O que espera da economia portuguesa. Há problemas identificados, como o da falta de produtividade. Há falta de ambição e, por isso, contentamo-nos com crescimentos de 2%?
Não temos ambição de criar mais. Se tivéssemos essa ambição, não nos desgastávamos tanto, muitas vezes, em disputas estéreis, fúteis que é dividir o que existe. Isso é só uma tática e nem sequer temos uma visão de médio-longo prazo, quando a nossa grande missão como país pobre que somos, e com potencial de crescimento grande, deveria ser discutir o crescimento que está sempre abaixo do nosso potencial, o que é dramático.
Quando se compara com outros países europeus ficamos contentes por até crescemos mais do que os outros…
Temos alguma iliteracia, confundimos valores absolutos com valores relativos e depois parece que estamos ao nível dos melhores, quando não estamos. Precisamos de ter um crescimento muito grande para sermos um país com uma economia próspera. Só estamos numa economia de primeiro mundo porque geograficamente tivemos a sorte de estar encostados à Europa, se não nunca seríamos se mantivéssemos este nível de ambição baixo, medíocre. A nossa grande discussão é como é que distribuímos o que temos, quando deveria ser como é que vamos criar mais e como distribuímos o que vamos criar a mais.
As guerras político-partidárias influenciam esta falta de discussão?
Sim, porque infelizmente a discussão passou a ser muito viciada. É muito o interesse tático político-partidário, ou seja, o que é que dá mais-valia para as próximas eleições, sejam elas quais forem. Podem ser as autárquicas, podem ser as legislativas.
Agora está mais em cima da mesa as presidenciais..
A política partidária que se faz não é a pensar o futuro, não é pensar Portugal, mas sim pensar nas próximas eleições. Quando servimos interesses eleitorais não estamos a servir os interesses do país. É bom dizer isso de forma clara aos portugueses. E as presidenciais, sob o ponto de vista de desenvolvimento do país, tem muito menos importância do que as eleições legislativas ou até mesmo as autárquicas, porque do ponto de vista operacional, no bem-estar das famílias e das empresas intervêm muito mais os órgãos eleitos localmente – estou-me a referir às eleições autárquicas – ou o Parlamento que é o órgão que permite constituir um Governo e permite legislar. Não estou a minimizar a importância das presidenciais, o Presidente tem naturalmente a importância que tem e é bom que nós, portugueses, consigamos eleger um Presidente da República que esteja de acordo com aquilo que é a necessidade do país para aquela função. Agora para o desenvolvimento económico, para a economia e para criar um país mais próspero e mais rico não faz sentido estar a antecipar a discussão presidencial.
É tirar nomes para cima da mesa sobre quem pode ou não avançar…
Certamente, qualquer dia mais vale numerarmos os candidatos porque já são imensos quando o foco de todos os agentes políticos e agentes económicos, nos quais se insere a CIP, deveria ser o interesse do país. É ter a ambição de pedir mais, mas também querer estar disponível para o compromisso de fazer mais. Parece incrível como é que nos entretemos numa espécie de catarse coletiva. Antes os comentários sobre um jogo futebol duravam mais tempo do que o próprio jogo, agora os comentários políticos nas televisões duram mais do que o próprio facto. Às vezes, é um discurso de cinco minutos para um nível de dissecação de horas e, por vezes, pode surgir uma palavra por acaso, mas com o sentido que se dá à interpretação acabamos por entrar numa espécie de jogos florais como quem tem todo o tempo do mundo para ser próspero, para crescer, para eliminar determinadas debilidades que ainda recentemente a covid nos pôs em evidência. Já nos esquecemos que nem máscaras tínhamos, nem gel, quanto mais ventiladores? Não tínhamos nada. Somos um país vulnerável.
