livre, e ao fim de dois ou três anos foram postas na rua. Além disso, ainda assistimos ao bullying imobiliário, em que tiravam corrimões, degraus, campainhas, destapavam telhados. Não posso dizer que era o senhorio a fazer isso, mas a coincidência era grande. Tudo isso provocou o tal despejo de pessoas que nos obrigou a agir. Por um lado, criando uma equipa de juristas para apoiar estas pessoas, e ganhámos algumas batalhas. Não todas, mas ganhámos algumas e começámos a invocar má-fé negocial. Helena Roseta teve um papel importante, nessa altura, e introduziu um princípio de regulamentação ao alojamento local que agora este Governo reverteu.

A tal zona de contenção…
Continua em zona de contenção porque, apesar de tudo, a Câmara, muito pressionada, não alterou e a vereadora Filipa Roseta tem uma sensibilidade diferente nesta matéria em relação ao seu presidente, que diz uma coisa mas pratica outra.

Outro problema diz respeito à recolha do lixo e que se agravou com a greve nestes dias….
Antevejo dificuldades para as pessoas neste período. Não quero discutir a justeza da greve, mas acho que nesta altura é pouco sensato fazer uma greve. A Câmara poderia ter evitado, mas depois desculpa-se sempre com as freguesias.

A Câmara diz que cada um tem as suas responsabilidades…
Lavar e varrer pertence às Juntas e recolher o lixo pertence à Câmara. Outro problema que temos está relacionado com o licenciamento zero. A maior parte destes restaurantes, e até de algumas esplanadas, não precisam de licença, os tuk-tuks também não. O próprio alojamento local era alvo de licenciamento zero, ou seja, registava e pagava sob o compromisso de que cumpria a lei. Por exemplo, comprava um tuk-tuk e registava-o no turismo, nem era na Junta, nem na Câmara, bastava dar a matrícula.

Isso permite ter um número infindável…
Infindável. E com as esplanadas a mesma coisa. Controlo as esplanadas se forem destacadas, mas se estiverem coladas ao estabelecimento, ao edifício, tenho de autorizar, desde que deixe uma largura de passeio de um metro e meio. Temos de acabar com isso, mas só na Assembleia da República. Já disse ao presidente Moedas que ia com ele falar a todos os grupos parlamentares para dizer que temos de acabar com isso.

Acabava-se com esta loucura de lojas de souvenirs?
Resolvia-se muitos problemas.