‘A IL tem de ter ambição de ser Governo a médio-longo prazo’

Rui Malheiro, candidato à liderança da Iniciativa Liberal, lamenta a falta de ambição de Rui Rocha e acusa o atual líder de desunir os militantes e de levar à saída de quadros. Quer um partido que conquiste votos em todo o país e não apenas nas grandes cidades.

Não era o candidato inicial do movimento Unidos pelo Liberalismo, mas a polémica em torno de Tiago Mayan obrigou-o a desistir. Poderá prejudicar a sua candidatura ou, pelo menos, atrasou o processo?

Atrasar era inevitável, mas traçámos um processo novo para o partido, uma espécie de primárias e conseguimos implementar um novo mecanismo que serviu quase de incubadora para um processo que nunca tinha sido experimentado dentro da Iniciativa Liberal e que correu maravilhosamente bem. O movimento continua e o que foi realizado até ao momento da saída do Tiago não foi perdido. Estamos a falar de uma continuidade do movimento e das suas ideias face a tudo o que tinha sido realizado para trás, o que muda é o rosto do movimento.

Poderá criar dentro dos militantes alguma descrença ou alguma desconfiança pela polémica que foi criada?
Infelizmente, a única descrença que existe no partido é face a esta direção. Temos notado nos últimos dois anos uma saída de quadros, uma saída de membros base. Essa descrença deve-se a esta direção, encabeçada por Rui Rocha e não tanto ao movimento Unidos pelo Liberalismo que continua forte, conta com cerca de meio milhar de subscritores e não foi muito afetado por toda esta situação vivida no último mês.

Acredita que seja possível assistir ao regresso de muitos membros e fundadores do partido? Muitas das saídas foi por terem entrado em colisão com a atual direção da Comissão Executiva….
Acredito que vou conseguir colocar a Iniciativa Liberal num patamar de excelência. A coragem e a ambição desta candidatura vai atrair por si só quadros, tanto aqueles que saíram como quadros liberais da sociedade civil ou inclusive de outros partidos.

O movimento Unidos pelo Liberalismo sempre disse que não pretendia dividir e que pretendia ser um movimento agregador. Ao avançar com uma lista alternativa não acaba por dividir o partido?
A Iniciativa Liberal é claramente um partido diferente e acreditamos no pluralismo e é do pluralismo que emanam as melhores ideias. Não é por apresentarmos mais do que uma candidatura que seja sinal de divisionismo, significa é que há várias ideias para um modelo de governança do partido e do país. O importante é estarmos sentados à mesma mesa com as melhores ideias, pois só assim é que conseguimos avançar, não só para um patamar de excelência ao nível da Iniciativa Liberal, mas também com um conjunto de ideias que tornará Portugal mais rico com a implementação das medidas liberais.

Já disse que quer a IL represente o país e não só as elites urbanas. Até à data, é um partido que atrai eleitores nos grandes centros urbanos, o que acaba por limitar o próprio crescimento do partido. É uma falha do atual líder ou uma falha de discurso?
Há um patamar que quero que tenhamos em consideração que é o dos 10% de intenções de voto sólidas e sustentadas na Iniciativa Liberal e para atingir esse patamar a nível nacional não é possível falar ou comunicar só para 15% ou 20% da população. Faz-se comunicando para 100% da população de todas as faixas etárias, de todos estratos socioeconómicos do interior e do litoral. A parte da mensagem e da comunicação dentro da Iniciativa Liberal está, neste momento, muito afunilada em determinados segmentos e isso logicamente é prejudicial para o crescimento do partido. Na minha equipa teremos, por exemplo, representantes de todas as áreas geográficas do país, dando um sinal claro que queremos fazer diferente. Queremos estar em todos os locais e não só nas zonas urbanas, onde inclusive até perdemos votantes nas últimas eleições legislativas, mas também ir para os meios mais interiores e mais deslocalizados, onde acredito que a mensagem liberal também possa ter penetração e que seja entendida como uma efetiva melhoria das condições de vida de todos os portugueses.