E de memória curta…
De memória muito curta. Então não é de fazemos alguma coisa para a nossa soberania, para a nossa capacidade e qualidade de vida? Temos de fazer programas ambiciosos e não é preciso serem os mais ambiciosos do mundo, basta ter alguma ambição, mais do que atualmente têm. Precisamos de uma sociedade justa, onde a meritocracia seja premiada, mas não dê direito a tudo.
Quando assumiu a presidência da CIP apresentou a sugestão de uma série de reformas…
A discussão do IRC era uma das muitas medidas, assim como a questão do trabalho extraordinário no sentido de ter uma redução ao nível do IRS e o 15.º mês.
Acha que a ideia do 15.º mês foi mal interpretada?
Conseguimos pôr em evidência que os aumentos salariais em Portugal têm servido sobretudo para aumentar a receita tributária do Estado. Todo este impulso que se procura fazer para aumentar o salário – e é importante que se faça – é mais para ir parar aos bolsos do Estado do que propriamente para os bolsos do trabalhador. Por exemplo, num aumento de 100 euros, 11% vai para a Segurança Social da parte do trabalhador e 23,75% da empresa, o que dá 34,75%. Depois, qualquer taxa de IRS é superior a 15%, mas vamos supor uma taxa média de 20%, então 34,75% mais 20% significa que mais metade do aumento que custa à empresa não vai para o trabalhador, mas para o Estado. O Estado é o principal beneficiado porque está a aumentar a sua arrecadação tributária.
Daí defender que os recibos de vencimento mostrem o que a empresa paga…
Sim, porque a ideia do 15.º mês era a possibilidade de pagar até um salário a um trabalhador, era uma gratificação ao trabalhador, não uma gratificação ao Estado. Pode-se dizer que estamos a tirar uma receita à Segurança Social, no entanto, essa medida não existia. Como é que se tira uma coisa que não existe? Esta medida pôs a nu a realidade de que o Estado cobra demasiado impostos sobre o trabalho. Se não houvesse esta carga fiscal tão elevada, os salários poderiam aumentar mais. Temos impostos de rico para rendimentos de pobre. Diz-se que, em qualquer país da Europa, há taxas de IRS de 50% ou de 52% como em Portugal, mas, mais uma vez, está errado porque se está a comparar o que não é comparável. Nos outros países aplica-se uma taxa máxima de 50% para um salário de rico, ou seja, de 300 mil euros. Em Portugal, aplica-se a partir de 75 mil euros. Compara-se apenas as taxas e não o valor tributável. Também se diz que os nossos salários são baixos, muito bem, e a nossa produtividade? O salário comparado com a produtividade está acima ou abaixo? Já fizemos essas avaliações e está muito abaixo. E se os nossos salários não estão na média europeia, a nossa produtividade está mesmo muito abaixo da média europeia.
Marcelo Rebelo de Sousa, na mensagem de Ano Novo, disse que era preciso crescer mais para pagar mais. Estamos à espera do tal milagre económico?
Tal e qual, acho até cândido algumas forças políticas dizerem que tem de se aumentar os salários porque o custo de vida está elevado. Então os salários são pagos em função do custo de vida? Em alguma parte do mundo isso acontece? Claro que as pessoas dependem do salário para viverem e se há um custo de vida maior há uma pressão maior sobre o salário. Mas para as empresas que pagam o salário, pagam-no porque o custo de vida é maior ou pagam em função daquilo que é produzido? Alguém vai perguntar a um dono de um restaurante ou de um café se aumentou os salários porque o custo vida aumentou? Provavelmente vai dizer que não porque continua a vender o mesmo com custos acrescidos. Há solução para isto? Há. É fazer crescer a economia.
