Taxa de esforço: famílias correm risco de exclusão habitacional

Comprar casa em Portugal exige 71% dos rendimentos. No caso do arrendamento, a percentagem sobe para 83%. Os valores afastam muitos do mercado e especialista alerta: o número de famílias em situação precária pode crescer.

Taxa de esforço: famílias correm risco de exclusão habitacional

Salários baixos e preços cada vez mais altos na habitação. A mistura explosiva faz com que muitos não consigam lá chegar, com a taxa de esforço a alcançar valores impossíveis. Atualmente, comprar casa em Portugal consome 71% dos rendimentos. E no arrendamento o valor é ainda mais elevado: 83%. Estes são os dados mais recentes de uma análise do idealista, que mostra que em apenas seis capitais de distrito é possível comprar casa com uma taxa de esforço igual ou inferior à recomendada, de 33%. Já no arrendamento, todas as capitais de distrito superam esse valor.

Vamos a números. No que à compra diz respeito, a percentagem de rendimentos que as famílias devem destinar para comprar uma casa aumentou em seis capitais de distrito. Foi em Setúbal onde a taxa de esforço mais aumentou, passando de 49% a 55% (+6 pontos percentuais). Seguem-se Santarém (4 p.p.), Ponta Delgada (3 p.p.), Lisboa (2 p.p.), Aveiro (1 p.p.) e Guarda (1 p.p.). Em Coimbra e em Évora a taxa de esforço não variou durante este período.

Mas também foram registadas quebras. A taxa de esforço para compra caiu no Funchal (-14 p.p.), Vila Real (-14 p.p.), Faro (-10 p.p.), Bragança (-10 p.p.), Porto (-8 p.p.), Viseu (-7 p.p.), Leiria (-7 p.p.), Castelo Branco (-4 p.p.), Braga (-3 p.p.), Portalegre (-2 p.p.), Viana do Castelo (-1 p.p.) e Beja (-1 p.p.)
Ainda olhando para o mesmo período, as cidades com a maior taxa de esforço para comprar casa foram Lisboa (108%), Faro (96%) e Funchal (96%), seguidas por Aveiro (72%), Porto (69%), Ponta Delgada (66%), Braga (59%), Setúbal (55%), Viana do Castelo (54%), Leiria (50%), Coimbra (47%), Évora (46%), Viseu (45%) e Santarém (36%).

No arrendamento o cenário ainda é mais gritante. A taxa de esforço mais alta para arrendar é em Faro, que passou de 70% no segundo trimestre de 2024 para 90% no mesmo período de 2025, aumentando 20 p.p. Entre os maiores aumentos das taxas de esforço para arrendar casa no último ano está ainda Ponta Delgada (15 p.p.), Guarda (4 p.p.), Funchal (3 p.p.), Braga (2 p.p.), Aveiro (2 p.p.), Leiria (1 p.p.) e Viseu (1 p.p.). Em Bragança e Castelo Branco a taxa de esforço não variou durante este período. E baixou nas restantes capitais de distrito.

Depois de Faro (90%), Funchal é a cidade que requer o mais esforço por parte das famílias para arrendar casa, sendo necessário destinar 89% dos seus rendimentos. Segue-se Lisboa (83%), Ponta Delgada (75%), Porto (71%), Setúbal (58%), Braga (55%), Viana do Castelo (55%), Aveiro (53%), Évora (50%), Leiria (49%), Santarém (48%), Viseu (44%), Coimbra (42%), Bragança (39%) e Vila Real (37%).

Já as cidades onde as rendas da casa pesam menos nos rendimentos familiares são Castelo Branco (34%), Guarda (34%), Beja (35%) e Portalegre (35%). «De referir que todas as capitais de distrito apresentaram taxas de esforço superiores ao recomendado, de 33%», alerta o idealista.

Mais casos de sobrecarga financeira
O Nascer do SOL tentou obter mais informações junto do idealista. «Os dados apresentados mostram que a taxa de esforço das famílias portuguesas para aceder ao arrendamento está demasiado elevada», diz Ruben Marques, porta-voz do idealista, acrescentando que «o facto de haver, em média, 17 famílias interessadas por cada casa disponível indica que a procura é muito superior à oferta, o que faz disparar os preços das rendas».

Consequentemente, avisa, «muitas famílias acabam por comprometer uma parte demasiado significativa do seu rendimento mensal só para conseguirem assegurar uma casa para viver».

Questionado sobre se estes números afastam muitas pessoas do arrendamento e da compra, Ruben Marques é de opinião de que os valores «comprovam que tanto o arrendamento como a compra de casa estão fora do alcance de grande parte da população» e «a pressão elevada da procura, associada ao aumento do valor das rendas e dos preços das casas, faz com que muitas pessoas não consigam suportar os custos e sejam forçadas a adiar ou até a desistir dos seus planos de viver autonomamente».

O maior problema é que, «se este cenário persistir, é expectável que aumentem os casos de sobrecarga financeira e que mais famílias fiquem em risco de exclusão habitacional». E o responsável alerta ainda que podemos vir a assistir a «uma subida do número de famílias a viver em situação precária». Além disso, «esta situação pode acentuar as desigualdades sociais e dificultar ainda mais a fixação de jovens e famílias nas grandes cidades».

Sobre o que poderia ser feito pelo Governo para alterar esta tendência, Ruben Marques atira que o Estado «deveria atuar prioritariamente para criar um ambiente favorável à entrada de mais casas no mercado, por via de incentivos à construção e reabilitação, segurança jurídica e menor burocracia», não tendo dúvidas de que «só assim será possível inverter a tendência de escassez e tornar a habitação mais acessível, tanto no arrendamento como na compra».

Para Ruben Marques, é ainda «fundamental aumentar a oferta de imóveis para arrendamento sem perseguir os proprietários, buscando medidas equilibradas que incentivem quem dispõe de imóveis a colocá-los no mercado». E defende que, desta forma, «será possível promover um aumento sustentável da oferta habitacional, beneficiando tanto inquilinos quanto proprietários».