O discurso continua muito assente na redução da carga fiscal…
Esse é um problema que já foi detetado no nosso partido. A mensagem não pode ser quase única e sempre focalizada no aspeto económico. Até como liberais há uma série de áreas que queremos tocar, desde a reforma da Justiça, à energia, passando por políticas de imigração, por exemplo. Há um patamar de medidas e de políticas que devemos falar e cuja mensagem liberal existe e deve ser passada. Não podemos concentrarmos apenas nos fatores económicos que são importantes, logicamente. Mas mesmo dentro desses fatores económicos falamos apenas para uma parte da população, temos de chegar a outros segmentos da população, como os reformados, os funcionários públicos, etc. A mensagem liberal tem de ser uma realidade e tem de ser passada a todos os portugueses. E os portugueses têm de perceber que a mensagem liberal é transformadora das suas próprias vidas.

Em relação à imigração. Assistimos recentemente à polémica em torno de uma rusga, em Lisboa, e o Governo tem vindo a defender que não é possível ter uma política de portas abertas. Qual é a sua posição?
Não defendo uma política de portas abertas, mas defendo uma maior fiscalização sobre quem entra e sobre quem está, assim como uma avaliação muito rigorosa das condições em que esses imigrantes permanecem em Portugal. Diria que a parte da regulação e da fiscalização – são palavras tipicamente liberais, não só ao nível de imigração, mas de uma forma transversal – devem ser as palavras-chave para a nossa política de imigração. E, a partir daí, temos de salvaguardar as condições de vida dos imigrantes para que não estejam sujeitos às redes de tráfico humano e a condições de indigência que não são boas nem para os próprios nem são boas para a sociedade portuguesa.

Quando apresentou a candidatura falou na necessidade de o Estado reduzir a despesa em cinco pontos percentuais dentro de quatro anos, pediu um controlo no número de funcionários públicos e o combate ao abuso na atribuição de apoios sociais. Como pode ser feito?
Mais uma vez, regulação e fiscalização e acrescento aqui mais uma palavra meritocracia. Por exemplo, ao nível do funcionalismo público temos claramente de premiar quem são os melhores funcionários, quem são os melhores trabalhadores do Estado. Não faz sentido termos uma política desatualizada face aos tempos em que vivemos, daí termos de implementar mecanismos meritocráticos dentro da função pública. Ao nível de apoios sociais, mais uma vez, fiscalização e atribuição de uma rede de segurança para as pessoas que efetivamente necessitem dela. Já ao nível do crescimento do país necessitamos de libertar todas as amarras estatuais que hoje em dia enfrentamos e que de certa forma bloqueia o crescimento do país, bloqueia as empresas, bloqueia o próprio investimento privado, além da necessidade de redução da carga fiscal, nomeadamente o IRC, os impostos indiretos e a tributação sobre rendimentos singulares. Tudo isto alavancará o crescimento em Portugal e acreditamos que esta mensagem passada de forma clara e de forma direta a todos os portugueses será claramente um fator de crescimento da Iniciativa Liberal.

Em relação às empresas que estão nas mãos do Estado, como a TAP e Caixa Geral de Depósitos, deveriam ser privatizadas?
Neste momento o que verificamos, por exemplo, na Caixa Geral de Depósitos é que colocando um gestor que veio do setor privado, Paulo Macedo, o banco está a dar dividendos recorde como nunca tínhamos verificado anteriormente. Enquanto estiver a dar lucro parece-me claramente aceitável, defendendo a lei da concorrência e não vendo efetivamente um propósito para a existência de um banco público. Em relação à TAP ainda estamos à espera de recuperar os quatro mil milhões de injeção dentro da companhia no período covid e parece-me que esse valor nunca será alcançado. Parece-me claro que teremos de avançar com a privatização o quanto antes. E, de certa forma, também me parece que há aqui alguma concordância entre PSD e PS para que isso avance. Está a tardar, logicamente.