Mas não há varinhas mágicas…
Três coisas que temos incentivado. Desde logo, o investimento e quando se discute a produtividade diz-se logo: ‘Lá estão os empresários a apontar o dedo ao trabalhador, a dizer que é preguiçoso ou que não tem motivação para trabalhar’. Nada mais errado, não estou a dizer que não possa haver casos em que é assim, mas não é a generalidade. E depois surge a seguir a ideia de quando o português vai para fora produz muito mais do que cá dentro, mais uma vez, está relacionado com a qualidade dos fatores de produção. Se tiver pessoas qualificadas posso ter aspiração a ter um nível de sofisticação de negócio. Se tivermos uma fábrica de montagem de automóveis com certeza que o valor acrescentado é diferente do que se estiverem numa plantação agrícola com uma enxada nas mãos. O mesmo trabalhador se estiver a realizar um trabalho no campo de enxada e se tiver num trator é completamente diferente a sua produtividade. A diferença é o investimento. Estou a dar exemplos de como é que o investimento faz a grande diferença em relação à produtividade. O trabalhador pode ser o mais aplicado do mundo, pode estar a trabalhar de sol a sol, mas não é isso que vai aumentar a produtividade. O que se exige? Incentivar o investimento no país. E como se incentiva? É tendo a taxa de impostos mais alta da Europa? É dizendo cobras e lagartos, como se diz do capital? Precisamos do capital como pão para a boca. No entanto, ostracizamos o capital e as grandes empresas. Toleramos as pequenas empresas e combatemos as grandes. Em 50 anos de liberdade não conseguimos criar uma única empresa global no mundo. Pode-se dizer que ‘somos um país pequeno’, mas quantos países pequenos existem com marcas globais?
São desculpas?
São desculpas. Temos uma única marca global que se chama Cristiano Ronaldo, que ousou ser uma referência. Felizmente para ele é uma marca global, mas não é uma empresa. Não temos uma empresa portuguesa que seja global porque não temos condições. E estamo-nos a comparar com países como a Irlanda que tem a taxa de IRC metade da nossa. Por que é que uma multinacional dedicada ao mercado externo há de escolher vir para Portugal?
E, ainda por cima, somos um país periférico…
Desde que nascemos temos a ideia que olhamos para o mapa mundo e vemos Portugal no centro do mapa. É falso. Somos periféricos. Imagine um investidor que pode escolher, por exemplo, entre Portugal e um daqueles países do alargamento a Leste, como a Bulgária, por que é que se vai instalar em Portugal e não ao lado de um pulmão económico que é a Alemanha e que está a duas horas de milhões de consumidores no centro da Europa? Temos de encontrar razões para que venha esse investidor.
Uma das medidas passaria por uma carga fiscal mais atrativa?
Neste cenário que estou a dar quem vai investir em Portugal? Não temos nem competitividade fiscal, nem simplificação. Vamos para Portugal porque a máquina administrativa funciona muito bem e em três meses temos licenciado um projeto? Não, pode durar anos.
Nem com os Simplex’s se resolveu?
Não e é um drama. Temos de oferecer alguma coisa aos investidores, há coisas naturais que ainda não conseguimos estragar, como o bom tempo e uma certa tranquilidade de vida.
Daí termos uma economia assente no turismo….
Mas num turismo, infelizmente, low-cost. Para um país pequeno como o nosso, se calhar, não deveria ser um turismo de massas, devíamo-nos especializar. Em termos concretos, o que podemos oferecer ao investidor? Aquele país tem uma taxa de IRC muito elevada, mas ok, vamos considerar porque são rápidos no licenciamento, não. São rápidos nos conflitos na Justiça, não. Não conseguimos construir uma proposta de valor para um investidor escolher Portugal e precisamos mesmo de investimento. Os que vão aparecendo são os que, apesar de tudo, teimam estar em Portugal. Há uns que valorizam e, ainda bem, a qualidade dos nossos recursos humanos e a paz social. Por exemplo, em relação à fileira automóvel e incluo também as baterias e toda a parte dos carros elétricos, estamos todos os dias a perder projetos de investimento para outros países da Europa, nomeadamente para Espanha. Em Espanha, apesar de ter um Governo que está longe de ser amigo das empresas está unido no objetivo de atrair investimento. Por cá, assistimos durante semanas a este suspense se o Orçamento passava ou não apenas e só porque o Governo podia teimar em descer em vez de um miserável ponto no IRC, descer dois. E se tivesse a teimosia, a ousadia de descer dois, podia o Governo cair. Isto não se vê em parte nenhuma do mundo. Se isto não fosse sério era risível. Dava um filme cómico enorme: um país que tem a taxa de IRC mais alta, que está a querer atrair investimento, que está à procura de encontrar razões para que o país seja competitivo, e o Governo atreve-se a dizer que vai baixar o IRC em dois pontos e tem a ameaça de cair se insistir em fazer isso.
