PRR. Execução acelera nos últimos meses

Apesar dos alertas para que não haja desperdício de verbas, a execução do programa atingiu os 40%, mas ainda há empresas a desistir e o Tribunal de Contas Europeu tem apontado falhas no controlo e transparência.

A execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem vindo a acelerar nos últimos meses, situando-se em 40% no último relatório. Uma percentagem que, de acordo com o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, «nem poderia ser de outra forma, tendo em conta a importância desta fonte de financiamento para o país». Trata-se «de um instrumento decisivo para modernizar a economia portuguesa», salientou ao Nascer do SOL.

No entanto, o responsável aponta o dedo ao arranque do programa, considerando que foi «demasiado lento», acabando por «criar um efeito de compressão de prazos que se torna particularmente exigente nesta fase final».

 Luís Miguel Ribeiro recusa, porém, atribuir responsabilidades pelos atrasos às mudanças de Governo, já que entende que «a questão não se coloca em termos de ‘cores políticas’». E justifica: «O que é verdadeiramente relevante – e preocupante – é o facto de o PRR, à semelhança de outros programas com fundos europeus, ter demorado bastante tempo a arrancar, muito mais do que seria desejável. Este atraso inicial, num programa que tem uma janela temporal mais curta do que os tradicionais quadros comunitários, arrastou-se ao longo do tempo e foi condicionando a sua execução».

 Uma situação que não surpreende o presidente da AEP, que lembra que a associação, desde o primeiro momento, alertou que o PRR deveria ter tido uma maior alocação para o setor empresarial privado, em detrimento do setor público. «Este foi o grande ‘pecado original’ do PRR. É, sobretudo, nas empresas privadas que se cria riqueza e se gera a inovação. Aliado a isso, as empresas privadas tendem a executar de forma mais célere os fundos comunitários», refere ao nosso jornal. Já quanto à execução, defende que «teria sido desejável procedimentos menos complexos, reduzindo entraves e burocracias para os promotores dos projetos de investimento. Um processo ágil e descomplicado teria permitido uma execução mais célere do programa».

Risco de desperdício de verbas?

É certo que temos vindo a assistir a alertas contínuos para não assistirmos ao risco de haver desperdício das verbas. E, para o presidente da AEP, as chamadas de atenção não devem ser ignoradas. Ainda assim, Luís Miguel Ribeiro vê uma luz ao fundo do túnel: «Considerando a última reprogramação realizada por este Governo, o risco de não execução aparenta estar, em grande medida, acautelado».

E dá como exemplo positivo a criação do novo Instrumento Financeiro para a Inovação e Competitividade criado na última reprogramação do PRR destinado a investimentos inovadores em empresas, com uma dotação inicial de 315 milhões de euros através de verbas sobrantes de outros programas financiados pelo programa. «Este fundo é mais direcionado ao desenvolvimento e à adoção industrial de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e o reforço a base industrial e tecnológica nacional de defesa e segurança, contribuindo para a reindustrialização do tecido empresarial».

No entanto, admite que «o desperdício de fundos comunitários seria incompreensível considerando as necessidades de financiamento do investimento que o país tem».

Recorde-se que o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, Pedro Dominguinhos, já tinha apontado para riscos que estavam relacionados com a «execução material de vários investimentos, que carecem de uma aceleração física, de forma que as metas e marcos que faltam cumprir possam ser alcançadas, aumentando-se também a celeridade e volume dos pagamentos aos beneficiários finais».

O responsável dizia, em abril, que os roteiros de proximidade realizados pela Comissão Nacional de Acompanhamento, «com centenas de visitas aos beneficiários finais, têm possibilitado verificar a aceleração da execução dos vários investimentos PRR, com resultados visíveis nas várias componentes. E nos próximos tempos esta aceleração irá continuar e os resultados serão cada vez mais visíveis».

Ainda assim, identificou algumas dificuldades que se sentiram «e muitas que teimam em se manter – nomeadamente a morosidade nos pagamentos – e que são entraves na execução do PRR», referindo que ao longo do período de execução do PRR, desde 2021, assistiu-se à invasão da Ucrânia pela Rússia, com impactos significativos ao nível dos preços e custos, ao aumento da inflação, bem como disrupção das cadeias de abastecimento e atrasos nas entregas. Por ouro lado, admite que «vivenciamos um processo burocrático e administrativo pesado, apesar de várias alterações legislativas implementadas, mas que não foram suficientes para acelerar, com a dimensão pretendida, estes processos».

Pedro Dominguinhos destacava ainda questões como o «controlo do duplo financiamento, do conflito de interesses, do registo central do beneficiário efetivo ou a operacionalização do mecanismo de reposição do IVA que ainda não está em velocidade cruzeiro, que foram morosos e implicaram uma carga administrativa pesada».

E falava numa terceira dificuldade que se prende com atrasos em vários processos, «desde as candidaturas até à análise dos pedidos de pagamento». Junta-se a operacionalização de várias plataformas informáticas, que, segundo o responsável, «foi morosa, exigiu e continua a exigir uma aprendizagem constante de todos os intervenientes e carece ainda de melhorias e afinações».

Empresas desistem

Apesar da execução do programa começar a dar passos mais largos, há empresas que estão a sair dos consórcios no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, como já avançou o Nascer do SOL. O nosso jornal sabe que na base desta decisão está o facto de muitas empresas perceberem que não terão tempo para cumprir os projetos até ao final do prazo e outras por perceberem que a verba que irão receber da ‘bazuca’ não será a fundo perdido, mas sobre a forma de empréstimos.

Um caso que preocupa Luís Miguel Ribeiro. «É sempre um sinal preocupante e reflete o desajuste entre o desenho do programa e a realidade das empresas», diz, referindo que «cada projeto de investimento está sujeito a um timing próprio, uma janela de oportunidade que, se não for aproveitada, pode comprometer a viabilidade e o retorno esperado. Neste sentido, se a tramitação administrativa é excessivamente morosa e complexa, o contexto económico pode alterar-se, assim como as prioridades estratégicas das empresas e, por vezes, estes investimentos podem deixar de fazer sentido».

Controlo ou descontrolo?

Estas verbas comunitárias têm vindo a fazer soar alarmes junto do Tribunal de Contas Europeu (TCE), que já veio a afirmar que o plano está, em termos europeus, a ser executado com falhas significativas em matéria de controlo, transparência na aplicação dos fundos e ligação entre custos e resultados. Para já, Luís Miguel Ribeiro diz  apenas que a associação tem vindo a acompanhar estas situações. «Estamos confiantes de que Portugal terá condições para colmatar as falhas identificadas pelo TCE. O país não pode correr o risco de colocar em causa a boa execução desta oportunidade única de financiamento do investimento», conclui.