Em relação às propostas que apresenta em que se diferenciam do seu concorrente?
Em primeiro lugar, coragem e ambição que tem faltado. Tem faltado coragem para lutar pelas medidas liberais e pela implementação do liberalismo em Portugal. Temos sido bastante titubeantes nestas matérias. Tem faltado ambição quanto ao peso do liberalismo em Portugal e devemos ambicionar ser Governo a médio-longo prazo, daí ter referido que queremos almejar um patamar de 10% de intenções de voto a curto-prazo e ser um partido mais abrangente, cuja mensagem alcance toda a população portuguesa. E ter ambição depois destes dois anos de unir o partido que se encontra neste momento fragmentado, é um partido que não aproveita os seus quadros que estão constantemente a sair. Esta liderança pouco agregadora de Rui Rocha também não permite à Iniciativa Liberal crescer. Defendemos também mais transparência, mais meritocracia, mais subsidiariedade dentro do partido para conseguirmos implementar as medidas liberais em Portugal e queremos também profissionalizar o partido. Neste momento, há mais profissionais dentro do partido, mas não quer dizer que o partido seja mais profissional. E vimos isso este ano, por exemplo, com a entrega das contas do partido. Como é que com mais profissionais dentro do partido não conseguiram ter um resultado melhor do que nos últimos anos no que diz respeito à apresentação de contas?

Faz sentido um partido que diz ser liberal e que defende a transparência apresentar as contas sempre com atraso?
Parece-me que é uma questão que poderia ser remetida para outsourcing, por exemplo. Não temos de ter pessoas especialistas dentro do próprio partido para assumir a contabilidade e para entregar as contas a tempo e horas que é o que se deseja num partido liberal e depois, conforme já disse, atingir o patamar sólido de 10% de intenções de voto. Rui Rocha prometeu há dois anos, quando João Cotrim Figueiredo saiu, que queria atingir esse valor e, neste momento, andamos à volta de 6%, 6,5%. O que vejo é que tivemos dois anos perdidos, dois anos de estagnação interna e externa com várias oportunidades perdidas ao longo destes anos a nível eleitoral. E o que prometemos é mais coragem, mais ambição, com medidas e propostas que iremos apresentar na nossa moção estratégica global que serão completamente transformadoras tanto para o partido como para Portugal. A moção estratégia global será apresentada em janeiro e teremos tudo segmentado por áreas. Neste momento não posso revelar muito do que do que estará plasmado, mas será transversal aos setores governativos de Portugal.

O que tem falhado para atingir este patamar de 10%?
Tem faltado ambição. Tem faltado comunicação. Tem faltado coragem para explicar as nossas medidas liberais à população portuguesa. Tem faltado falar em vários tópicos que não são exclusivos da esquerda ou da direita. A Iniciativa Liberal deve ter uma palavra para dizer em todo espetro das políticas, tem de alcançar mais eleitorado em todas as zonas urbanas e não urbanas e efetivamente tem de ter um líder com capacidade de transmitir estas mensagens de forma clara e de forma simples que seja autêntico e que acabe por não ser um produto de marketing mal conseguido.

Também fala em liderar um movimento que devolva ao indivíduo a esperança, a confiança e a liberdade…
Neste momento falta agregação ao partido e não tendo o partido unido e não tendo várias visões do partido unidas num único propósito começa a falhar logo pela base. Depois vemos que os próprios eleitos não têm acompanhamento ou não têm, muitas vezes, os meios adequados para exercer o seu trabalho. Estes dois elementos combinados fazem com que a representação do liberalismo em Portugal nos diversos órgãos, desde o Parlamento Europeu até a uma assembleia de freguesias fique aquém do que poderíamos estar a realizar como também fica aquém a penetração do liberalismo em Portugal. Há uma necessidade de unir o partido e o nosso mote Unidos pelo Liberalismo é exatamente esse. Espero que depois de ganhar a próxima convenção eletiva me possa sentar à mesa com Rui Rocha e com a sua equipa e ver de que forma é que conseguimos continuar a trabalhar juntos, porque temos umas eleições autárquicas à porta e todos somos poucos para o tanto que há para construir. Independentemente do resultado é bom que todos fiquemos no partido e que todos continuemos a contribuir, apesar das visões que tenhamos sobre o partido e também sobre Portugal.