Foi usado o argumento que iria beneficiar as grandes empresas…
Primeiro, quantas grandes empresas existem em Portugal? As grandes empresas que ainda existem começam a ser cada vez mais pequenas. Compare-se as nossas grandes empresas com as grandes empresas da Europa. Segundo, em termos de tributação temos uma coisa que não existe na Europa que é o imposto progressivo e ainda descobrimos outra coisa que além de se pagar mais aplica-se mais uma taxa que se chama derrama: estadual ou municipal que eram medidas de emergência nos tempos da troika, mas como originaram receita ficaram. Essa derrama faz com que uma empresa seja penalizada se estiver a ser eficiente. É quase um incentivo para que essa empresa se divida em duas para que não atinja os patamares. Em vez de incentivarmos as empresas a crescer para que sejam mais eficientes, possam pagar melhores salários e contratar mais pessoas, o que vemos é que se começarem a ser maiores logo são combatidas. E começamos sempre a apontar como odioso o ser grande, como se ter lucro fosse uma coisa odiosa. Não podemos ser um universo de empresas em que uns pigmeus copiam outros pigmeus. Temos de ter a ambição de crescer e nenhum país é próspero se não houver um sentimento na sociedade de estímulo à atividade empresarial.
Há organismos públicos a incentivar essa atividade empresarial…
A primeira transição tem de ser cultural. Mas este pensamento não é de hoje, no final do século XIX, aquela geração fabulosa de Eça de Queirós, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins tinham aquelas tertúlias para dizerem mal, sem nenhum propósito de fazerem uma alteração. Tanto assim era que se consideravam os vencidos da vida. Temos de fazer esta transformação cultural e assumirmos que o nosso desígnio é não estarmos de mão estendida para a Europa. Vamos lá ter respeito por nós próprios para não estarmos tão dependentes nem da Europa, nem sequer da subsidiodependência ou da subsistência. Trocámos a ideia do Deus providente para o Estado providente que é de ajudar em tudo e que vai dar tudo a todos. Podemos apresentar as medidas todas, mas se a sociedade não disser ‘é para fazer’ e se não tivermos líderes partidários – que em vez do pequeno ganho político partidário para ver se consegue eleger mais um candidato ou se consegue eleger mais não sei quantos deputados – que percebam que é preciso fazer transformações na sociedade portuguesa corremos o risco sério de ficarmos irremediavelmente no carro vassoura. Por exemplo, só internacionalizámos há 50 anos – a presença hegemónica nas ex-colónias não era propriamente uma internacionalização –, já há muitas empresas que estão a fazer boas apostas, mas não estamos a fazer tudo. Quando é que foi o boom da internacionalização da economia espanhola? Quando tiveram um instrumento em que podiam deduzir aos lucros o investimento que faziam, quer fosse em Espanha, quer fosse fora. Alguma vez tivemos essa oportunidade? Nunca. Estamos na mesma Comunidade Europeia, no entanto, não temos os mesmos instrumentos. A política do Orçamento do Estado tem sido sobretudo uma política orçamental que é arranjar receita suficiente para cobrir os custos. Isto tem dois erros. Primeiro, nunca se olha para os custos para saber se são os adequados, se são eficientes ou não, se são necessários ou não, olha-se sim é para a receita que tem de ser tão grande quanto a necessidade. Isto para uma empresa seria fantástico, porque tinha logo garantido que conseguiria vender o suficiente para suportar os seus custos.
É o caso da Saúde? Diz-se que nunca se gastou tanto dinheiro …
Gostava que a avaliação fosse dizer ‘nunca se foi tão eficiente nos gastos da Saúde’. Cuidar da saúde dos portugueses deve ser uma prioridade. Dito isto, não é cuidar com displicência, é cuidar com eficiência. Se puder cuidar dos portugueses com dez, não vou cuidar com 11. É fazer uma boa afetação dos recursos que se tem. Uma das coisas que se aprende na economia é que é a ciência que procura fazer a gestão de necessidades abundantes perante recursos escassos. O que me parece é que a economia em Portugal é exatamente o contrário. Parece que são necessidades escassas e recursos abundantes.
Estamos perante um Estado esbanjador ?
Temos um Estado esbanjador e temos um sentimento que ninguém pergunta de onde vem o dinheiro. Achamos que o dinheiro é uma rotativa que está no Banco de Portugal a produzir notas durante a noite e no dia seguinte lá vai estar o dinheiro necessário para se gastar. Não se percebe que o dinheiro sai do seu bolso, do meu, das empresas e sai sob a forma de impostos. As famílias e as empresas estão exauridas e quanto mais a máquina do Estado gastar, mais tem de sair das famílias e das empresas. O Estado hoje já se apropria de mais de 50% do Produto Interno Bruto, metade da riqueza produzida no país é do Estado. Se tivermos um Estado super eficiente, então tudo bem, agora nos setores críticos, como a Saúde, Educação e Habitação estamos bem servidos? Não estou a dizer que a responsabilidade é deste Governo, este Governo está lá há poucos meses. O que aconteceu nas últimas duas, três décadas? Isto vai por literacia, é preciso explicar aos portugueses que o dinheiro é deles, que não somos um Estado rico, que gastamos, mas depois na escola não há professores, na Saúde não há médicos, a Habitação não existe. Estamos a receber milhares de imigrantes todos os anos e as casas não estão a aparecer aos milhares e são as mesmas que tínhamos, naturalmente que há uma pressão sobre o preço. O Governo tem um projeto para aumentar os solos para se poder construir mais casas, esperava-se que fosse uma medida unânime e achei caricato que assim não fosse. Todos falam da necessidade de construir casas e depois vejo alguns partidos a porem isso em causa. Em que ficamos? É para haver mais casas ou não? Estamos a falar de alterar uma pequena percentagem, não é irmos de repente para um descampado e fazer uma cidade ou uma vila nova, ainda assim, levantou-se uma cacofonia. Muitas vezes, puramente por falta de conhecimento, mas, provavelmente, a maioria por razões apenas tático política. É algo que não faz sentido nenhum.
Quando os partidos de esquerda também pedem mais habitação…
Querem habitação, mas não pode haver mais terrenos para construir. Vai-se construir onde não há espaço? Fala-se que há especulação, então se aumentarmos a oferta não elimina a especulação? Acho que, em muitos casos, sinceramente não há preparação ou pior há uma desonestidade intelectual. Em relação à primeira já sou crítico suficiente por não haver preparação, nem por estudarem. Agora é imperdoável se há desonestidade intelectual, em que utilizam argumentos que sabem que são falsos e só pretendem confundir as pessoas, enganá-las. Além de que a nossa reserva ecológica e agrícola tem sido fantástica, tem-nos dado uma riqueza que está aí, além dos incêndios não sei o que nos tem dado mais… O que se vê mais é terrenos abandonados. É ridícula esta discussão.