E se o resultado não for favorável também tem essa disponibilidade?
Se ganhar, como julgo que irá acontecer, no dia a seguir estarei sentado com Rui Rocha a analisar em que é que podemos continuar a trabalhar para elevar a Iniciativa Liberal a um patamar de excelência. Independentemente de qualquer resultado, as pessoas não podem desistir do liberalismo nem do partido.

Também defende uma reorganização interna que dê mais autonomia aos núcleos territoriais. O que tem falhado?
Há que escutar os núcleos territoriais e perceber se este modelo faz sentido, assim como perceber quais são as suas dificuldades porque o modelo foi implementado num tempo em que o partido tinha uma dimensão. Hoje em dia somos quase oito mil membros e cerca de 90 núcleos, já estamos a atingir uma dimensão muito significativa e há que evoluir. Há muitas queixas, por exemplo, ao nível de disponibilização financeira para os seus gastos e é preciso perceber em que patamar é que estas situações estão e de que forma conseguimos mitigar porque no final do dia, os núcleos territoriais são a nossa força capilar no país para implementar o liberalismo e têm de ter meios e as condições necessárias para o fazer.

Falou nos desafios que o partido tem pela frente, nomeadamente as eleições autárquicas. Defende uma coligação com o PSD ou acha que a IL deveria concorrer sozinha?
Defendo o princípio da subsidiariedade. Os núcleos devem decidir em cada região o melhor para a sua zona geográfica, sempre coordenados com a Comissão Executiva que claramente tem aqui um papel de adviser e que depois terá de ser aprovado pelo Conselho Nacional. Claro que depois da decisão tomada temos sempre uma preferência que é de correr em pista própria com os nossos candidatos a todas as candidaturas. Sei que é muito difícil, mas nas situações em que haja coligação tem de ser uma candidatura liberal.

Este sábado vai apresentar a sua equipa….
O que posso adiantar é que temos a equipa mais bem preparada para elevar o liberalismo ao patamar de excelência que queremos. São pessoas completamente descomprometidas com a vida política, desligadas de qualquer compensação política e que trabalham quase em regime voluntário para o partido. Estamos a falar de quadros que acabaram por estar mal aproveitados pela IL e que têm mérito reconhecido a nível profissional e que podem ajudar o partido a crescer. É uma equipa com mérito reconhecido por todos os membros e até pela sociedade civil.

Alguns desses nomes estão ou estiveram ligados à Comissão Executiva?
Estamos a falar de uma lista composta por quase todas as listas que se apresentaram a eleições na última convenção, incluindo da lista de Rui Rocha. Temos desde autarcas, a membros base, a membros que trabalharam para o gabinete de estudos, por exemplo. Também temos conselheiros nacionais, representantes de grupos de coordenação local com uma abrangência geográfica praticamente total do território nacional, incluindo a diáspora. E a maior parte dos nomes que foram veiculados para a liderança do movimento Unidos pelo Liberalismo foram agregados na nossa candidatura e terão permanência até com lugar de destaque.

A candidatura é apenas para a Comissão Executiva?
Entendemos que a separação de funções ou de poderes tem de ser uma realidade e, nesse sentido, iremos apresentar uma candidatura única e exclusivamente à Comissão Executiva, completamente separada dos restantes órgãos.

Ficou surpreendido com a recandidatura de Rui Rocha ou já estava à espera?
Parece-me que para todos foi muito previsível até com a saída de Bernardo Blanco da Comissão Executiva para uma lista do Conselho Nacional e pelo tempo que demorou, ou seja, muito perto das eleições e já não haveria muito tempo para lançar outro candidato que não fosse Rui Rocha.

Que desfecho está à espera?
Da vitória, claro.