Falou em imigração. A CIP tem dito que quer ter um palavra a dizer em relação às medidas que serão propostas…
Gosto sempre de ir à origem do problema antes de ir àquilo que se está a discutir. O que temos hoje é uma pirâmide demográfica invertida, ou seja, temos cada vez mais inativos e cada vez menos ativos, o que significa que o nosso sistema de pensões e a sustentabilidade das reformas está em risco. O que estamos a ver é que nos faltam pessoas para trabalhar e só se resolve de duas maneiras. Uma é a população portuguesa ter mais filhos, mas mesmo que tenha só vai produzir efeitos daqui a 20 ou 30 anos, a outra é promover a vinda de imigrantes. Não há uma terceira hipótese. Precisamos da imigração, mas se não colocarmos nenhuma restrição nas qualificações dos que vêm, inclusive podem vir pessoas analfabetas, estamos a diminuir a média de escolariedade da nossa mão-de-obra ativa. Se queremos melhorar a economia para pagarmos melhor salários, subir na cadeia de valor e para tornarmos os negócios mais sofisticados então é com pessoas não qualificadas que vamos fazer isso? Já não temos investimento, também não temos pessoas qualificadas, então vamos estalar os dedos e as empresas de repente acrescentam valor e pagam salários de dois ou três mil euros? Não sei como se faz isso e sou empresário toda a vida. Não sei e sou presidente de uma confederação empresarial, alguém que me explique como é que é possível subir salários sem subir nas qualificações das pessoas e sem ter promoção de investimento? O que defendemos na questão da imigração é que é preciso preencher as necessidades, mesmo não sendo trabalhadores qualificados, mas não vamos esquecer de atrair pessoas qualificadas. E as pessoas devem vir para Portugal não apenas para trabalhar, mas para viver.
É justo passar esse ónus para as empresas?
Aí é que está, o que acontece é que o Estado automaticamente atribuiu-lhes um cartão de contribuinte, se o Estado é tão rápido a atribuir um cartão para pagar impostos qual é a dificuldade em atribuir um cartão para residir? A CIP está sempre disponível para fazer parte das soluções, mas não aceita que as empresas passem a assumir responsabilidades que o Estado não assume. Temos proposto que haja um centro de formação e de recrutamento no país de origem. No local é mais simples formar, recrutar e fazer uma seleção, no entanto, também é preciso assegurar que as empresas portuguesas não sejam apenas uma porta giratória para a Europa, porque a partir do momento em que houver um visto de permanência em Portugal e como Portugal está no espaço Schengen, significa que é válido para cá e para qualquer outro país da Europa. Então são as empresas portuguesas que estão a ter o custo de recrutar, selecionar, formar, investir para depois os trabalhadores se irem embora? Não há nenhuma forma de reter essas pessoas mas deve haver, pelo menos, um compromisso de ficarem durante um período de tempo.
Fala-se na necessidade da imigração, mas depois assistimos a discursos a falar em insegurança…
Enviesa o discurso, os partidos perigosamente estão a declarar inimigos. Os partidos para fixar eleitorados não estão a resistir à tentação de declarar inimigos. E que inimigos é que declaram? O imigrante, o que é diferente, o outro. Os imigrantes não são apenas aqueles que infelizmente vemos de bicicleta, muitas vezes, em condições absolutamente inumanas, a entregar uma refeição. Os imigrantes também são aqueles que vêm para as empresas em posições médias ou de topo e há lugar para todos. Matéria atrai matéria. Se conseguirmos atrair muitos engenheiros para a área aeroespacial de certeza que, em algum tempo, vamos ter um centro de competência aeroespacial. Temos de deixar aquela ideia de que para ser empresário basta ter espírito empreendedor. Isso é fundamental, mas não é suficiente. Temos de ter matéria empreendedora: capital, centro de investigação, tecnologia, universidade, qualificações e inovação.
O PRR foi, em parte, apresentado para dinamizar a economia…
Diz bem a forma verbal, era. Foi da ideia do Next Generation que se criou o PRR. Era para pensar a próxima geração e para pensar a transformação da economia. Em Portugal, o dinheiro foi para fazer investimentos no Estado. Pode-se perguntar: ‘Os investimentos no Estado não são fundamentais’? São, mas não é para serem feitos à custa de dinheiro que era para transformar a economia e o problema é que o Estado deixou de fazer investimentos e os que faz é com dinheiro do PRR. O Estado habitou-se a ser o principal beneficiário dos fundos europeus e continua a haver a desconfiança de que todo o dinheiro posto no bolso dos privados é vício e todo o dinheiro posto no Estado é virtude.
Como vê os atrasos na execução do PRR?
Mais uma vez, parece que temos todo o tempo do mundo, não nos preocupamos muito com esse deadline e corremos o risco de não conseguirmos executar. As solicitações são cada vez maiores e, muitas vezes, estão em funções administrativas de suporte e não estão viradas para a parte central de resolução de problemas. É como se, por exemplo, o corpo de polícia, em vez de andar a fazer aquilo que deve fazer, que é garantir a segurança do cidadão, estivesse todo na secretária a fazer trabalho administrativo. É preciso simplificar, não estamos a pedir menos escrutínio. Não façam os investidores envolverem-se em labirintos dos quais não conseguem sair.
Outra das prioridades que defendeu diz respeito a alterações à legislação laboral. Está à espera de resistência por parte das centrais sindicais?
Uma das coisas fundamentais é a ideia de compromisso. A nossa sociedade não evolui se passarmos a vida a desconfiar de tudo. E não faz sentido que as entidades patronais não dialoguem com as entidades sindicais.
Estão juntos na concertação social…
A concertação social é um local que exige disponibilidade e, às vezes, algumas das partes em vez de dizerem o que querem, dizem apenas o que não querem. Nunca vi uma proposta concreta. Vi-os a rejeitar várias propostas, mas nunca os vi a darem uma alternativa. Vejo sempre uma barreira e isso é o contrário do processo negocial. Haver confiança, haver diálogo é absolutamente fundamental. Nesta questão concreta da legislação laboral não pedimos mais do que aquilo que existe no espaço europeu. Uma economia onde seja muito difícil de despedir também é muito difícil de contratar. É preciso arranjar condições de equilíbrio que permita que não haja a insegurança das pessoas por não terem um vínculo de trabalho, mas vamos também arranjar uma forma de quando a empresa não está em condições de manter esse posto de trabalho, desde que seja comprovado, possa promover uma saída. Por outro lado, estamos a ignorar o problema da sustentabilidade da Segurança Social. Ninguém ousa falar na Segurança Social porque há 3,2 milhões de pessoas que têm mais de 65 anos que votam e ninguém quer incomodá-los. Ninguém lhes quer dizer que o sistema de pensões está em risco porque não temos hoje, na base de contribuição, o número necessário de contribuições para fazer face às pensões.
O problema da sustentabilidade não é novo…
A Segurança Social está com sérios problemas que têm de ser abordados e deve-se ver o que é que os outros países da Europa fizeram, como encontrar formas de promoção de poupanças complementares. O nosso sistema tributário hoje não incentiva o trabalho suplementar porque leva tudo. Hoje sei que se convidar um trabalhador a fazer umas horas vai-me dizer educadamente que é trabalhar para aquecer ou que vai se calhar receber menos porque aumenta a sua taxa de retenção. Na concertação social é essencial que uns e outros percebam bem o que está aqui em causa e não vá cada um marcar uma posição do ‘daqui não saio, daqui ninguém me tira’. Nesse caso, não é uma concertação, é apenas um comício. É marcar apenas posições e a que chamo estar a ditar para a ata. E se as posições vieram vincadas pelas organizações ainda vá que não vá, agora se vierem vincadas dos partidos é lamentável porque um organismo de concertação social da sociedade civil não deveria ser uma correia de transmissão de entendimentos partidários. E, muitas vezes, aquilo que verificamos é que é mais uma afirmação, mais um apoio à ação no terreno de determinados partidos do que propriamente para a defesa da economia ou dos trabalhadores. Algumas medidas que propomos se fossem referendadas pelos trabalhadores acredito que iriam aderir.